Inclusão no esporte muda vida de crianças com deficiência na Vila Olímpica da Maré

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Projetos gratuitos atuam em parceria com as famílias e representam oportunidades em modalidades esportivas diversas

Por Hélio Euclides, João Gabriel Haddad e Rebekah Tinôco, compartilhado de Maré on Line




Ao nascer uma criança com alguma deficiência, vem o impacto. Contudo, logo depois brota o desejo de fazer o melhor pelo filho. Há o anseio de fortalecer o processo de reabilitação, com a procura por especialistas. Porém, muitas vezes a família esbarra na falta de recursos financeiros para o tratamento. Na Maré, muitas famílias encontram um espaço na Vila Olímpica Municipal Seu Amaro para estimular a qualidade de vida e o quadro clínico na vida da criança por meio do esporte. Com os projetos Educar Pelo Esporte e o Instituto Jacqueline Terto, as crianças praticam atividades que estimulam o desenvolvimento, o condicionamento e o bem-estar. 

Segundo as Diretrizes de Estimulação Precoce de 2016, organizado pelo Ministério da Saúde, o cuidado com a saúde da criança, por meio do acompanhamento do desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida, é tarefa essencial para a promoção à saúde, prevenção de agravos e a identificação de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor. Esse cuidado integral e articulado entre os serviços da atenção básica e especializada da Rede de Atenção à Saúde (RAS) do Sistema Único de Saúde (SUS) permitem que as crianças tenham um futuro com mais autonomia e inclusão social.

O trabalho de conclusão de curso Educação Especial e Inclusiva, apresentado em 2016 pela aluna da Universidade Cândido Mendes, Rosana Gomes Soares Elias, indica que todas as potencialidades da criança com deficiência intelectual e motora devem ser exploradas por meio de um trabalho efetivo de estímulo precoce. Esse estímulo pode ser realizado através de exercícios, jogos, atividades, técnicas e outros recursos. Segundo ela, os resultados da estimulação precoce geralmente são duradouros e proporcionam diversos benefícios para o desenvolvimento do indivíduo. Porém, para que eles fiquem mais evidentes, é necessário que seja realizado nos primeiros anos de vida, de forma regular e sistemática, sem descontinuidade e sem interferência de fatores negativos.

Uma Vila Olímpica para todos

A Vila Olímpica Municipal Seu Amaro atua na Maré há mais de 20 anos realizando a gestão de projetos esportivos, educacionais, sociais e de lazer, de forma gratuita. Um dos projetos implantados é o Educar pelo Esporte, que trabalha com a primeira infância como tema transversal de suas ações, tendo a Educação como linha de atuação. O Educar Pelo Esporte atende 892 moradores, sendo crianças, adolescentes e jovens contemplando atividades inclusivas para Pessoas com Deficiência (PcD). 

Andreia Simões, professora de educação física do projeto, atua na instituição há 18 anos. Para ela, o principal para trabalhar com a inclusão é ter muito amor. “A atividade esportiva somada ao amor é fundamental para que o aluno acredite que é capaz. Ser professora dessas crianças é ensinar e aprender, uma troca. Percebemos o desenvolvimento a cada aula, muitos chegam com comportamento agressivo e sem limite, depois ficam calmos e esperam o momento da atividade. Além da parte física, a aula serve de socialização, traz bem-estar e alegria. Com apoio da família fazemos um trabalho de excelência”, comenta. Ela dirige as oficinas de dança, natação, estimulação aquática e hidro movimento.

A professora diz que as mães elogiam, tem gratidão pelo trabalho e retribuem com carinho. As responsáveis afirmam que veem as mudanças na vida das crianças. Ana Angélica é uma delas. Moradora do Salsa e Merengue, leva a filha Clara Vitória, de oito anos, para as atividades na vila. A menina faz balé e natação. “Estamos há um ano na vila, neste local que nos dá novos horizontes. Minha filha perdeu o braço após uma descarga de energia e precisava de acompanhamento terapêutico. Após o acidente, ela começou a ficar deprimida. Com as atividades, percebo uma melhora. Hoje faz até estrelinhas com um braço só. A vila ajuda não só as crianças, nós mães precisamos trabalhar a mente, então é oferecido ginástica funcional, yoga e hidroginástica”, conta.

Davi Lucas mostra alegria na piscina | Foto: Hélio Euclides

Para muitas mães seria difícil realizar as atividades esportivas em instituições particulares. Leilce Nunes, moradora da Nova Holanda, valoriza a gratuidade das oficinas. “Não tinha como pagar, já que não trabalho para cuidar da minha filha, que nasceu prematura, tem paralisia na perna e problema na coluna e em um dos braços. As atividades ajudam a ocupar a mente das crianças, que se descobrem e há um desenvolvimento”, diz. Já Taís Dias, moradora da Baixa do Sapateiro, mãe de Thaíla Amorim, de oito anos, diz que as atividades não podem ser interrompidas e que na pandemia sentiu muita falta. “São sete anos que minha filha frequenta a vila. Por gestos percebo o desenvolvimento e vejo que ela gosta. Nas favelas tinha que ter mais oportunidades para as crianças deficientes”, comenta. 

Maria do Carmo, conhecida como Carmem, moradora da Baixa do Sapateiro, acredita que antes da indicação de prática de esporte, faltam médicos para o diagnóstico do quadro clínico das crianças. Ela leva sua filha Alice, de oito anos, após sugestão da psicóloga. “Acho perfeito o espaço para os autistas. Seria difícil sem este local para o exercício das crianças e estímulo para o desenvolvimento, pois não tenho condição de pagar por isso. Tem gente de outros bairros que procuram a vila”, expõe.

Milena Rodrigues, moradora do Parque União, mãe de Helena Rodrigues, de três anos, conheceu o trabalho por indicação do coletivo Especiais da Maré. Para ela, a Maré é muito grande e deveria ter mais espaços como esse espalhado pelo território. “Ela já reconhece a professora e a voz das amigas. Com as atividades de natação e balé ela melhorou e já fez até apresentação. A Maré pela extensão deveria ter outras unidades esportivas para PcD, pois para chegar aqui são 40 minutos, que preciso desviar dos carros e motos”, reclama.

As mães ressaltam a importância do Educar pelo Esporte. Esse é o mesmo pensamento de quem pratica as atividades, como Davi Lucas, de 13 anos. Ele fez questão de falar, mas sem abandonar a piscina. “É bom para se desestressar e é um estímulo para sair de casa. Tenho déficit de atenção, por isso frequento a vila há sete anos. Pratico iniciação esportiva, com várias atividades”, resume.

Uma vida dedicada ao esporte

Além do projeto Educar pelo Esporte, funciona também na vila o Instituto Jacqueline Terto que trabalha atividades físicas adaptadas. A fundadora Jacqueline Terto tinha um olhar especial para os projetos de inclusão da PcD. A atleta ultramaratonista, especialista em educação física adaptada e psicologia esportiva, mestre em psicologia social, teve um vasto currículo esportivo, inclusive sendo a primeira mulher brasileira a correr e completar quatro desertos: do Saara, Gobi, Atacama e Antártica. Ela faleceu em novembro de 2021, vítima de um infarto.

O Instituto Jacqueline Terto oferece desde 2017 ginástica corporal, natação família, hidroterapia, boxe adaptado, capoeira, ginástica hidro postural, condicionamento físico aquático, judô, jiu-jitsu, yogaterapia e atletismo. “Comecei como estagiária. A Jacqueline foi minha professora e aprendi com ela a focar nas pessoas com deficiências e em risco social. Ela deixou um legado, que com toda força vamos levar à frente. O instituto é importante para muita gente, percebemos a expressiva evolução na saúde. Aqui é minha segunda casa”, comenta Natália Lopes, professora de educação física. Para ela, as atividades do instituto estimulam a autoestima, demonstrando que a pessoa com alguma lesão é capaz de manter o condicionamento. 

O instituto tem como professor de educação física Wesley Palmeira, que tem deficiência visual. Ele começou há seis anos como estagiário, quando poucos abriram as portas. “Tive a oportunidade de conhecer a Jacqueline e recebi o abraço do instituto. Atuar com pessoas e na favela é muito bom. É gratificante fazer algo para quem realmente precisa. Os alunos chegam bem debilitados, usando muletas, andador e cadeira de rodas. Com as atividades, já com três meses percebem resultados. Há um acolhimento do aluno, dessa forma ocorrem as melhorias na parte física, emocional e social”, destaca. O professor dá aula de ginástica hidropostural e ginástica postural. A maioria dos seus alunos tem alguma lesão ou são amputados.

Clara Vitória mostra posição que aprendeu no balé | Foto: Hélio Euclides

Antonia Paiva, moradora do Parque Maré, é mãe de Matias, de seis anos, que frequenta os projetos do instituto há mais de um ano e ressalta o poder da reabilitação pelo esporte. “Meu filho é autista, hiperativo e tem indicativo de paralisia cerebral. Há um ano no projeto, percebo bastante evolução. Agradeço muito este trabalho, pois não tenho condição de gastos extras”, conclui. 

PcD na Maré

O Instituto Pereira Passos (IPP) elaborou um documento em 2013 demonstrando que na cidade do Rio de Janeiro se tratando de deficiência motora, 5,3% dos habitantes afirmaram ter alguma dificuldade de caminhar e/ou subir escadas sem a ajuda de outras pessoas, ainda que usando prótese, bengala ou aparelho auxiliar; 2% têm grande dificuldade e 0,4% não conseguem de modo algum andar.

Nesse ponto, é preciso chamar a atenção para os desafios que se apresentam para elaborar as políticas públicas, tendo em vista que a própria cidade ainda necessita de atendimento mais intensivo para esse público. A composição geográfica e habitacional característica da cidade, tendo 22% dos seus moradores em favelas, apresenta um grau difícil de acessibilidade e a necessidade de formulação de políticas de redução de danos.

O levantamento ainda ressalta que há forte correlação entre os dados das pessoas com deficiências auditivas, visuais ou motoras com a distribuição de renda da cidade como um todo. Entretanto, uma variação um pouco mais acentuada ocorre no caso daqueles com deficiência mental. Na cidade, 32% das pessoas vivem em domicílios com rendimento acima de dois salários mínimos; já entre as pessoas com deficiência mental, essa taxa cai para 28,3%.

“Há uma relação entre pobreza e deficiência. Por exemplo, famílias com mais recursos têm mais facilidade de estimular crianças com alguma deficiência mental desde os primeiros anos, e isso faz uma grande diferença. A escola, desde a educação infantil, pode ser um importante aliado para as famílias com menos recursos”, afirma a jornalista Claudia Werneck, fundadora da Escola de Gente, em entrevista ao site Data Rio.

O trabalho do IPP ainda traz dados específicos da Maré. Em 2010, a proporção de pessoas incapazes de andar ou subir escadas na Maré foi menor que a média da cidade, com 0,35% contra 0,43%. Pessoas mais idosas costumam ter mais problemas motores, e, segundo dados do mesmo ano, a taxa da população da Maré com mais de 60 anos é de 6,95%, cerca da metade da taxa da cidade, que é de 14,88% dos cariocas.

Entretanto, nos dados de 2010, a etnia é um aspecto que pode influenciar no desenvolvimento de problemas motores na Maré. Isso porque a taxa de pessoas negras incapazes de andar ou subir escadas é de 0,68%, ou seja, o dobro que de pessoas brancas, com taxa de 0,31%. Considerando a cidade do Rio, os valores são 0,35% para negros, quase metade da identificada na Maré. Os brancos são 0,53%.

A Prefeitura do Rio indica 18 unidades de saúde para algum tipo de atendimento fisioterapêutico:

  • Instituto de Neurologia Deolindo Couto – Avenida Venceslau Brás, 95 – Botafogo.
  • Hospital Municipal Rocha Maia – Rua General Severiano, 91 – Botafogo.
  • Centro Municipal de Saúde (CMS) Manoel José Ferreira – Rua Silveira Martins, 161 – Catete.
  • Hospital Escola São Francisco de Assis – Avenida Presidente Vargas, 2863 – Centro.
  • Associação Pestalozzi do Brasil (SPB) – Rua Visconde de Niterói, 1450 – Benfica.
  • Hospital Universitário Gaffree e Guinle – Rua Mariz e Barros, 775 – Maracanã.
  • Clínica de Fisioterapia Renascer – Avenida Braz de Pina, 2027 – Brás de Pina.
  • Clínica Nova Guanabara – Rua Uranos, 1461 – Olaria.
  • CMS Maria Cristina Roma Paugartten – Ra. Joaquim Gomes, s/n – Ramos.
  • Clínica da Família (CF) Felippe Cardoso – Avenida Nossa Senhora da Penha, 42 – Penha.
  • Policlínica Rodolpho Rocco – Estrada Adhemar Bebiano, 339 – Del Castilho.
  • Fundação Amélia Dias (Famad) – Rua Japurá, 115 – Praça Seca.
  • Hospital Municipal Álvaro Ramos – Avenida Adauto Botelho, s/n – Taquara.
  • CMS Alberto Borgerth – Rua Padre Manso, s/n – Madureira.
  • Policlínica Lincoln de Freitas Filho – Rua Álvaro Alberto, 601 – Santa Cruz.
  • Clínica Escola da Faculdade Bezerra de Araújo – Rua Carius, 163 – Campo Grande.
  • Serviço de Assistência Social Evangélico (SASE) – Rua Manaus, 98 – Realengo.
  • Ação Cristã Vicente Moretti – Rua Maravilha, 308 – Bangu.

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