Entendimento de que o direito sobre terras só valeria para aquelas ocupadas no momento da promulgação da Constituição de 1998 foi derrotado por 9 votos a 2
Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: Indígenas festejam emocionadas decisão do STF: tese do marco temporal rejeitada (Foto: Tukuma Pataxó/APIB)
Pelo placar de 9 a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. O julgamento foi concluído nesta quinta (21/09): indígenas acompanharam a sessão no plenário e também através de telões em Brasília e comemoraram a decisão. “Foram tantos anos de muitas lutas, muitas mobilizações e muita apreensão sobre o resultado deste julgamento. Porque é sim um resultado que define a demarcação das terras indígenas no Brasil. Vamos, sim, comemorar o resultado dessa grande forço dos povos indígenas”, disse a ministra Sônia Guajajara, em vídeo enviado de Nova York, onde acompanha debates ambientais na sede da ONU.
As comemorações dos indígenas começaram logo à tarde quando o ministro Luiz Fux consolidou a maioria contra o marco temporal – foi o sexto voto contra a tese que já tinha sido rejeitada pelo relator Edson Facchin e pelos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luis Roberto Barroso e Dias Toffoli. “Ainda que não tenham sido demarcadas, terras ocupadas devem ter a proteção do Estado, porque elas têm a proteção constitucional”, afirmou Fux em seu voto. A ministra Carmen Lúcia votou logo em seguida e rapidamente para garantir o prosseguimento da celebração. “Estamos cuidando da dignidade étnica de um povo que foi dizimado, oprimido durante cinco séculos de história. Todos os que cuidaram da matéria posta neste recurso reconheceram a impagável dívida que a sociedade brasileira tem com os povos originários”, disse.
Lideranças indígenas no plenário do STF também celebraram. “A rejeição do marco temporal pelo Supremo é uma grande vitória”, disse Kléber Karipuna, coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). “Mas a bancada ruralista está com uma cobiça nas terras indígenas e quer a todo custo aprovar uma tese de marco temporal”, lembrou.
Este projeto para tentar estabelecer o marco temporal para a demarcação – os indígenas só teriam direito aos que já ocupavam quando foi promulgada a Constituição de 1988 – já foi aprovado na Câmara e tramita no Senado, o que é alvo de preocupação dos povos indígenas, apesar da vitória por 9 a 2 no STF. “Eu não duvido que o Congresso Nacional queira continuar tirando uma queda de braço com o Supremo Tribunal Federal”, afirmou Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib.
Mas, mesmo com os temores, a decisão do Supremo fortalece os direitos dos povos indígenas e os processos de demarcação em andamento. Estão em curso cerca de 300 processos de demarcação cujos resultados serão afetados pela decisão desta quarta que tratava de disputa entre o povo Xokleng e o Estado de Santa Catarina, mas tem repercussão geral, afetando todos os casos similares. “É a maior vitória dos indígenas desde quando o não-indígena tomou as terras dos povos indígenas”, afirmou o líder xoxleng Tucun Gakran.
Os ministros Gilmar Mendes e Rosa Weber, presidente do STF, também votaram contra a tese do marco temporal antes do julgamento ser suspenso. Na próxima quarta-feira, o Supremo deve analisar propostas de tese sobre a questão – sugestões que sintetizam os entendimentos da Corte sobre um tema. Entre os pontos a serem definidos estão a indenização de não-índígenas que ocupam atualmente áreas dos povos originários e a compensação aos indígenas quando já não for mais possível conceder a área reivindicada.