Impeachment não é Recall

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Por Fábio Kerche e João Feres, Jornal GGN, reproduzindo Brasil Econômica – 

O tema do impeachment, ainda que já um pouco desgastado, continua a habitar as colunas de opinião e editoriais das mídias e as discussões políticas no Brasil. O PSDB ensaiou até encomendar um parecer para jurista de confiança sobre o assunto, na esperança de obter aval e legitimidade para o avanço dessa demanda frente aos cidadãos brasileiros. É de se esperar que as forças políticas interessadas na deposição da presidente tentem confundir a opinião pública. Por isso, não custa nada jogar luz em assunto já nebuloso. Senão, vejamos.




No modelo presidencialista, o mecanismo do impeachment é regido por regras e procedimentos para que este não seja utilizado de forma leviana, ao sabor da conjuntura política. Para compreender sua função específica dentro do presidencialismo, é instrutiva a comparação com outro sistema de governo também adotado pelas democracias contemporâneas, o parlamentarismo.

Todo sistema de governo tem vantagens e desvantagens. O parlamentarismo tem a vantagem de ser mais flexível pois permite trocar o chefe do executivo quando este perde apoio popular e, por consequência, tem sua sustentação parlamentar diminuída. O mecanismo se chama voto de desconfiança. Uma vez proferido pela maioria dos parlamentares, o primeiro-ministro é deposto e elege-se outro gabinete, com ou sem a convocação de novas eleições. A desvantagem do parlamentarismo, entretanto, é justamente esta instabilidade, já que a adoção de medidas impopulares no curto prazo, mas que poderiam trazer benefícios no futuro, podem ser dificultadas pela ameaça de descrédito popular imediato.

No sistema presidencialista, a vantagem é o espelho do parlamentarismo: estabilidade para se tomar medidas impopulares no curto prazo, mas falta de instrumentos para trocar o chefe de governo quando este vê sua popularidade diminuída. Em caso de perda de apoio popular, é a eleição periódica, e não o impeachment, o mecanismo do presidencialismo para remover governantes. Ou seja, a eleição é funcionalmente similar ao voto de desconfiança no parlamentarismo. Enquanto ambos podem ser utilizados na falta de concordância com os rumos de governo, o impeachment é acionado somente em casos extremos, delimitados constitucionalmente, como responsabilidade por delitos.

O que vemos no Brasil hoje é a tentativa por parte de setores da oposição de utilizar o instrumento de impeachment como uma espécie de voto de desconfiança no presidencialismo, ou uma variedade de recall, outro instrumento eleitoral de remoção extemporânea de governantes e parlamentares utilizados em algumas democracias. Alavancados por pesquisas de opinião desfavoráveis ao governo, busca-se um motivo que justifique a utilização do instrumento previsto para situações excepcionais e circunscritas constitucionalmente. Se expusermos o presidencialismo ao crivo constante da popularidade, estaremos lançando nosso sistema político em uma crise espiral de estabilidade.

No presidencialismo, não se pode esperar que um governante seja impedido devido aos supostos maus resultados de políticas públicas por ele adotadas. Isso seria tentar implantar um mecanismo de recall no Brasil, instrumento não previsto pelas regras que regem nosso sistema. Ironicamente, o único país presidencialista que adota esse instrumento é a Venezuela, exemplo não muito popular entre aqueles que militam pela remoção de Dilma Rousseff.

Por fim, tem aqueles que, numa tentativa de judicializar a discussão, defendem que oimpeachment se justificaria pela comprovação da existência de práticas de corrupção no governo. Mas aqui a questão parece ser bastante simples: ou a corrupção não foi praticada diretamente por Dilma e, portanto, ela não pode ser imputada criminosa, ou ela está envolvida em prática de ato de corrupção e isso precisa ser provado. Se optarmos por uma interpretação estilo “domínio do fato”, estaremos novamente criando condições para o impedimento de rigorosamente todos os governantes do país.

O mais curioso nessa campanha pelo impeachment é que, à medida que ela se enfraquece, os que permanecem são obrigados a se mostrar cada vez mais radicalizados politicamente. É um jogo em que se passa uma batata quente de mão em mão, até restarem tão poucos a trocar a batata que fatalmente terão suas mãos calcinadas.

Também publicado no Brasil Econômico
João Feres, doutor em Ciência Política pela City University of New York, é professor do IESP/UERJ.
Fábio Kerche, doutor em Ciência Política na USP, é pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa. 

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