Por Alessandra Corrêa. compartilhado de BBC News –
Não é apenas o ocupante da Casa Branca pelos próximos quatro anos que será definido nas eleições americanas de 3 de novembro.
Os eleitores também irão escolher senadores, deputados, governadores, prefeitos e votar em 120 plebiscitos realizados em 32 Estados, sobre temas que vão desde a legalização da maconha e acesso a aborto até medidas para combater desigualdades raciais.
Neste ano, além da disputa entre o presidente republicano Donald Trump e o candidato democrata, Joe Biden, estão em jogo 35 das 100 cadeiras do Senado e todas as 435 cadeiras da Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados), definindo que partido vai controlar o Congresso.
Também serão eleitos 13 governadores, dezenas de prefeitos e escolhidos os ocupantes de centenas de outros cargos estaduais e locais.
A menos de duas semanas da eleição, calcula-se que mais de 47 milhões de americanos já tenham votado pelo correio ou depositado suas cédulas antecipadamente, número que já superou o da eleição presidencial de 2016.
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Isso é reflexo da pandemia de coronavírus, que faz com que muitos eleitores evitem comparecer a locais de votação lotados.
Nos Estados Unidos, o voto não é obrigatório. Calcula-se que o eleitorado seja de cerca de 240 milhões de pessoas, composto por cidadãos americanos a partir de 18 anos de idade. Em alguns Estados, aqueles que tenham condenação criminal são impedidos de votar.
Enquanto a corrida presidencial e o controle do Congresso concentram boa parte da atenção, analistas ressaltam que os plebiscitos estaduais e locais também são importantes, muitas vezes com forte impacto em outras partes do país e em políticas futuras.
“Muitas ideias começam com esses referendos e depois acabam se tornando políticas públicas”, diz à BBC News Brasil o cientista político Lincoln Mitchell, da Universidade Columbia, em Nova York.
“Se você quer saber sobre o que os americanos vão estar falando daqui a dez anos, veja quais referendos plebiscitos despertam mais entusiasmo hoje. Eles são como uma prévia do que está por vir.”
Racismo e justiça criminal
Nos Estados Unidos, os plebiscitos não são nacionais, mas sim realizados em nível estadual ou local e também nos territórios americanos.
Alguns são iniciados pelo próprio governo, enquanto outros partem de iniciativas da população, muitas vezes quando grupos de interesse se organizam e fazem petição para incluir determinada questão na cédula.
“(Esses plebiscitos) podem ser muito influentes”, diz à BBC News Brasil o cientista político Hans Noel, professor da Universidade de Georgetown, em Washington.
“Historicamente, grandes mudanças em políticas em alguns Estados foram impulsionadas por eleitores dizendo ‘nós vamos mudar isso’.”
Segundo o site Ballotpedia, que reúne dados sobre as eleições nos Estados Unidos, além dos 120 plebiscitos deste 3 de novembro, outros nove foram realizados ao longo do ano, em votação prévias. Ao todo, 40 foram iniciados pela população, seja para propor novas leis ou para pedir veto a leis já aprovadas pelo governo local.
Em um ano em que protestos contra o racismo e a violência policial se espalharam por todo o país, desencadeados em maio pela morte de George Floyd, um homem negro morto sob custódia de um policial branco, muitas das iniciativas se referem a questões inspiradas pelo movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em tradução livre).
No Mississippi, os eleitores irão decidir se aceitam a nova bandeira do Estado. Em junho, no auge dos protestos nacionais, o governo decidiu aposentar a bandeira que estava em uso desde 1894 e que incluía símbolos confederados, em referência aos Estados escravocratas durante a Guerra Civil.
Caso o novo modelo proposto seja rejeitado nesta consulta popular, uma comissão responsável pela mudança irá apresentar um projeto diferente no ano que vem, em eleição especial.
Os eleitores de Rhode Island devem decidir se aceitam mudar o nome oficial do Estado para retirar uma referência às plantações onde pessoas negras eram escravizadas.
Nebraska e Utah votam para retirar de suas constituições estaduais trechos que ainda se referem a escravidão como forma de punição por crimes.
Mais de 20 plebiscitos são relacionados a justiça criminal. Em Oklahoma, os eleitores vão decidir se acabam com a possibilidade de que uma condenação anterior seja usada para aumentar a punição em crimes sem violência.
As cidades de Columbus (Ohio) e Portland (Maine) votam sobre a criação de painéis de civis para investigar denúncias de conduta imprópria por parte de policiais.
Califórnia
Na Califórnia, os eleitores irão decidir se o Estado deve voltar a aceitar o uso de ações afirmativas em admissões nas universidades e contratações no setor público, o que foi proibido em 1996, também após um plebiscito.
A nova mudança permitiria que critérios como raça, sexo, cor, etnia e origem nacional voltem a ser considerados nos processos de admissão.
Defensores das ações afirmativas dizem que a proibição afetou negativamente estudantes negros, latinos e indígenas.
A ideia de submeter ao público a possibilidade de reverter a proibição foi oficializada em junho, diante dos protestos e da discussão sobre desigualdade racial em todo o país.
A campanha pelo sim já arrecadou mais de US$ 16 milhões (cerca de R$ 92,3 milhões) e tem o apoio do governador, mas demonstra ter pouca força entre a população, segundo as pesquisas.
É comum que alguns plebiscitos recebam milhões de dólares, em campanhas contra e a favor.
Neste ano, a proposta que movimentou maior volume, com mais de US$ 204 milhões (R$ 1,17 bilhão) até o momento, foi um plebiscitos na Califórnia que irá decidir sobre o status trabalhista de motoristas de aplicativos como Uber. Somente as empresas de aplicativos já investiram mais de US$ 180 milhões (mais de R$ 1,04 bilhão) na campanha.
Caso o “sim” seja vitorioso, essas empresas ofereceriam alguns benefícios aos motoristas, mas ficariam isentas de cumprir uma lei estadual que exige que eles sejam classificados como funcionários e não como trabalhadores independentes.
Do contrário, terão de considerar os motoristas empregados e, assim, passar a oferecer benefícios e proteções trabalhistas completas.
A decisão nesse plebiscito poderá ter impacto nacional na regulação da chamada “economia de bicos”, em que os trabalhadores não são fixos e não têm contrato ou benefícios.
“A Califórnia é o Estado mais importante do país no que diz respeito a referendos”, salienta Mitchell.
O analista lembra que, devido ao tamanho e força da economia do Estado, medidas relacionadas a regulações têm enorme impacto sobre a operação das empresas no resto do país.
Como precisam se adaptar para cumprir a lei estadual, muitas acabam ampliando o padrão usado ali para o resto do país.
Maconha, cogumelos alucinógenos e aborto
Há vários outros temas em votação nos plebiscitos deste ano. Arizona, Dakota do Sul, Montana e Nova Jersey irão decidir se permitem o uso de maconha para fins recreativos, que já é liberado em outros 11 Estados americanos.
Oregon vota em um plebiscito que pode tornar o Estado o primeiro a legalizar o uso de cogumelos alucinógenos — que já é permitido em algumas cidades americanas.
Diversos plebiscitos propõe algum tipo de mudança em processos eleitorais estaduais ou municipais e financiamento de campanhas.
Alguns Estados votam questões relacionadas ao aborto. No Colorado, a proposta é proibir o procedimento a partir de 22 semanas de gestação, exceto quando a vida da mulher estiver em risco. A Louisiana vota sobre uma proposta declarando que a Constituição estadual não protege o direito ao aborto.
Os eleitores em Porto Rico devem decidir se querem que o território vire Estado, medida que precisaria posteriormente de aprovação do Congresso americano para entrar em vigor.
Na Flórida, os eleitores decidem sobre a proposta de aumentar gradualmente o salário mínimo estadual até que chegue a US$ 15 (cerca de R$ 86,50) por hora em 2026.
Analistas ressaltam que, além da importâncias das questões apresentadas nos plebiscitos, eles também são cruciais para motivar os eleitores a comparecerem às urnas.
“Para muitos eleitores, votar em um plebiscito é mais interessante do que votar em candidatos, especialmente candidatos sobre os quais eles não sabem muito, como no caso de alguns cargos estaduais e locais”, diz Noel.
Assuntos polêmicos são especialmente eficazes ao provocar grande comparecimento, e muitas vezes são usados pelos partidos como estratégia para garantir que seus eleitores não deixarão de votar.
“Isso faz com que os eleitores compareçam e, uma vez lá, votem não apenas no plebiscito, mas também nos cargos em disputa”, observa Noel.