Indígenas em Manaus, uma tragédia invisível

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Por Samela Sateré Mawé , compartilhado de Projeto Colabora – 

A dor das perdas somou-se ao desprezo das autoridades, que obrigou povos originários a construírem suas próprias estruturas (precárias) de socorro

Na terra que maltrata os indígenas desde a invasão portuguesa (aprendemos que não foi descobrimento, né??), há mais de 500 anos, a covid-19 atingiu duramente esses povos originários. O cenário conjuga tristeza, perdas e abandono para etnias vítimas ainda de muito preconceito. Esquecidos pelos governantes, os indígenas amargaram muitas perdas e se viram amputados de vários rituais. E o futuro não se desenha melhor. Na reportagem especial “Pandemia, um ano – olhares indígenas femininos” a descrição de Samela Sateré Mawé, sobre a batalha dos indígenas pela sobrevivência na região de Manaus.




No Brasil, os povos indígenas sentimos com grande dor e tristeza as consequências da covid-19. Muitos, de várias etrnias, perderam suas vidas, anciões indígenas morreram sem poder nem sequer ter um enterro digno de sua cultura. Segundo dados da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), desde o início da pandemia mais de 27 mil indígenas foram contaminados. O Amazonas foi o primeiro estado a ter a confirmação de contágio em povos originários, e hoje concentra o maior número de mortes. A Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), no estado já foram registrados 8.674 casos, atingindo 38 etnias.

Foi muito difícil no início do ano quando 56 parentes estavam com sintomas, e 32 deles testaram positivo. Por isso, nos mobilizamos para montar a unidade e conseguimos atender muitos parentes que ficaram internados

Vanda Witoto
Técnica de enfermagem na Unidade de Apoio aos Povos Indígenas no Parque das Tribos

O povo Sateré Mawé soma 12 óbitos. Originários da terra indígena Andirá Marau, no Baixo Rio Amazonas, temos nos mantido da agricultura, pesca, caça e venda de artesanatos, atividades que se tornam mais difíceis a cada diam por conta do fechamento das barreiras sanitárias e do comercio nos municípios próximos – Barreirinha, Maués e Parintins e Manaus.

Na capital, a Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé perdeu a principal fonte de renda, a venda do artesanato, no início da crise sanitária. Sem dinheiro para comprar alimentação na cidade e nenhuma informação ou assistência do governo, restou o desamparo. Segundo Sônia Sateré Mawé, coordenadora da associação, as famílias passaram aperto. “Naquele tempo não tinha dinheiro nem para comprar comida, muito menos máscara ou álcool gel”, relembra, contando que ela e o marido pegaram covid-19. “Sem atendimento médico, foi muito difícil”.

Uma iniciativa que ajudou foi a confecção de máscaras, incentivada pelos integrantes do grupo Artists Project Earth, do Reino Unido. Uma delas, May East, ajudou com a compra de artesanatos e material para produzir máscara. Mesmo sem nunca ter costurado, as mulheres da associação aprenderam o ofício e doaram os equipamentos de proteção para todos da comunidade e de outras aldeias em Manaus e no interior amazonense. Elas ainda conseguiram vender máscaras, garantindo fonte tímida de sustento.

Nós, indígenas que vivemos na cidade, não somos assistidos pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), e durante o colapso nos hospitais de Manaus, muitos parentes acabaram morrendo e sendo enterrados em valas coletivas. Organizações e frentes de ajuda, como as campanhas Vidas Indígenas Importam e Respira Amazonas, criaram mutirão para tentar ajudar as pessoas que estavam morrendo sufocadas. No Parque das Tribos, bairro indígena de Manaus, lideranças como o cacique Miqueias Kokama e a técnica de enfermagem Vanda Witoto conseguiram, com ajuda de doações pedidas via redes sociais, apoio para montar uma pequena estrutura de saúde, a Unidade de Apoio aos Povos Indígenas, que atua no tratamento de pacientes com covid-19 em Manaus e aldeias nas redondezas.

“Foi muito difícil no início do ano quando 56 parentes estavam com sintomas, e 32 deles testaram positivo. Por isso, nos mobilizamos para montar a unidade e conseguimos atender muitos parentes que ficaram internados”, narra a profissional de saúde, contabilizando 300 atendimentos até o meio de março.

Uma artesã da Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé também precisou de atendimento de urgência e teve que ser internada na UAPI. O socorro funcionou e ela está em casa, curada. Mas o caso dela e muitos outros não serão contabilizados nos números da pandemia entre os povos originários por conta da política preconceituosa e excludente da Secretaria de Saúde Indígena.

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