Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora –
Estudo de pesquisadores da UFRRJ e da Fiocruz mostra que desoneração é ‘injustificável e insustentável’
Estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e da Fiocruz – por encomenda da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) – aponta que o total de de benefícios fiscais concedidos no Brasil aos agrotóxicos em 2017 chegou perto de R$ 10 bilhões. Os pesquisadores somaram as desonerações de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Seviços, estadual) com benefícios fiscais federais: IPI (Imposto sobre Produtos Industriais), contribuições sociais Pis/Pasep e imposto sobre importação. O relatório alerta ainda que não há qualquer estudo indicando os eventuais benefícios como geração de empregos ou redução do preço dos alimentos.
Para os pesquisadores Wagner Lopes Soares, professor do Programa de Pós-Graduação em Práticas. em Desenvolvimento Sustentável da UFRRJ, Lucas Neves da Cunha, mestre pelo PPGPDS/UFRRJ, e Marcelo Firpo S. Porto, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fiocruz, as renúncias fiscais são injustificáveis. “A política de incentivo fiscal a agrotóxicos adotada no Brasil é desnecessária, não possui fundamentação teórica ou empírica, e contribui para agravar sérios problemas de contaminação ambiental e humana”, conclui o estudo.
O relatório foi encomendado pela Abrasco como contribuição para a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5553/2017, que já teve parecer favorável da Procuradoria Geral da República e deve ser julgado nesta quarta-feira (19/02) pelo Supremo Tribunal Federal. A Abrasco faz parte da ação como Amicus Curiae (amigo da corte), figura jurídica que abriga pessoas ou instituições que possam contribuir com o julgamento. “O convite para ingressar como amicus curiae aconteceu em função da trajetória da entidade em trazer evidências que expressem o grande impacto desses venenos à saúde, não só no Brasil, mas também em nível global”, explicou Guilherme Franco Netto, coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde e Ambiente da associação.
O relatório lembra que o Brasil tornou-se o maior consumidor mundial de agrotóxicos há mais de uma década. E as isenções fiscais vêm sendo feitas sem qualquer embasamento. “No caso dos agrotóxicos, as isenções fiscais muitas vezes se perpetuam e são renovadas quase que automaticamente. Este é o caso do acordo 100/97 do Confaz que reduz a base do ICMS em 60% e foi renovado pelo menos 17 vezes desde que foi promulgado em 1997”, destaca o documento.
Os pesquisadores procuraram estudos sobre o Brasil que avaliassem ou corroborassem supostos benefícios sociais associados às subvenções dadas aos agrotóxicos, “por exemplo, o número de empregos gerados no setor e o percentual de redução no preço da cesta básica”. Não encontraram. “Pelo contrário, nossa busca bibliográfica mostrou apenas estudos que analisam os custos sociais associados ao uso dos agrotóxicos. Este é o caso do estudo no Paraná, que indicou um valor entre US$ 11 e US$ 89 milhões de dólares considerando apenas o custo de intoxicação aguda”, destaca o relatório.
De acordo com o documento, a literatura especializada aponta que o custo social com agrotóxicos nos EUA aproxima-se de 11,6 bilhões de dólares anuais. “Arriscaríamos a dizer que, no Brasil, os números não devem ser tão diferentes. Afinal, o Brasil consome mais que o volume empregado nas lavouras estadounidenses, faz o uso de substâncias mais perigosas e possui uma maior vulnerabilidade institucional para regular e controlar o uso e produção dos agrotóxicos”, afirmam os pesquisadores
O relatório alerta ainda que os agricultores brasileiros estão gastando cada vez mais com agrotóxicos, sem melhoria da produtividade agrícola. “Nos estabelecimentos classificados como atividade econômica principal “algodão”, para gerar um valor da produção de R$1 gastava-se em 2006 R$0,01 com agrotóxicos, ao passo que em 2017 esse valor saltou para R$0,15, um aumento de mais de 1200%. Nos classificados como atividade principal o cultivo da soja, aumentou-se 588%, passando de R$0,02 para R$0,14, e na cana-de-açúcar 102%, com R$0,04% em 2006 e R$0,08 em 2017″, exemplificam os pesquisadores da UFRRJ e da Fiocruz.
O estudo também se debruça sobre casos estaduais já que o ICMS foi o tributo que representou a maior fatia nas desonerações: 63,1% do total; seguido do IPI, com 16,5%; das contribuições sociais Pis/Pasep e Cofins, com 15,6% e o imposto de importação, com 4,8%. No total, foram R$ 9,88 bilhões em incentivos fiscais.”Há casos alarmantes, em que a renúncia fiscal com o ICMS sobre agrotóxicos representa 66,4% do orçamento na função saúde, como é o caso do Mato Grosso, seguido de Mato Grosso do Sul (39,3%), Tocantins (27,9%), Bahia (28,1%) e Goiás (23,6%)”, alertam os pesquisadores.
De acordo com o estudo, o fim da desoneração dos agrotóxicos não deixaria o agronegócio menos competitivo no mercado global, “tendo em vista que poucos países no mundo têm abundância em todos fatores de produção exigidos na agricultura como o Brasil: terras agricultáveis, clima capaz de proporcionar safras com previsão de colheita no ano todo, e até mesmo mão-de-obra disponível e elevada mecanização no campo”.
Os pesquisadores acrescentam que não há justificativas para a manutenção da política de incentivos para os agrotóxicos. “Subsidiar um setor já bastante competitivo como o agronegócio brasileiro significa, em última instancia, apenas proporcionar incrementos na margem de lucro desse setor exportador. Em verdade, o fim da subvenção aos agrotóxicos não tornaria nossos produtos menos competitivos no mercado internacional, pelo contrário, funcionaria como espécie de blindagem a possíveis barreiras não tarifárias ao agronegócio brasileiro e abriria mercados a consumidores mais conscientes do ponto de vista da saúde e ambiente”, afirmam.
O relatório lembra que diversos países – Canadá, Noruega, Suécia, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda – taxam agrotóxicos de acordo com o risco do produto, “No Brasil, os impostos parecem trabalhar de forma contrária ao princípio básico de regulação baseado no poluidor pagador. Aqui, incentivamos tecnologias perigosas e ambientalmente insustentáveis, ao mesmo tempo em que criamos barreiras econômicas para a adoção de uma agricultura de base mais ecológica e saudável”, criticam para concluir que “uma política de incentivos fiscais a agrotóxicos é injustificável e insustentável”.