Há poucos dias, neste mesmo site, em um artigo sobre a emenda da Defensoria, terminei minha exposição com a seguinte frase: “Recordemo-nos sempre que a Defensoria Pública, antes de ser uma forma de assistencialismo, é uma verdadeira política pública de inclusão social, na medida em que permite àqueles que necessitam dos serviços por ela prestados, a igualdade de acesso à justiça, garantindo que não fiquem à margem de seus direitos.”
Dias depois da publicação desse texto, fui à padaria comprar uma Coca-Cola Zero e um chocolate e os guardei na bolsa. Saindo do estabelecimento, mas não em frente ao mesmo, um rapaz, jovem, pardo, maltrapilho, me abordou: “Tia, não quero dinheiro, quero um lanche para comer.” Eu ainda tinha uns trocados no bolso, e então voltei ao estabelecimento com o menino para que ele escolhesse um lanche, afinal, era horário de almoço. Ele me questionou se poderia pegar uma “coca latinha”. Disse que sim, e o chamei para que escolhesse um salgado. Ele olhou a vitrine e falou que queria um chocolate Kit Kat. Eu, um pouco indignada, retruquei: “mas você não queria comer?”. O moço disse que era a mesma coisa, chocolate ou salgado. Insisti e falei que só pagaria a coca e um salgado. Ele não quis. Comprei só um biscoito e uma coca. Ele agradeceu, mas não ficou satisfeito.
O meu ato era para ser um ato de caridade ou o que fosse. Nunca dou dinheiro a nenhum pedinte. Só pão ou salgado, leite, café. Voltando para casa, ao invés de ficar puta da vida, comecei a questionar porque esse sujeito não poderia querer uma coca igual a minha e um chocolate (diga-se de passagem, ele nem viu esses itens na minha bolsa). Que um “malandro” que furta um Nike Shox tem o mesmo mau gosto do sujeito que comprou o maldito tênis, mas o deseja tanto quanto. Eis a sociedade de consumo.
Poderia falar que não quero justificar esses atos, afinal são pessoas “pobres”. Mas justifico: o ato de um trombadinha não difere daquela patricinha de classe média que faz com que a mãe se afunde em dívidas para ter a roupa da moda.
Evidentemente atos violentos precisam ser coibidos, mas será mesmo que pau no trombadinha que “me roubou 50 conto” e aposentadoria compulsória para juízes que vendem sentença fazem a balança do direito equilibrada? Poderia gastar longas linhas para falar da co-culpabilidade e da co-culpabilidade às avessas. Não o farei. Quero gastar minhas últimas linhas para enfatizar que desigualdade social, criminalidade e outros problemas da nossa sociedade (oi, menoridade penal, olá usuários de drogas) não se resolve com penas árduas, seletividade de grupos vulneráveis, bolsa aquilo, bolsa acolá. Inclusão social não é pagar o lanche na padaria; é fornecer políticas sérias, talvez a maior delas a educação de qualidade, medida que, é claro, demora anos e não gera retorno político imediato. Inclusão social é ter uma Defensoria forte, é ter Juízes atentos à realidade e Promotores humanos. Termino o artigo e também termino minha Coca e chocolate.
Fernanda Leal Barbosa é graduada em Direito na Universidade Federal de Juiz de Fora. Possui especialização em Direito Constitucional. Advogada.