Impedir barulho e vaias da torcida é imperialismo cultural, diz sociólogo americano

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Por Fernando Duarte, BBC Brasil – 

Assim como muitos observadores internacionais acompanhando os Jogos Olímpicos do Rio, o sociólogo americano Peter Kaufman ficou espantado com o episódio das vaias ao atleta francês do salto com vara Renaud Lavillenie. No caso do acadêmico, porém, o que pareceu incomodá-lo mais foi a reação contrária ao comportamento da torcida.




Mulher grita durante partida na Rio 2016Image copyrightGETTY IMAGES
Image captionSociólogo americano diz que vê legitimidade no comportamento da torcida brasileira na Rio 2016

Para o professor da Universidade Estadual de Nova York, que escreve sobre sociologia do esporte e estudou as reações do público ao comportamento de atletas, houve exagero na condenação das manifestações, sobretudo depois do “pito” público dado nos brasileiros pelo presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), o alemão Thomas Bach.

Após as vaias a Lavillenie no pódio, Bach usou a conta do COI no Twitter para dizer que o comportamento do público foi “chocante” e “inaceitável nas Olimpíadas”.

“O COI certamente tem questões bem mais importantes para lidar do que vaias de torcedores”, disse Kaufman, em conversa com a BBC Brasil, por telefone.

Veja abaixo, trechos da entrevista:

BBC Brasil – O senhor acompanhou a polêmica das vaias no Brasil?

Peter Kaufman – Sim, porque houve um repercussão considerável de alguns incidentes envolvendo o público na Olimpíada do Rio. O comportamento de torcedores é algo interessante, porque estão em jogo fatores culturais.

Cada cultura tem seus próprios valores: em algumas, é apropriado beijar em vez de apertar a mão quando se é apresentado a alguém, por exemplo. Em outras, é muito aceitável vaiar, assim como em certos países aplausos efusivos podem ser vistos como algo rude.

Torcida durante partida na Rio 2016Image copyrightGETTY IMAGES
Image captionSociólogo aponta que vaias podem ter diferentes motivos, inclusive descontentamento com os gastos nos Jogos

BBC Brasil – Por que as pessoas vaiam?

Kaufman – É uma questão de expressão, uma forma de interação social e participação. E isso varia de lugar para lugar. Se um alienígena chegasse aqui hoje e fosse assistir a uma competição esportiva, possivelmente teria outra maneira de se comportar de acordo com sua realidade. E, óbvio, sabemos que não é apenas esporte. As Olimpíadas têm um significado muito maior. O público brasileiro pode estar vaiando em desafio às autoridades, ao governo brasileiro e até mesmo ao dinheiro gasto na Olimpíada.

BBC Brasil – É injusto com os atletas?

Kaufman – Alvos de vaias podem se sentir ofendidos, tristes e até ameaçados por uma torcida mais ruidosas. Não os culpo por pensarem apenas na qualidade de seu desempenho em vez de analisar aspectos culturais ou políticos. É perfeitamente compreensível que o atleta francês tenha ficado bastante chateado com as vaias que recebeu até no pódio. Mas ele estava competindo contra um atleta brasileiro e em casa. Pelo que tenho lido sobre a torcida brasileira, era inevitável que ele fosse alvo dessas manifestações.

BBC Brasil – Renaud Lavillenie não foi a primeira “vítima” e não deverá ser a última, mas o comportamento da torcida no Estádio Olímpico, em especial durante provas em que normalmente o silêncio do público é uma questão de etiqueta, como o tênis e a esgrima, irritou até o presidente do COI, Thomas Bach. Como achar um meio termo?

Brasileiros na Rio 2016Image copyrightGETTY IMAGES
Image captionTorcida brasileira ficou conhecida pelo excesso de vaias durante os jogos da Rio 2016

Kaufman – Olha, é irônico que sentimentos de nacionalismo e tribalismo surjam na Olimpíada, uma competição concebida em sua forma moderna para promover a paz e a união ente os povos. Mas o esporte é passional e excitante. As pessoas querem vaiar seu adversário para tentar afetar o resultado de uma partida. E, como costuma ser o caso por causa das rivalidades locais, os brasileiros “pegaram no pé dos argentinos”. Também vimos o público vaiando atletas russos por causa da controvérsia envolvendo o doping. As vaias, por sinal, são o menor dos problemas que o COI tem para resolver.

BBC Brasil – Mas Lavillenie não teria razão ao reclamar do barulho durante o momento de seus saltos? Não seria preciso criar uma cultura de torcida mais apropriada para o esporte olímpico?

Kaufman – Isso seria uma atitude de imperialismo cultural. Por que a maneira do brasileiro torcer é errada? A realidade que conhecemos é criada pelo ambiente em que crescemos. Você mencionou o tênis anteriormente: será que não vale a pena discutirmos a razão para o silêncio durante o saque no tênis enquanto no futebol a torcida pode urrar nos ouvidos de um atacante que vai bater um pênalti? A diferença é que o tênis é um esporte muito mais elitizado.

BBC Brasil: O senhor defende o comportamento da torcida, então?

Kaufman: De certa maneira, sim, apesar de que os esportes têm regras para lidar com isso. Acho fascinante o fato de que as normas de comportamento podem ser diferentes. Fica a impressão de que o COI foi pego de surpresa pela passionalidade do torcedor brasileiro. Mas lembremos da Copa do Mundo de 2010, em que as vuvuzelas do torcedor sul-africano criaram um problema até para quem viu os jogos pela TV. Mas ter proibido seu uso teria amputado um componente cultural.

Vaiar é uma expressão de crenças e valores. É tão “errado” quanto torcer.

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