Por Pedro Strazza, compartilhado do Site B9 –
Departamento comercial dos veículos aceita que anúncio publicitário de meia página em defesa do tratamento precoce seja divulgado nas versões impressas
A manhã desta terça-feira (23/02) ficou marcada para muitos brasileiros pela veiculação de um “informe publicitário” defendendo o tratamento precoce do coronavírus em alguns dos principais jornais do país. Presente nas edições impressas da Folha de São Paulo e do O Globo, o anúncio foi pago pela Associação Médicos pela Vida e busca divulgar o uso antecipado de medicamentos como a cloroquina para curar pacientes infectados pela Covid-19 – um problema, dado que nenhuma organização internacional de saúde reconhece ou recomenda tais remédios no combate à pandemia.
A peça, no caso, se porta como um “manifesto pela vida” assinado por um “grupo de médicos que têm se dedicado a levar aos pacientes o melhor da prática profissional” durante a pandemia, embora nenhum nome seja vinculado ao texto publicado. Além de divulgar ao final uma “jornada médica online” sobre o tema, o anúncio também cita um trecho da Declaração de Helsinque (sem o contexto apropriado de que o documento se refere a princípios de ética sobre testes clínicos com humanos, vale apontar) e do Conselho Federal de Medicina para justificar a defesa do uso de medicamentos sem eficácia comprovada.
A questão é que diversas organizações nacionais e internacionais já se posicionaram contra a utilização do tratamento precoce na pandemia. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) rejeitaram a utilização da hidroxicloroquina, da ivermectina, azitromicina e doxiciclina no cuidado de pessoas que tenham sido contaminadas pelo coronavírus, uma decisão que é corroborada por instituições como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e da Europa e mesmo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Enquanto espera-se que os efeitos do “informe” sejam combatidos por organizações de saúde nas próximas horas, o caso mais uma vez reaviva a discussão em torno da atual divisória que separa o editorial dos jornais de seus departamentos comerciais. Os gastos da dita associação não foram poucos, afinal, dado que atualmente não é nada barato veicular um anúncio de meia página na Folha de São Paulo e n’O Globo – de acordo com a jornalista Mariana Varella, editora-chefe do Portal Drauzio Varella, o preço para tal na primeira é na altura dos R$ 200 mil.
A situação preocupa sobretudo porque os principais veículos de comunicação do país (incluindo a Folha e O Globo) atuam conjuntamente desde o ano passado para combater a desinformação sobre a pandemia. Além de a partir de junho manterem atualizados os dados de disseminação do coronavírus em uma parceria independente do governo federal, o consórcio desde o início de 2021 veicula uma campanha de conscientização da vacinação.
Os departamentos comerciais dos dois jornais, enquanto isso, não parecem carregar os mesmos valores dos editoriais ao veicular o dito informe publicitário. Apesar de reforçar a classificação do anúncio no topo da peça, o jornal aprovou a publicidade mesmo pertencendo a uma associação que desde maio de 2020 atua de forma feroz para tornar protocolo o uso da hidroxicloroquina e dos outros remédios previstos no tratamento precoce.
O tópico naturalmente se desenrola nas redes sociais no momento de publicação desta nota, com muitos jornalistas e pesquisadores mostrando indignação pela publicação do anúncio em alguns dos principais veículos de notícia do país. A revolta é justificada: em nome do dinheiro, os jornais parecem perder de vista os ideais que norteiam suas redações.