Indígenas derrotam Barbalho com revogação da lei de ensino à distância nas aldeias

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Um mês após a ocupação da Secretaria de Educação do Pará, derrubada da legislação expõe fragilidade do discurso ambientalista do governo, às vésperas da COP30

Por Amazônia Real, compartilhado de Projeto Colabora




na foto: Indígenas celebram revogação da lei do ensino à distância nas aldeias em frente à Assembleia Legislativa: derrota do governo do Pará (Foto: Ozéas Santos / Alepa)

(Erika Morhy* – Belém/PA) – Em uma demonstração de força política, o movimento indígena do Pará obteve a revogação da Lei 10.820/2024, que ameaçava a educação escolar nas aldeias e abria caminho para o ensino à distância. A decisão, tomada por unanimidade dos deputados da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) nesta quarta-feira (12), um mês após a ocupação da Secretaria de Educação do Pará (Seduc), representa uma derrota para o governador Helder Barbalho (MDB) e expõe a fragilidade de seu discurso ambientalista, às vésperas da COP 30 em Belém.

A Lei 10.820, de 19 de dezembro de 2024, que permitia o fim do ensino modular presencial e a implementação do ensino à distância (conhecidos pelas siglas Some e Somei), foi alvo de críticas por representar um ataque direto à educação escolar indígena, que luta para preservar as suas tradições e a floresta dentro de seus territórios. A pressão do movimento indígena, que ocupou a Seduc por 30 dias, foi fundamental para a revogação da lei.

Às 11h56 desta quarta-feira, o deputado Chicão, presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e colega de partido do governador Helder, anunciou a aprovação do Projeto de Lei 13/2025, que revoga a Lei 10.820. Representantes do movimento indígena, quilombolas e professores lotaram, desde a manhã, as galerias do parlamento e acompanharam a votação exibida em um telão instalado em frente à Casa de leis.

Apesar da revogação da lei ter efeito imediato, a desocupação da Seduc só ocorrerá após a publicação da decisão no Diário Oficial do Pará e a criação de uma “comissão que vai escrever nosso direito à educação escolar indígena para todo o Estado”, afirmou o cacique Dadá Borari, referindo à Cláusula 2 do Termo de Compromisso firmado entre as partes no dia 5 de fevereiro.

O movimento indígena também reivindica o afastamento do secretário de Educação, Rossieli Soares, ainda que não seja condição para que desocupe o órgão e nem esteja no Termo de Compromisso. “Tivemos a resposta de que ele vai ser removido da Seduc. Basta agora ele [Helder Barbalho] cumprir o que ele falou com a gente. Se não cumprir o que falou, voltamos”, garantiu o cacique.

A expectativa é que a revogação da lei seja publicada no Diário Oficial do Pará ainda nesta quarta-feira, em edição extra, ou na quinta-feira (13), data prevista para a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à capital paraense. Dentre as agendas presidenciais previstas, está a visita a obras com investimentos para melhorar a infraestrutura da cidade até novembro, quando será realizada a conferência da ONU sobre o clima, a COP 30.

Indígenas, quilombolas, professores e estudantes comemoram a revogação da Lei 10.820/24 em frente à Alepa, em Belém: manifestantes também querem demissão de secretário de Educação (Foto: Ozéas Santos / Alepa)
Indígenas, quilombolas, professores e estudantes comemoram a revogação da Lei 10.820/24 em frente à Alepa, em Belém: manifestantes também querem demissão de secretário de Educação (Foto: Ozéas Santos / Alepa)

Celebração com emoção

A comemoração diante da Alepa foi marcada pela emoção. No dia 26 de janeiro, o cacique Dadá havia comparado a situação dos povos indígenas à da massa de mandioca dentro do tipiti: espremidos por todos os lados. Na manhã desta quarta-feira, ele garantiu à Amazônia Real que a resistência “valeu a pena! Agora é dizer pra todo aquele povo que tentou nos espremer com palavras técnicas que a gente não caiu no papo. Nós não abrimos mão e não negociamos nossos direitos”.

A comparação do cacique Dadá foi feita em reunião com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, na sede da Seduc. Muito esperada pela comunidade, ela intermediou um encontro entre 40 lideranças e o governador Helder Barbalho no dia 27. No entanto, o impasse permaneceu, e Sonia retornou a Brasília sem uma resolução.

Antes daquela reunião, Sonia já vinha dialogando por telefone com as lideranças e havia enviado servidores do ministério para acompanhar a crise localmente. Durante uma ligação em viva-voz, ela sugeriu a mesma proposta apresentada pelo governador por meio de intermediários: que o movimento aceitasse alterar apenas o capítulo da lei que mencionava os povos originários.

Voz dissonante ao longo dos 30 dias de ocupação e reconhecida tanto pelo movimento indígena quanto por parlamentares, a deputada estadual Lívia Duarte (Psol) pontuou, nesta quarta-feira: “Duas coisas me surpreenderam muito. Primeiro, a organização do movimento indígena e dos povos indígenas que ocupam a Seduc. Deram uma aula não só de resistência ao governo Helder e à direita tradicional no Estado, mas, também deram aula à própria esquerda, ao movimento sindical, uma aula de organização, aula de comando, aula de [como] rejeitar migalhas. Essa coisa do ´direito não se negocia´, pra mim, é a maior marca da ocupação e é um aprendizado com eles. A outra coisa que me surpreendeu muito e, essa, negativamente, foi como a máquina da direita se azeitou nos últimos anos. A gente não fala mais de um enfrentamento de um modo clássico. Apareceram outros agentes no Pará a convite do governo do Estado para fazer o movimento desistir da revogação”.

Projetos de lei como a 10.820/2024 podem ser votados de forma simbólica e não nominal na Alepa, impedindo a sociedade de saber como cada parlamentar votou. Apenas o posicionamento público de cada um pode sugerir. “Hoje, caminha para uma votação muito perto do unânime”, afirmou Lívia, antes do início da sessão no Plenário. “Eu não acredito que alguém não vá seguir o presidente Chicão. O que é muito diferente dos interesses dos deputados no que toca à pauta climática e de defesa dos povos originários. As bancadas têm feito essa discussão de maneira voraz – de que o petróleo é importante, que é importante exploração na foz do rio Amazonas, de que a pauta climática é frescura. É muito diferente. A vida real do Estado é um reflexo dos interesses também dos deputados. Pelo caos climático que a gente vive, a gente também pode entender interesse dos deputados”, avaliou a deputada.

Líderes indígenas, que acompanhavam a votação dentro da Alepa, celebram revogação: vitória após um mês de ocupação de secretaria (Foto: Celso Lobo / Alepa)
Líderes indígenas, que acompanhavam a votação dentro da Alepa, celebram revogação: vitória após um mês de ocupação de secretaria (Foto: Celso Lobo / Alepa)

Enfrentamento direto

Desde a abertura das atividades parlamentares, no último dia 4 de fevereiro, os indígenas e professores da rede pública estadual do Pará iniciaram o movimento de enfrentamento mais direto. A esta altura, já haviam se passado 22 dias de ocupação da sede da Seduc, em Belém, e o governador Helder Barbalho acumulava uma série de derrotas – a mais recente, até então, o pedido de manifestação, em um prazo de cinco dias, emitido pela ministra Cármen Lúcia (STF), relatora na ação proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), pedindo que a lei paraense seja considerada inconstitucional.

Quando o presidente da Casa, deputado Chicão, telefonou para Helder Barbalho, no mesmo dia 4, e levou a proposta de parlamentares para que o chefe do Executivo recuasse, deu-se o primeiro passo para a revogação da Lei 10.820/2024. No dia seguinte, coube à vice-governadora e secretária de Gestão e Planejamento, Hana Ghassan Tuma, sentar com uma comissão formada por parlamentares, lideranças indígenas e Sintepp para construir o Termo de Compromisso que seria entregue a Helder Barbalho. Como primeira cláusula do documento, estava a revogação. O termo foi assinado por todas as partes, inclusive pelo governador, ainda no dia 5, e o PL 13/2025 também foi enviado para a Alepa, logo em seguida.

A primeira sessão com atividades legislativas, dia 11 de fevereiro, quando também foram constituídas as comissões permanentes da Assembleia Legislativa do Pará, contou, mais uma vez, com a presença de lideranças indígenas e do Sintepp . Ao reconhecer “a perfeita constitucionalidade do PLO N° 13/2025 para seguir seu trâmite regimental, preservado o seu conteúdo normativo de origem, i.é, sem emendas”, o relator da Comissão de Constituição e Justiça e Redação Final sinalizava que a revogação estava pronta para ir à votação no plenário do Palácio Cabanagem.

A força dos povos indígenas

Apesar das violências que os indígenas sofreram, tanto com a força policial quanto com a disseminação de informações inverídicas, quem acumula perdas é o governador Helder Barbalho. No último dia 3, a Defensoria Pública da União (DPU) ingressou com uma ação civil pública contra o Governo do Pará, pedindo que o Estado seja proibido de divulgar, especialmente nas redes sociais do governador, informações que o órgão considera falsas sobre os indígenas que ocupam a Seduc. No dia seguinte, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com pedido na Justiça Federal para reforçar e complementar os pedidos da DPU.

Outro duro golpe antecedeu a decisão de Helder Barbalho. Depois de a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ter proposto ação no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo que a lei paraense seja considerada inconstitucional, a relatora, ministra Cármen Lúcia, deu prazo de cinco dias para a manifestação do governo.

Enquanto se desenrolavam as tratativas na Alepa, a Amazônia Real notou um grande número de servidores em seus ambientes de trabalho dentro da sede da Seduc. Parte do estacionamento do complexo estava ocupado por veículos. Um nítido reflexo da vitória do movimento expressa por oficiais de Justiça, no último dia 5. Eles entregaram mandado de intimação à coletividade garantindo que os indígenas poderiam continuar sua manifestação pacífica em vez de terem espaços restritos como havia demandado o governo de Helder Barbalho. O documento também afirmava que há compatibilidade entre a manifestação dos indígenas e as atividades administrativas na secretaria, ao contrário do que o governo vinha afirmando. A greve de professores da rede pública estadual, iniciada dia 16 de janeiro, foi suspensa na segunda-feira, 10 de fevereiro. A categoria se mantém em estado de greve e as aulas foram retomadas.

*Erika Morhy é paraense, graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, e bacharel em Psicologia. Atuou como assessora de comunicação em instituições de ensino e pesquisa na Amazônia, como a Universidade Federal do Pará (UFPA) e o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), e organizações não-governamentais, como a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH). 

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