Dar pouco destaque para a suspeição do ex-juiz e fim do último processo penal contra Lula é mais um capítulo da campanha antipetista da imprensa.
Por João Filho, compartilhado de The Intercept
OS DONOS DA GRANDE IMPRENSA BRASILEIRA seguem obcecados na tentativa de emplacar uma candidatura alternativa às de Lula e Bolsonaro. A chamada terceira via seria um ponto de equilíbrio entre os polos à esquerda e à direita, um meio-termo saudável para quebrar uma polarização que atravanca o cenário político do país. Nada mais falso.
Lula não está no polo oposto de Bolsonaro. O petista é um centro-esquerdista clássico que governou o país de maneira democrática em coalizão com partidos de direita e centro-direita durante oito anos.
Bolsonaro é um extremista de direita que passou os últimos quatro anos colocando a faca no pescoço da democracia e destruindo o estado brasileiro.
A tal terceira via não se encontra em uma posição equidistante no espectro ideológico entre Lula e Bolsonaro. Representada principalmente pela candidatura de Sergio Moro, a terceira via que os donos da imprensa querem empurrar goela abaixo da população é uma candidatura muito mais próxima de Bolsonaro. Não foi à toa que Moro largou a toga para se tornar um ministro bolsonarista. A afinidade ideológica entre os dois é bastante clara.‘Tratar Lula como um extremista de esquerda que polariza com o fascismo só pode ser explicado pelo antipetismo alucinado’.
O homem que a imprensa insiste em pintar de moderado foi um ministro bolsonarista dos mais radicais. Lembremos da tentativa de emplacar o excludente de ilicitude para policiais, também conhecido como licença para matar suspeitos. Moro não rompeu com Bolsonaro porque discordava dos seus radicalismos. Rompeu por uma disputa de poder e para preparar sua candidatura à presidência da República.
Transformar um extremista de direita em um direitista moderado faz parte de uma operação para impedir a volta de Lula. Esse é o grande engodo que está na praça eleitoral pescando os eleitores menos atentos.
Tratar Lula como um extremista de esquerda que polariza com o fascismo só pode ser explicado pelo antipetismo alucinado, essa doença mental coletiva que assolou o país na última década. A cobertura da agenda dos presidenciáveis tem sido brutalmente desigual. No fim do ano passado, por exemplo, a cerimônia de filiação de Moro ao Podemos teve amplo destaque na mídia, enquanto a viagem de Lula pela Europa, quando se reuniu com grandes líderes mundiais, ficou escanteada no noticiário.
Essa operação da grande mídia para tirar Lula do páreo e colocar Sergio Moro tem ficado ainda mais clara neste ano eleitoral. Os editoriais, que expressam a opinião dos proprietários dos jornais, não disfarçam a campanha antipetista. Para se ter uma ideia, só neste ano, o Estadão publicou editoriais com os seguintes títulos: O PT não sabe o que é cidadania, O mal que Lula faz ao Estado, Lula promete o atraso , O mal que Lula faz à oposição e O mal que Lula faz à democracia.Faça História Com A GenteHá 5 anos o Intercept faz jornalismo que mexe com as estruturas. Ajude a fazer muito mais.
É legítimo que os barões dos grandes jornais expressem suas opiniões em editoriais. O problema está na distorção dos fatos e de conceitos com o intuito de alinhar o noticiário com os interesses da chamada terceira via e minimizar o alcance de qualquer informação positiva para a candidatura de Lula. Os editoriais do Estadão são o exemplo mais bem-acabado, mas Folha e o grupo Globo também estão nessa missão.
Nesta semana, o último processo contra Lula foi suspenso pelo STF. A Folha de S.Paulo, que noticiou as condenações de Lula em letras garrafais em manchetes de capa, não deu o mesmo destaque para as suspensões dos processos. Longe disso. A suspensão da última ação penal contra Lula foi para a capa, mas ficou de canto, quase escondida: “Última ação contra petista é suspensa” — o nome de um ex-presidente que governou o país oito anos é omitido no destaque da notícia e vira um mero “petista”.
A chamada anterior (abaixo), em que o nome de Lula é citado, pode ser usada como justificativa para a omissão do nome do ex-presidente. Ocorre que a chamada anterior é uma cama de gato para induzir o leitor a acreditar que a suspensão do processo é uma vitória da impunidade: “Casos similares ao de Lula-Moro favorecem políticos”. Na sequência, Artur Lira aparece como um beneficiário da suspensão dos processos contra Lula.
Juntas, as chamadas na capa da Folha de S.Paulo induzem o leitor a pensar que a impunidade venceu.
Foto: Reprodução/Folha de S. Paulo
É desonesto induzir o leitor a acreditar que a justiça não foi feita nas suspensões dos processos que tornaram Lula inocente. As reportagens da Vaza Jato e as mensagens da Operação Spoofing comprovaram que o ex-presidente Lula foi vítima de uma perseguição judicial, o chamado lawfare. Foram elas que embasaram a decisão do ministro Lewandowski de suspender o último processo penal.
Não há o que discutir quanto a isso, mas a Folha quer que você acredite que o STF fez com que tudo acabasse em pizza. Coincidentemente, essa narrativa é a mesma do lavajatismo e da candidatura de Moro. E, lembremos, esse é o mesmo jornal que publicou com grande destaque na capa uma ficha policial falsa da então presidenciável Dilma Rousseff, indicada por Lula para a sucessão.
Numa época em que nem se falava em “fake news”, o jornal recebeu a imagem por e-mail e publicou na capa sem fazer o trabalho básico do jornalismo: a checagem. O antipetismo alucinado nunca encontrou limites nessa parte relevante do jornalismo brasileiro.
Em O Globo, fim da última ação penal contra Lula vira chamadinha no canto inferior da capa.
O Globo, que também noticiou as condenações de Lula em grandes manchetes de capa, também fez com que a suspensão do último processo penal aparecesse discretamente na capa, esquecida no canto inferior da página em letras pequenas. O Jornal Nacional, o jornal televisivo mais assistido do país, seguiu o mesmo padrão, dedicando pouco mais de um minuto para assunto, bem diferente das longas e completas reportagens em que Lula apareceu como condenado.
O Estadão, o mais sincerão dos jornais, nem se deu ao trabalho de colocar a notícia na capa. Omitiu e pronto. O jornal achou mais importante colocar na capa uma chamada para um projeto do SESC: a criação de uma “minipraça entre SESC e Itaú Cultural na Avenida Paulista”.
Essa lógica, baseada no antipetismo alucinado que jogou o país na vala do lavajatismo e do bolsonarismo, também foi reproduzida nos grandes portais de notícias. Dar pouco destaque para a suspeição do ex-juiz e para o fato que Lula se tornou inocente perante a lei é uma decisão editorial. Na prática, a suspensão de todos os processos inocenta o petista de todas as acusações que o noticiário martelou durante anos na cabeça da população como se fossem verdades.
A notícia que deveria merecer destaque está na decisão de Lewandowski que suspendeu a última ação penal contra Lula: “os procuradores República responsáveis pela denúncia referente à compra dos caças suecos agiam de forma concertada com os integrantes da ‘Lava Jato’ de Curitiba, por meio do aplicativo Telegram, para urdirem, ao que tudo indica, de forma artificiosa, a acusação contra o reclamante [Lula]”.
O ministro não deixou pedra sobre pedra e fez questão de mostrar o conjunto da obra do lawfare lavajatista: “Valendo lembrar que investigações do mesmo juiz, relativas aos casos ‘Triplex do Guarujá’ e ‘Sítio de Atibaia’, foram consideradas inaproveitáveis pelo Supremo”.
A grande mídia não dá destaque para essas conclusões irrefutáveis do ministro por um motivo que me parece evidente: isso implicaria em ter que assumir que ela foi conivente com o lawfare lavajatista. Isso seria ruim para o candidato Sergio Moro e bom para o candidato Lula. Não é uma escolha difícil para os donos da imprensa.