Publicado no Jornal GGN –
Nesta quinta-feira, a imprensa alemã fez duras críticas ao Brasil após a decisão do Senado que afastou Dilma Rousseff da presidência. O Spiegel Online disse que o “drama em torno da presidente é um vexame para um país afundado na crise”, e que o país será citado no futuro ao lado de Honduras e Paraguai, onde presidentes também foram afastados de “forma questionável” do cargo. Jens Glüsing, correspondente do jornal, também afirma que o “espetáculo indigno” dos políticos brasileiros “prejudicou de forma duradoura as instituições e a imagem do país”.
Já o semanário Die Zeit diz que o afastamento de Dilma é “a declaração de falência” do país, enquanto o Süddeutsche Zeitung ressalta que muitos juristas consideraram as acusações contra a presidente “tênues”, afirmando que “a queda de presidente é muito mais o resultado de intrigas políticas”. Leia mais abaixo:
Da Deutsche Welle
Imprensa alemã vê “derrota” e “declaração de falência” de um país
A aprovação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo Senado é um dos principais destaques da imprensa europeia nesta quinta-feira (12/05).
Com o título “Um país perde”, o site Spiegel Online afirma que “o drama em torno da presidente é um vexame para um país afundado na crise”. Para o correspondente Jens Glüsing, “o grande e orgulhoso Brasil terá que se resignar a, no futuro, ser citado por historiadores ao lado de Honduras e Paraguai – e não só por causa de apresentações bizarras de seus representantes populares. Também em Honduras e Paraguai, presidentes eleitos foram afastados de forma questionável do cargo.”
Para ele, o “espetáculo indigno” apresentado pelos políticos brasileiros “prejudicou de forma duradoura as instituições e a imagem do país”. O jornalista afirma que Dilma não está sendo acusada de nenhum crime, a não ser que se considere a maquiagem orçamentária uma infração. “Mas aí todos os seus antecessores e também muitos governadores teriam de ser expulsos do cargo.”
Na análise do semanário Die Zeit, o afastamento de Dilma é “a declaração de falência do Brasil”. O jornalista Michael Stürzenhofecker afirma que o país queria se apresentar como uma nação moderna com os Jogos Olímpicos, mas o processo de afastamento de Dilma é um “recuo nos velhos tempos” e também os 31º Jogos não serão realizados numa “democracia sem máculas”.
“O processo contra Rousseff não é jurídico, mas político”, afirma o jornalista, que lembra a baixa popularidade de Dilma e a sua falta de apoio político. “O que mais move as pessoas, porém, é a casta política corrupta. O paradoxal nisso é que Rousseff precisa sair porque atacou o problema. Os investigadores da Lava Jato acusaram muitos de seus partidários. Também ela foi investigada, mas nada foi provado.”
Por fim, a análise lembra que há muitos acusados de corrupção entre aqueles que afastaram a presidente e elogia Dilma por ter deixado os investigadores agirem com relativa liberdade, sem interferir. “Isso é incomum para uma líder política que enfrentou uma pressão desse tamanho.” Para o jornalista, o processo todo “é uma derrota para o Brasil, e a recém-adquirida confiança nas instituições e na democracia está abalada. Com o impeachment, o país está a caminho de se tornar a maior república de bananas do mundo”.
No Süddeutsche Zeitung, a análise “Estes homens derrubaram a presidente” apresenta uma relação de todos os envolvidos no processo. “Na opinião de muitos juristas, as acusações são tênues, muitos chefes de Estado antes de Rousseff agiram de forma semelhante e não foram afastados do cargo. A queda de presidente é muito mais o resultado de intrigas políticas, costuradas pelos adversários de Rousseff.”
Em seguida, o jornalista Benedikt Peters apresenta o vice-presidente Michel Temer como o grande vencedor do processo e lembra que personagens-chave do impeachment, como o deputado Eduardo Cunha, são, “ao contrário de Rousseff”, acusados de corrupção.
O Frankfurter Allgemeine Zeitung analisa o processo como “uma marcante guinada à direita” e afirma que “o sucessor Michel Temer precisa carregar um peso enorme no chão de uma legitimidade frágil”. O jornalista Matthias Rüb afirma que o país necessita urgentemente de estabilidade política e lembra os problemas da economia brasileira.
Para ele, a herança do PT não é grandiosa depois de quase 13 anos de domínio, e o partido deve assumir a responsabilidade pelo atual desastre. Ainda assim, e apesar da grande recessão, “o maior país da América Latina está longe de se transformar num Estado mafioso e falido como a Venezuela”, e o combate à pobreza é uma conquista permanente.
Para o jornalista, o Brasil tem divisas suficientes, e os setores primário e secundário são estáveis. “Uma mudança rápida para melhor é possível. Mas, para isso, é necessário estabilidade política e disposição para reformas da parte do presidente interino, Michel Temer. Que Rousseff e os grandes do PT continuem falando de golpe e anunciem oposição contínua também fora das instituições políticas é algo irresponsável”, comenta.
No Reino Unido, o jornal The Guardian diz que a primeira mulher a presidir o Brasil foi afastada pelo voto de senadores que colocaram problemas econômicos, a paralisia política e irregularidades fiscais à frente do voto de 54 milhões de brasileiros que elegeram a representante do PT em 2014.
“O impeachment é mais político do que jurídico”, escreve a publicação britânica. Os senadores, diz, tiveram uma postura mais sóbria do que os deputados, que protagonizaram cenas “triunfantemente feias”.
Em artigo intitulado “Uma guerreira até o fim: Dilma Rousseff – pecadora e santa na luta do impeachment”, o correspondente Jonathan Watts diz que apesar de ser menos “corrompida” que seus acusadores, a “teimosia” e a “natureza fechada” da presidente a deixaram sem os instrumentos necessários para enfrentar a crise.
“Traída por seu companheiro de chapa, condenada por um Congresso contaminado por corrupção e insultada pelo abuso que sofreu como prisioneira da ditadura militar, a líder do Partido dos Trabalhadores sofreu um grande golpe nesta quinta-feira, quando o Senado votou pelo seu impeachment”, escreve.
Segundo o The Guardian, a presidente protestou contra a misoginia e prometeu lutar até o “amargo fim”. “Mas a batalha dela se assemelha cada vez mais a de um animal ferido cercado por predadores se preparando para matar”, diz o texto.
A publicação argumenta que a crise política e econômica não é culpa apenas de Rousseff, mas também de um Congresso fragmentado, que não permitiu a construção de uma coalizão.
O El País, que nesta quarta-feira publicou um editorial chamando o processo de impeachment de “irregular”, destaca que os senadores falaram sobre as manobras fiscais, mas se concentraram no “catastrófico curso da economia” para justificar os votos.
A sessão plenária, que teve uma “extensão maratoniana”, transcorreu sem os excessos “chocantes” e “ridículos” vistos durante a votação do processo na Câmara dos Deputados, em abril.
O francês Le Monde diz que Temer e sua comitiva estavam prontos para o “sacrifício”. “O homem, puro produto do sistema político brasileiro, conhecedor das intrigas parlamentares, descrito pela comitiva da presidente brasileira como um ‘conspirador’, ‘traidor’ e um ‘ejaculador precoce’, que pensa há meses no trono, está prestes a chegar ao degrau mais alto do poder”, afirma a publicação.
Desconhecido do público, o filho de imigrantes libaneses encarna a esperança do fim da crise, diz o Le Monde, que acrescenta que Temer herda uma situação dramática, mas tem a confiança do mercado financeiro. O artigo questiona se presidente interino será capaz de conciliar uma sociedade dividida pelo processo de impeachment, já que ele é citado na Operação Lava Jato.
Para o Corriere della Sera, o Senado disse “sim” ao impeachment, mas Dilma ainda tem esperança de retorno. Segundo o jornal italiano, o caminho do presidente interino não será fácil. Temer terá que enfrentar a resistência de parlamentares do PT que anunciaram a “obstrução sistemática” de todas as propostas feitas por ele.
“O Brasil vive o segundo ano consecutivo de recessão severa e tudo está num impasse há meses devido à crise política”, diz a publicação. Temer vai pedir que o Congresso apoie uma forte manobra para colocar as finanças públicas em ordem e nomear novos ministros. “É preciso resultados rápidos, que justifiquem uma inversão que tem levantado muitas dúvidas, mesmo fora do país.”