Por Eduardo Maretti, Rede Brasil Atual –
“Membros da oligarquia, os grandes senhores nunca foram bandidos, são gente boa”, ironiza Fábio Konder Comparato. Criminalista Nilo Batista lembra que 50% dos detentos do país são presos provisórios
São Paulo – A crise do sistema carcerário brasileiro é previsível, porque é estrutural. E a perversidade da realidade dos presídios, com as chacinas, assassinatos e guerras entre facções, não se instalou por acaso. Quase se pode dizer que esse estado de coisas interessa a certos estratos daselites brasileiras. “Todo o passado brasileiro veio no sentido de atacar aqueles que são considerados bandidos. Não os membros da oligarquia, os grandes senhores. Esses, nunca foram bandidos, sempre são gente boa”, ironiza o jurista Fábio Konder Comparato. “Mas ninguém se preocupa com a situação social. Os bandidos não surgem da noite para o dia.”
O advogado criminalista Nilo Batista acredita que, pelo andar da carruagem, o grave problema dos presídios do país tende a piorar. “Está se deteriorando, na medida em que o processo do maior encarceramento da nossa história continua em curso e ninguém fala em interrompê-lo, mas sim em aumentá-lo. Quando as autoridades federais olham para um problema desse e acham que você sai disto construindo mais cadeias, é como aumentar a doença num organismo tomado pela doença. Será que ainda não estamos prontos para encarar aquilo que o velho professor Heleno Fragoso dizia há 50 anos: ‘o problema da prisão é a própria prisão’?”, questiona Batista.
A “desgraça” da atual situação, diz Comparato, “é consequência de uma péssima formação da população, porque todos os serviços públicos e, como se vê notadamente agora, em relação a educação e saúde, trata-se, para os ricos, simplesmente de gastar dinheiro à toa”.
Segundo levantamento divulgado em abril de 2016 pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, a população carcerária do Brasil chegou a 622.202 presos, dos quais 61,6% são negros (incluindo pretos e pardos). Nilo Batista lembra que 50% dos aprisionados do país são presos provisórios “que podiam não estar presos”.
Para Comparato, o que vem piorar muito a situação é o espírito capitalista. “Porque perceberam que podem ganhar dinheiro até mesmo administrando as prisões”, diz, sobre a tendência de os presídios serem privatizados, como é feito em larga escala nos Estados Unidos. Sobre a frase do presidente Michel Temer, que disse na quinta-feira (5) que a chacina no presídio de Manaus foi um “acidente pavoroso”, Comparato afirma que o presidente “não sabia o que dizer”. “Então tinha que dar uma declaração para o público exterior.”
Nilo Batista também vê o sistema carcerário como parte de uma equação econômica injusta. “Virou uma economia. Não só uma economia importante do setor público, tirando recursos da saúde e educação, que são decisivas, mas uma economia privada que o professor Nils Christie chamou de ‘indústria do controle do crime’. Só vejo que a situação vai agravar.”
Usando a própria fala de Temer, Batista diz que ela sim é um acidente pavoroso. “Revela despreparo, porque se o presidente da República fala um negócio desse, quem o está informando sobre a questão penitenciária? Como assim, acidente? O secretário da Juventude diz que queria mais chacina. O cara que era o secretário da Juventude! A juventude brasileira pobre sendo presa e o cara quer mais chacinas, justamente o que deveria ser o representante da juventude. É grotesco”, diz o advogado.
O agora ex-secretário nacional de Juventude, Bruno Júlio, deixou o cargo após a péssima repercussão de sua declaração sobre a chacina de presos em Roraima, na semana passada. Em entrevista, ele disse que “tinha que matar mais (presos), tinha que fazer uma chacina por semana”.
E qual a solução para o país superar esse permanente estado de coisas? “Solução rápida não existe para nada neste país, a não ser para ganhar dinheiro”, diz Comparato.