Iniciativa de Lélia e Sebastião Salgado no Vale do Rio Doce recebe recursos para ampliar projetos de restauração ecossistêmica
Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora
Lélia e Sebastião Salgado na RPPN Fazenda Bulcão, sede do Instituto Terra: apoio para aumentar número de nascentes recuperadas e ampliar área para projeto de biodiversidade no Vale do Rio Doce (Foto: Philippe Petit / Divulgação)
As atenções do fotógrafo Sebastião Salgado e de Lélia Wanick Salgado podem estar concentradas agora na exposição Amazônia – exibida atualmente no Rio e em três cidades da Europa – mas o casal nunca deixa de lado o Instituto Terra, iniciativa para a restauração ambiental e o desenvolvimento rural sustentável do Vale do Rio Doce. Enquanto cuidam da exposição, com fotos de Sebastião e curadoria de Lélia, eles acabam de assinar contrato para a recuperação de mais 4.200 nascentes na região – o que significa a plantação de mais de dois milhões de árvores – e também conseguiram a doação de recursos para multiplicar a área do Instituto Terra, que hoje ocupa 800 hectares no município de Aimorés, em Minas Gerais. “O Instituto Terra é a nossa pequena contribuição para a conservação da natureza, para a preservação do planeta” afirma Sebastião Salgado.
A recuperação das nascentes faz brilhar os olhos privilegiados de Salgado, que já conquistou os mais importantes prêmios de fotografia do mundo, como o Príncipe das Astúrias, a medalha do centenário da Royal Photographic Society e o recente Infinity Award, do Centro de Fotografia de Nova York. “Nós já recuperamos 2.500 nascentes no Vale do Rio Doce. E, para você recuperar uma nascente, você precisa plantar uma pequena floresta de 500 árvores. Então, já foram plantadas mais de um milhão de árvores na região”, calcula o fotógrafo, lembrando que o novo contrato vai permitir a multiplicação das nascentes. “Hoje nós estamos trabalhando, possivelmente, no maior projeto de águas do planeta. Nosso contrato com o KFW (banco de desenvolvimento da Alemanha) prevê, que se funcionar bem com essas 4.200 nascentes que estamos recuperando, nós vamos passar para um projeto com 50 mil nascentes”, acrescenta Sebastião Salgado – nas contas de 500 árvores por nascente, serão mais 25 milhões de árvores no Vale do Rio Doce.
o que estamos fazendo lá no Vale do Rio Doce pode ser feito em qualquer outro estado do Brasil, na Mata Atlântica ou em outros biomas. O modelo de recuperação ecossistêmica que nós criamos no Instituto Terra é adaptável para o Brasil e para fora do Brasil. Tudo o que nós criamos pode ser multiplicado
Sebastião SalgadoFotógrafo e idealizador do Instituto Terra
Lélia e Sebastião criaram o Instituto Terra em 1998 na antiga fazenda de gado adquirida da família de Salgado – em Aimorés, terra natal do fotógrafo – onde o cenário era de degradação ambiental, semelhante, aliás, ao de muitas outras propriedades rurais, grandes e pequenas, do Vale do Rio Doce. “Quando nós começamos, ninguém acreditava no nosso projeto; os fazendeiros, os produtores rurais, principalmente, não acreditavam. Hoje, nós temos filas de fazendeiros esperando para a gente recuperar as nascentes deles, para plantar pequenas florestas nas propriedades deles” conta Salgado, em entrevista realizada antes da abertura no Museu do Amanhã, no Rio, da sua Amazônia, que tem uma parte final dedicada ao Instituto Terra.
O trabalho de restauração ambiental na propriedade de Aimorés começou com a transformação da área em Reserva Particular do Patrimônio Natural – a RPPN Fazenda Bulcão; foi o primeiro reconhecimento ambiental concedido no Brasil a uma propriedade completamente degradada, diante do compromisso de vir a ser reflorestada. Após plantar as pequenas florestas e recuperar as nascentes da própria fazenda, o Instituto Terra passou compartilhar com seus vizinhos do Vale do Rio Doce o conhecimento adquirido na restauração ambiental da RPPN. “No nosso espaço, nós já plantamos mais de três milhões de árvores. Mas nós trabalhamos em todo o Vale do Rio Doce, que é um vale grande, representativo, praticamente do tamanho de Portugal. Ali, nós temos uma influência efetiva. Nós estamos plantando uma multidão de árvores, ajudando na restauração ambiental de muitas áreas”, destaca o fotógrafo de 77 anos.
O exemplo bem sucedido na fazenda facilitou a multiplicação da iniciativa pelas outras propriedades da região, que recebem o apoio do Instituto Terra para a plantação das árvores e a recuperação das nascentes. “Nós fornecemos ao proprietário rural as plantas, as plantas adequadas para a recuperação. Nós oferecemos o arame para a cerca e as estacas da cerca: nós temos que cercar um hectare em volta da nascente para a gente plantar a pequena floresta. A gente cerca e planta: com dois anos de floresta cercada e plantada, a água volta. O proprietário rural passa a ter água, água que ele não tinha sequer para beber na fazenda. Então, o proprietário rural, principalmente o pequeno produtor, passou a ser nosso maior aliado ali no Vale do Rio Doce”, conta Sebastião Salgado.
O Instituto Terra acompanha o desenvolvimento do projeto até a recuperação da nascente e sua sustentabilidade. “Depois do plantio das árvores e da volta da água, a gente oferece ao proprietário rural uma pequena estação de tratamento de esgoto. Então, a água produzida a mais, não utilizada na propriedade, ao ser devolvida ao córrego, já vai ser uma água limpa. E nós fazemos para o proprietário o CAR (Cadastro Ambiental Rural). e oferecemos a ele uma assistência técnica por três anos”, explica o fotógrafo.
O planeta está aquecendo e aquecendo rápido. Há duas vertentes para frear esse aquecimento: uma é a conservação, é proteger o que está aí, proteger a Amazônia, proteger a floresta boreal, proteger o que sobrou de floresta na Ásia e na África. A outra vertente é a reabilitação ecossistêmica, é o que nós fazemos no Instituto Terra
Sebastião SalgadoFotógrafo e criador do Instituto Terra
Durante três anos, um técnico do Instituto Terra acompanha o trabalho feito em cada propriedade. Cada técnico é responsável no Vale do Rio Doce pela recuperação de 150 nascentes, circulando pelas propriedades e dando assistência aos produtores rurais. “O nosso técnico ambiental, somos nós mesmos que formamos, o próprio Instituto Terra faz esse trabalho de capacitação. Nosso técnico ambiental, em boa parte, é o filho do proprietário rural”, conta Salgado, explicando o funcionamento do centro de formação. “Nós vamos nas melhores escolas técnico-agrícola, onde os filhos dos proprietários rurais vão terminar o ensino médio. Nós selecionamos os melhores alunos, os melhores com preocupação com o meio ambiente. Nós trazemos esses jovens para o Terra e damos uma formação intensiva: 82% da carga é de aulas práticas. E ele termina esse ano sendo um técnico agrícola especializado em recuperação de nascentes”.
Para o fotógrafo, essa iniciativa vem sendo decisiva para a multiplicação do trabalho do instituto no Vale.do Rio Doce. “Quando esse técnico, formado no Vale, vai na propriedade prestar assistência, as portas estão abertas: porque ele é o filho de um vizinho, um filho da região que conhece bem aquela terra. Nós estamos totalmente integrados com a nossa região. Nosso trabalho é efetivo, é permanente. Nosso centro de formação é para todo o pessoal da região. Nós promovemos cursos específicos e trazemos especialistas: vêm proprietários, seus técnicos e empregados para aprender. O pequeno produtor é o maior interessado”, afirma Salgado, acrescentando que o Instituto Terra leva prefeitos da região para conhecer os projetos, promove cursos para líderes religiosos, mantém um curso permanente para crianças – Terrinhas – que é fruto do trabalho em parceria com todas as escolas dos municípios da região.
Enriquecimento da biodiversidade
Sebastião Salgado frisa que o modelo criado pelo Instituto Terra para a recuperação das nascentes pode ser facilmente replicável. “É um projeto demonstrativo – o que estamos fazendo lá no Vale do Rio Doce pode ser feito em qualquer outro estado do Brasil, na Mata Atlântica ou em outros biomas. O modelo de recuperação ecossistêmica que nós criamos no Instituto Terra é adaptável para o Brasil e para fora do Brasil. Tudo o que nós criamos pode ser multiplicado”, enfatiza, apontando que há dificuldades para novos projetos. “Para multiplicar esse trabalho, precisamos da conscientização da sociedade e da ação dos governos. Não apenas o governo federal; também os governos estaduais, os governos locais. O Instituto Terra está trabalhando bem próximo do governo do Espírito Santo, tem tentado trabalhar com o Governo de Minas. Vamos ver se a gente vai ter em Minas, a partir do ano que vem, um outro tipo de governo que colabore mais com iniciativas de preservação. Minas já foi um estado muito mais progressista em relação à recuperação ecossistêmica e à conservação”, acrescenta.
Ativista na defesa do meio ambiente, Salgado repete que o trabalho do Instituto Terra é a contribuição – sua e de Lélia, arquiteta, ambientalista e idealizadora, a seu lado, da iniciativa – para o enfrentamento da crise climática. “O planeta vive hoje um drama imenso, um drama de aquecimento global. O planeta está aquecendo e aquecendo rápido. Há duas vertentes para frear esse aquecimento: uma é a conservação, é proteger o que está aí, proteger a Amazônia, proteger a floresta boreal, proteger o que sobrou de floresta na Ásia e na África, para segurar o que temos. A outra vertente é a reabilitação ecossistêmica, é o que nós fazemos no Instituto Terra. Nós estamos fazendo um modelo reaplicável, que pode ajudar outras iniciativas”, afirma o fotógrafo.
Para além da plantação das pequenas florestas e da recuperação das nascentes, o Instituto Terra vai investir agora na recuperação da biodiversidade do Vale do Rio Doce. “Nós já temos o maior viveiro de plantas nativas de Mata Atlântica da nossa região. Nós temos a capacidade de produzir em torno de 1 milhão de plantas de mais de 100 espécies diferentes por ano”, conta o fotógrafo, acrescentando que a doação recentemente recebida vai aumentar essa capacidade. “Nós recebemos uma doação considerável e vai ser possível multiplicar a nossa área (hoje por volta de 800 hectares) por cinco ou seis vezes. Nós estamos comprando terra em volta. Nós recebemos uma doação específica para aumentar nossa mancha de biodiversidade. Esse espaço maior é necessário para que, dessa mancha de biodiversidade concentrada, o Instituto Terra possa começar a irradiar biodiversidade para essas milhares de pequenas florestas plantadas para recuperar as fontes de água. Nós estamos começando irradiar biodiversidade a partir desse nosso núcleo”, explica.
O premiado fotógrafo destaca que a degradação ambiental da Mata Atlântica – hoje apenas pouco mais de 12% do bioma tem sua vegetação original preservada – traz problemas para as florestas plantadas no Vale do Rio Doce. “Se a gente tivesse florestas preservadas em volta, os animais dessa florestas garantiriam o enriquecimento da biodiversidade da região. Como toda essa área foi muito degradada, a biodiversidade não trouxe as espécies para essas novas florestas porque essas espécies não existem mais ali. Nós precisamos fazer um enriquecimento da nossa biodiversidade. E vamos levar essa biodiversidade, a partir da ampliação do nosso espaço, para as milhares de pequenas florestas que estamos ajudando a criar no vale”, afirma Sebastião Salgado, confiando que a multiplicação dos frutos do Instituto Terra terá um impacto semelhante ao causado pelas suas fotos admiradas mundo a fora. “Nós poderemos transformar o Vale do Rio Doce no maior lugar com maior concentração de biodiversidade do Brasil, fora da Amazônia”.