Temperaturas recordes para a primavera nos dois países já mataram pelo menos 25 pessoas, destruíram lavouras e causaram apagões
Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora
Moradores disputam água de caminhão pipa em dia de calor extremo em Nova Delhi: Índia e Paquistão enfrentam recordes de calor e temperatura pode alcançar 50 graus (Foto: Xavier Galiana / AFP – 03/05/2022)
Depois de recordes de temperatura em março e abril, Índia e Paquistão devem enfrentar nos próximos dias outra brutal onda de calor que pode alcançar máximas de 50 graus Celsius e colocar em risco a vida de mais de um bilhão de pessoas que vivem perto da fronteira entre os dois países asiáticos. O calor atingiu o pico em 1º de maio, quando Nawabshah, no Paquistão, chegou a registrar 49,5º graus Celsius – a temperatura mais quente registrada na Terra até agora em 2022. No abril mais quente em 122 anos na Índia, a máxima passou por vezes de 49º Celsius. “Você só pode se adaptar até certo ponto. Essa onda de calor está testando os limites da sobrevivência humana”, disse Chandni Singh, pesquisador do Instituto Indiano de Assentamentos Humanos, em entrevista à CNN, no fim de semana.
Pelo menos 25 pessoas já sofreram mortes relacionadas ao calor em Maharashtra – estado da Índia onde fica a capital, Nova Delhi – desde o fim de março quando começou a onda de calor sem precedentes para esta região da Ásia. Nos últimos dois meses, as pessoas na Índia e no Paquistão experimentaram níveis de calor mais altos do que os recordes nacionais e globais. “Esta é a primeira vez em décadas que o Paquistão está experimentando o que muitos chamam de ano sem primavera”, disse Sherry Rehman, ministra paquistanesa para mudanças climáticas, após o calor passar novamente de 49 graus em Jacobadad, no oeste do país, no começo da semana.
Do ponto de vista científico, ondas de calor são períodos prolongados de calor excessivo com temperaturas mais de 10 graus acima do normal. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a exposição a altos níveis de calor pode causar exaustão, insolação e hipertermia. É provável que mortes e hospitalizações ocorram imediatamente ou após vários dias de exposição, o que também pode agravar doenças crônicas, incluindo condições cardiovasculares, respiratórias e relacionadas ao diabetes. “A Índia e o Paquistão estão projetados para ver ondas de calor mais severas, juntamente com alta umidade, o que realmente começará a testar os limites da adaptação”, disse Chandni Singh, um dos autores do Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
Meteorologistas, ao analisar o calor recorde nos dois países, lembram que o aquecimento da Terra trouxe condições mais favoráveis para ondas de calor mais intensas e duradouras – que vem sendo sentidas, em diferentes momentos, em outras partes do planeta. Os especialistas acrescentam que o atual fenômeno La Niña, no leste do Oceano Pacífico, contribuiu para a onda de calor de março e abril, reduzindo o índice de chuvas, na estação chamada de pré-monção de verão – as monções trazem fortes chuvas e ventos, o que leva a primavera ser, muitas vezes, mais quentes do que o verão.
Pesquisadores do clima acreditam que a temporada de monções só começará na última semana de maio e, até lá, a temperatura vai voltar a subir e pode alcançar os 50 graus. E, embora a Índia e o Paquistão não sejam os únicos países com altas temperaturas, a densidade populacional e a rápida urbanização na região tornam essa parte do continente asiático mais vulnerável a eventos climáticos extremos. O efeito da ilha de calor urbano, preocupação na maioria das grandes cidades do mundo, é exacerbado na Índia e no Paquistão pela falta de cobertura verde e corpos d’água que ajudam a resfriar áreas superpovoadas.
Os impactos do calor extremo são sentidos mais fortemente nas comunidades com menos acesso a recursos de refrigeração. As comunidades agrícolas em áreas rurais na Índia e no Paquistão e as comunidades de baixa renda em habitações urbanas congestionadas são as mais vulneráveis. No noroeste da Índia, o número de dias com temperaturas atingindo pelo menos 40 graus Celsius aumentou de 25 por ano na década de 1970 para 45 por ano na década de 2010; a duração das mais extremas ondas de calor praticamente dobrou.
Impactos econômicos do calor
As ameaças à saúde humana não são as únicas consequências da onda de calor sem precedentes. A combinação de temperaturas extremas e ventos quentes e secos nas planícies do norte da Índia também causou dezenas de incêndios florestais que atingiram lavouras nas últimas duas semanas, destruindo faixas de colheitas de trigo prontas para colheita em pelo menos quatro estados indianos. De acordo com o governo da Índia, a produção de trigo ficará pelo menos 10% abaixo das estimativas iniciais – a primeira queda após cinco anos de alta. A escassez de água também afetou os agricultores, obrigando-os a economizar no uso da água, o que também afetou as lavouras.
Enquanto a queda na produção de alimentos está fazendo a Índia limitar exportações para garantir o consumo doméstico, no Paquistão, os agricultores protestam contra uma dupla ameaça: suportar condições severas de trabalho com as altas temperaturas e enfrentar ondas de calor que afetam a qualidade das colheitas. Em outra consequência do calor intenso, a temperatura das águas também e a atividade pesqueira começou a cair e ter rendimentos menores – reduzindo os lucros dos 40 mil vendedores de peixe de Mumbai.
O calor recorde também teve como efeito o recorde de consumo de eletricidade, com os aparelhos de ar condicionado permanentemente ligados. Os cortes de energia, efeitos colaterais do consumo, tornaram-se frequentes em Nova Delhi, capital da Índia, atingindo até hospitais. Mais ao norte do país, estados – Punjab, Uttar Pradesh e Andhra Pradesh – foram forçados a implementar apagões de oito horas. Na semana passada, cortes de energia não programados e prolongados durante o Ramadã provocaram protestos nas cidades de Kashmir e Jammu. No Paquistão, houve apagões de até 12 horas para reduzir a pressão sobre o sistema elétrico.