Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora –
Fundadora do Friday For Future no país, Dashi Ravi, 22 anos, é acusada de conspiração por distribuir documento para apoiar movimento de agricultores
Pelo mundo inteiro, as greves pelo clima às sextas-feiras viraram manifestações virtuais desde o começo de 2020, quando a pandemia de covid-19 esvaziou às ruas. Nesta sexta (19/02), o movimento Fridays for Future, liderado pela sueca Greta Thunberg, repetirá esse formato: exceto na Índia, onde, desde o fim de semana, jovens ocupam às ruas para protestar contra a prisão da ativista ambiental Disha Ravi, de 22 anos, acusada de conspiração e sedição por distribuir documento de apoio aos agricultores indianos, em mobilização contra o governo.
Disha Ravi foi presa na casa que divide com a mãe em Bangalore, no sul da Índia, onde conciliava seu ativismo pelo clima com o trabalho em uma empresa de produção de alimentos à base de plantas, principal fonte de sustento da família. A polícia indiana acusa a jovem de ser “conspiradora chave” na formulação e disseminação do documento para ajudar os pequenos produtores rurais a protestar contra as novas leis agrícolas. O chamado kit de ferramentas (tool kit, usado na internet para ajudar a fazer tarefas) sugeria formas de como usar as redes sociais para ajudar o movimento dos agricultores e foi tuitado pela ativista sueca Greta Thunberg. “O objetivo era para travar uma guerra econômica, social, cultural e regional contra a Índia “, acusa a polícia.
A prisão de Disha Ravi também causou uma avalanche de indignação e protestos na Índia. Ex-ministro do meio ambiente, Jairan Ramesh chamou sua detenção de “completamente atroz” e “assédio e intimidação injustificada”. Declaração conjunta de mais de 50 acadêmicos, artistas e ativistas descreveu as ações da polícia de Delhi, capital da Índia, como “ilegais por natureza” e uma “reação exagerada do Estado”. Jovens ativistas vêm protestando diariamente: em Bangalore, em Delhi, em Mumbai, em Baphol – algumas das principais cidades do país.
Na quarta-feira (17/02), a polícia indiana prendeu cerca de uma dúzia de estudantes que tentavam marchar até o prédio do Parlamento em Nova Delhi para exigir a libertação da jovem ativista climática. Os manifestantes gritavam “Libertem Disha Ravi” e “Vergonha para o primeiro-ministro Modi e o ministro do Interior Amit Shah” enquanto tentavam quebrar as barricadas policiais do lado de fora do escritório da União Nacional de Estudantes da Índia, ou NSUI, uma ala estudantil do principal partido de oposição no congresso.
Neeraj Kundan, presidente da NSUI, disse aos jornalistas que o protesto era contra o uso indevido de uma lei de sedição pelo governo e a prisão de ativistas que expressavam apoio aos agricultores. “Produzir um documento com instruções para uma campanha nas redes sociais não é crime – a palavra tool kit sequer existe na Lei Penal da Índia. Criticar o governo indiano a audiências estrangeiras também não é crime. Protestar não é crime; divergir não é crime”, aponta o jurista Dashyent Dave, colunista do Times of India, principal jornal em língua inglesa do país. “Foi um claro abuso de poder. E é chocante que a Justiça não tenha cobrado legalidade das ação policial”, disse o advogado Adam Sarode.
Os deputados da oposição foram às redes sociais para protestar. “A prisão de Disha Ravi é um ataque sem precedentes à democracia. Apoiar nossos agricultores não é crime”, escreveu a deputada Priyanka Gandhi Vadra, neta de Indira Gandhi, primeira-ministra da Índia por 15 anos. “A prisão de Disha Ravi é a mais recente escalada na repressão da Índia contra a liberdade de expressão e dissidência política, que visa reprimir os protestos em massa dos agricultores”, postou o escritor, deputado e ex-ministro Shashi Tharoor.
Co-fundadora do Fridays For Future em 2019, Disha Ravi sentiu os impactos das mudanças climáticas na sua própria rotina. Sua casa em Bangalore costuma ser inundada a cada chuva mais forte – e as chuvas estão ficando mais fortes a cada ano. Seus avós, que eram fazendeiros, lutaram contra seca, quebra de safra ppr pragas e enchentes como consequência do aquecimento global. “Minha motivação para ingressar no ativismo veio de ver meus avós, que são agricultores, lutando contra os efeitos da crise climática”, disse Disha em uma entrevista em 2019.
Ela tornou-se conhecida por coordenar as greves pelo clima na Índia, através das redes sociais, por participar de operações de limpeza de lagos, organizar mutirões para plantio de árvores e organizar palestras e workshops sobre a crise climática. Em julho passado, a polícia de Delhi bloqueou temporariamente o site do Fridays For Future India, descrevendo seu conteúdo como “questionável” e responsável pela divulgação um “ato ilegal ou terrorista”. Integrantes do movimento disseram que tudo o que fizeram foi inundar o Ministério do Meio Ambiente com milhares de e-mails em protesto contra uma lei ambiental. “Vivemos em um país onde a dissidência é reprimida. Nós, na Índia, na Fridays For Future India, fomos rotulados como terroristas por nos opormos à lei. Apenas um governo que coloca lucro acima das pessoas considera um ato de terrorismo pedir ar puro, água limpa e um planeta habitável”, disse Disha Ravi na ocasião.
Presa em casa e levada para Delhi, Dashi Ravi, acusada de sedição e conspiração, chorou na audiência diante do juiz na segunda-feira (15/02) e disse que havia editado apenas duas linhas do kit de ferramentas e não ter nenhuma conspiração por trás disso. “Eu estava apenas apoiando os agricultores. Apoiei os agricultores porque eles são o nosso futuro e todos nós precisamos comer ”, disse a jovem ativista ambiental, que teve sua prisão mantida por, pelo menos, mais cinco dias.
Governo em guerra com agricultores
Mais do que com o ativismo ambiental, o governo da Índia está preocupado os protestos de agricultores que mobilizam milhares de pessoas por todo o país. Desde novembro, centenas de milhares de agricultores acamparam em torno da capital indiana, exigindo que três novas leis agrícolas polêmicas sejam revogadas. Eles afirmam que, com a nova legislação, seus meios de subsistência ficarão à mercê de empresas privadas. Para o governo do primeiro-ministro Narendra Modi, as leis trarão a modernização necessária e a competição privada para um setor em dificuldades que deixou milhões de agricultores na miséria.
Em 26 de janeiro, Dia da República da Índia, uma manifestação de protesto em Delhi foi reprimida como violência. Alguns agricultores invadiram o monumento histórico do Forte Vermelho e os policiais reagiram com gás lacrimogêneo e cassetetes. A polícia de choque e grupos paramilitares invadiram a área onde os agricultores estavam acampados e tentaram parar os protestos, colocando barreiras de concreto, estacas e arame farpado ao redor dos campos. Mas a resposta violenta não arrefeceu a disposição dos agricultores.
Já foram feitas 11 rodadas de negociação entre o governo e os representantes dos sindicatos agrícolas sem qualquer acordo. Durante décadas, o governo indiano ofereceu aos agricultores preços garantidos para determinadas safras, criando um padrão estável para a tomada de decisões e investimentos para o ciclo da safra seguinte. De acordo com essa legislação, os agricultores tinham que vender seus produtos em leilão no Comitê de Mercado de Produtos Agrícolas de seu estado, onde eles tinham a garantia de receber pelo menos o preço mínimo acordado pelo governo. Havia restrições sobre quem poderia comprar e os preços eram limitados para commodities essenciais.
As três novas leis, aprovadas por iniciativa do governo do primeiro-ministro Narendra Modi, desmantelaram essa estrutura do comitê, permitindo que os agricultores vendessem seus produtos a qualquer pessoa por qualquer preço. Para o governo, isso garante aos agricultores mais liberdade para vender diretamente aos compradores sem um intermediário e negociar com outros estados ou grandes redes de supermercados. Os agricultores acampados em protesto argumentam que as leis permitirão que grandes empresas baixem os preços. Embora os agricultores possam vender suas safras a preços mais altos se houver demanda, por outro lado, eles podem ter dificuldades para atingir o preço mínimo em anos de oferta excessiva.