Por Brenno Tardelli, Justificando –
Foi um ano de muitas surpresas, sem dúvida.
No campo jurídico, no entanto, nada foi mais surpreendente do que a postura do ministro Edson Fachin no Supremo Tribunal Federal. Para quem não se lembra, o ministro passou por uma das mais difíceis sabatinas da história, com forte oposição e largo apoio de juristas de renome e de movimentos sociais, que buscavam alguém na Corte com um pensamento mais progressista. Ele já havia se candidato algumas vezes e despontava com alguns posicionamentos inovadores, principalmente na área de Direito de Família.
Eis que, depois de tanto desgaste, logo nos seus primeiros meses de corte, Fachin começou a estranhar quem havia lutado tanto para que ele ocupasse a vaga.
Após assistir votos do ministro extremamente complicados do ponto de vista dos Direitos Humanos, especialmente em matérias relativas a Direito Penal e Processual Penal, escrevi um texto “A que veio o Ministro Edson Fachin?”. Naquela época, já destaquei alguns votos de Sua Excelência, como na discussão sobre princípio da insignificância e a constitucionalidade da vaquejada, onde fora a “vanguarda do atraso”. Eram momentos de apreensão no Supremo com o julgamento sobre a inconstitucionalidade da criminalização do porte de drogas. O ministro havia pedido vista no julgamento – devolvera o processo semanas depois, quando foi menos decepcionante e votou pela descriminalização da maconha (poderia ter votado por todas, como fez Gilmar, mas, enfim, seria esperar muito).
Pois de lá para cá, com 2015 chegando a seu fim, Sua Excelência conseguiu decepcionar mais. Fachin foi leading case no Tribunal Superior a dar a liminar no caso do “remédio milagroso contra o câncer” fosfoetanolamina, indo em sentido contrário ao consenso na comunidade médica e transformando a USP em uma indústria farmacêutica. O ministro também tem menção honrosa no pavoroso julgamento da Corte que chancelou o “pé na porta” para polícia buscar drogas, sem que haja mandado judicial. Na Academia, publicou um artigo no Tendências e Debates do jornal Folha de S. Paulo para alterar os ritos da prescrição penal. Alterar para mais rigor penal, claro.
O julgamento mais importante ficou para o fim, quando o ministro chancelou as ações de Eduardo Cunha na Presidência da Câmara, que durante o jogo, estabeleceu um rito de impeachment próprio. Em mais de 100 páginas, Fachin conseguiu a destreza, como bem definiu Patrick Mariano, de “citar autores garantistas para não garantir nenhum direito à defesa”. É de se ressaltar, porém, que o voto foi seguido na íntegra pelos ministros Dias Tóffoli e Gilmar Mendes. De outro lado, embora não tenham sido tão duros, Celso de Mello e Teori votaram junto com o ministro na questão da validade do voto secreto.
Ao final do julgamento, a divergência aberta pelo ministro Barroso foi acompanhada na íntegra pela maioria dos ministros – Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Lewandowski – e o rito do processo será o rito de Collor, isto é, voto aberto, chapa indicada por líderes e avaliação autônoma do Senado.
Aliás, a sessão do primeiro dia de discussão do rito de impeachment de Dilma foi emblemática: falaram mais de dez interessados na causa por mais de uma hora. Entretanto, argumentaram para quem não estava disposto a ouvir, pois o ministro se ateve a ler o voto que já estava pronto antes que qualquer um se manifestasse. É verdade que esse teatro do “ouço que você tem a dizer pois sou obrigado, mas não mudarei meu voto por nada”, protagonizado na quarta por Fachin, está em cartaz em todos os Tribunais Estaduais e Federais brasileiros todos os dias. Do Supremo, no entanto, espera-se um maior refinamento, principalmente quando se está em discussão a solidez democrática do país.
Pode ser que melhore, todos esperam que sim. Por suas mãos, como pelas mãos dos demais dez ministros, passam entendimentos que colaboram para a hiperlotação carcerária, a ânsia por mais punitivismo e as variadas mazelas advindas da desigualdade social no país. Por isso, caso queira fazer deste ano uma página virada e, de fato, citar autores garantistas para garantir direitos, será muito bem vindo.
Ministro de Supremo não tem mandato e, ao que tudo indica, serão longos anos para refletir a adotar uma postura que fuja do senso comum. Fachin foi escolhido e celebrado para trazer um pensamento diferente, arejado, e não ser mais do mesmo, quando não ser o pior entre os mesmos. O Fachin deste ano (que não apresentou nenhum diferencial que justificasse a ida ao Supremo) não precisa ser o Fachin de 2016, que todos esperam que ele seja.
Por isso, pelo peso das suas decisões, como pela decepção que causou em quem lutou para que ele se sentasse onde está, Fachin é insuperável neste 2015.
Brenno Tardelli é Diretor de Redação no Justificando.