Inglaterra: O deus da privatização fracassou

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Mídia aponta o fiasco neoliberal: após 30 anos, qualidade dos serviços essenciais degringolou e contas estão mais caras. Desigualdade e tragédias ambientais multiplicaram-se. Brasil terá que esperar esse tempo para constatar o já sabido?

Por Marcos Helano Montenegro, compartilhado de Outras Palavras




É nestes termos que o The Guardian, um dos principais jornais ingleses, faz em editorial de 22 de junho último um balanço da política neoliberal de privatização implementada há mais de três décadas pelos governos conservadores de Margaret Thatcher e John Major.

Três fatos recentes, qualificados como medonhos, ilustram, segundo o editorial, o fracasso das privatizações. Primeiro, a conclusão do Escritório Nacional de Auditoria responsabilizando o Ofgem, regulador nacional de energia, por criar um mercado “vulnerável a choques de grande escala” que assistiu ao colapso de 28 fornecedores e que provocou um acréscimo de £ 2,7 bilhões (R$ 17,4 bilhões) às contas domésticas1 de energia.

O segundo fato foi o anúncio feito pela Anglian Water, uma das maiores prestadoras privadas dos serviços de água e esgoto, de que pagaria um dividendo de 92 milhões de libras aos seus acionistas, entre os quais estão a Abu Dhabi Investment Authority e o Canada Pension Plan Investment. Isso apesar de a Agência do Meio Ambiente tê-la multada em três ocasiões distintas nos últimos meses por poluição causada por lançamento de esgotos não tratados em decorrência do investimento insuficiente em tratamento de efluentes. Os clientes da Anglian tiveram recentemente suas tarifas aumentadas em cerca de 5%, enquanto, segundo registros da empresa, Peter Simpson, seu presidente-executivo, e Steve Buck, diretor financeiro, receberam juntos mais de £ 2,2 milhões (R$ 14,18 milhões) em bônus em 2021, além do salário base anual combinado de mais de £ 900.000 (R$ 5,8 milhões).

A questão dos bônus e remunerações monstruosos dos executivos é generalizada, como se pode deduzir do pronunciamento do porta voz da Anglian a respeito: “Não comentamos nenhuma remuneração individual. É uma questão entre cada um deles e o comitê de remuneração independente, que garante que o salário seja comparável a outras empresas e indústrias.” Ou seja, é esse mesmo o padrão de remuneração dos executivos dessas empresas!

O terceiro fato foi a recusa do secretário de transporte, Grant Shapps, de negociar com os sindicatos ferroviários, alegando que não era tarefa de sua responsabilidade. Ocorre que na Inglaterra a privatização dos transportes ferroviários se deu pela terceirização da operação, sendo o governo dono da empresa que possui os ativos (via permanente, trilhos, túneis e sinais) e é o pagador de todos os operadores de trens, tendo portanto possibilidade de desempenhar papel importante na negociação entre ferroviários e os empregadores que operam o sistema.

Durante os governos de Margaret Thatcher e John Major, foram privatizados os serviços de telecomunicações, gás, eletricidade, água, transporte ferroviário e companhias aéreas. Quase 2 milhões de casas populares utilizadas para aluguel por famílias de baixa renda foram alienadas por uma bagatela.

O editorial do The Guardian destaca que as promessas feitas pelos governos neoliberais de excelência na qualidade dos serviços privatizados não foram cumpridas, como mostram os exemplos dos lançamentos de esgoto bruto nos rios e águas costeiras e a superlotação dos trens intermunicipais. A promessa de encolher o Estado, pelo menos quanto à cobrança de impostos, não se realizou: Thatcher nunca cortou o valor dos impostos cobrados dos contribuintes e, mesmo antes da pandemia, a proporção entre o gasto do governo e a renda nacional era da mesma ordem de grandeza que a da década de 1970. A promessa de investimentos por parte dos concessionários privados também não se concretizou. A construção do super-emissário de esgoto Thames Tideway, não está sendo paga pelos proprietários da Thames Water mas, principalmente, por seus clientes na forma de contas de água mais altas. As operadoras de trem realizaram pouco investimento direto e já costumavam receber subsídios do governo mesmo antes da crise da Covid.

Conclui explicitamente o editorial do The Guardian: “A privatização é o deus que fracassou. Como objeto de adoração, provou ser caro para o público e uma bonança para comparativamente uns poucos investidores, muitas vezes no exterior.”

Na Inglaterra, durante os governos de Margaret Thatcher e John Major, foram privatizados os serviços de telecomunicações, gás, eletricidade, água, transporte ferroviário e companhias aéreas. Quase 2 milhões de casas populares, destinadas ao aluguel por famílias de baixa renda foram alienadas por uma bagatela.

O Brasil precisa aprender com a experiência do Reino Unido e de outros países que reverteram processos de privatização de serviços públicos essenciais. Seria trágico esperarmos 30 anos para contabilizar prejuízos das atuais políticas de privatização que estão contribuindo para a ampliação da pobreza e das desigualdades no país. Reverter e suspender as privatizações dos serviços públicos e das estatais estratégicas está na ordem do dia do combate às desigualdades e da retomada do desenvolvimento.

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