Mapeamento identifica 542 iniciativas de agroecologia, espalhadas por 27 estados. Estudo mostra que agro não é pop. É tóxico
Por Liana Melo, compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: Mulher trabalhando na roça no quilombo Ribeirão da Mutuca: agroecologia cria ilhas de resistência aos agrotóxicos. (Foto: Acorquirim/ Divulgação)
De origem tupi, a palavra “muxirum”, que significa mutirão, faz parte do linguajar dos moradores do Quilombo Ribeirão da Mutuca. Nessa comunidade negra rural de Nossa Senhora do Livramento, localizada a 50 quilômetros de Cuiabá, no Mato Grosso, o uso de agrotóxico é terminantemente proibido. As 140 famílias que vivem na terra, usam e abusam dos recursos naturais locais: pequi, banana, jatobá, babaçu, cumbaru, coco bocaiúva, além de outros frutos típicos do Cerrado.
Ribeirão da Mutuca é um dos seis quilombos do território Mata Cavalo e um exemplo de resistência aos agrotóxicos pelo Brasil. Levantamento do De Olho nos Ruralistas para o projeto “Brasil sem Veneno”, feito em parceria com o Joio e o Trigo, identificou 542 iniciativas espalhadas pelo país, em 27 estados brasileiros, onde predominam a agroecologia e a produção de alimentos livres de agrotóxicos e outros contaminantes prejudiciais à saúde do meio ambiente e das pessoas. O levantamento levou seis meses para ser concluído e entre as iniciativas estão indivíduos, grupos e organizações, rurais e urbanas.
Uma dessas ilhas de resistência é o quilombo cuiabano Ribeirão da Mutuca, onde vó Lhali, como é carinhosamente conhecida a centenária Lídia Ferreira de Jesus, de 104 anos, é uma espécie de guardiã das práticas tradicionais do “muxirum”. “Vendemos nossa produção de frutas e hortaliças em feiras e também de porta em porta em Cuiabá”, comenta Wilson Ferreira, que faz parte da Associação da Comunidade Negra Rural Quilombo Ribeirão da Mutuca (Acorquirim).
Das 542 iniciativas incluídas no mapeamento da agroecologia, 298 delas ocorrem em municípios rurais, palco, em sua maioria, de conflitos pela terra e de enfrentamento direto com o agronegócio. Ribeirão da Mutuca é um caso típico. Apesar de o território Mata Cavalo ter sido reconhecido pela Fundação Cultural Palmares como terra tradicional dos quilombolas em 2003, a área nunca deixou de ser invadida por fazendeiros, especialmente pecuaristas, e posseiros.
“Precisamos dar visibilidade a essas iniciativas”, defende Fran Paula, engenheira agrônoma e representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) – a entidade visa mostrar como os agrotóxicos são tóxicos e não pop, e que, ao contrário do que se divulga, não são fundamentais para aumentar a produtividade.
Como um dos maiores consumidores de agrotóxico do mundo, o Brasil, especialmente no governo Bolsonaro, vem liberando, em média, 1,4 agrotóxicos por dia, muitos deles altamente perigosos à saúde e ao meio ambiente, e, por isso, proibidos no exterior.
“Tem sido difícil mensurar os danos na saúde humana, especialmente porque o sistema de saúde ainda não está preparado”, comentou Fernando Carneiro, pesquisador da Fiocruz Ceará e membro do GT de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – GTSA/Abrasco. Ele cita, por exemplo, que, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), existe uma subnotificação das intoxicações por agrotóxicos: de cada caso notificado, existem outros 50 que não são notificados.