Por Ana Elisa de Castro Freitas no Laced, reproduzido no Portal Geledés –
Um panorama da institucionalização dos Grupos PET-Indígenas nas universidades e institutos federais por meio do Programa de Educação Tutorial/Conexões de Saberes do Ministério da Educação no Brasil
Em 2010 o Ministério da Educação/MEC publicou o Edital 09/2010 possibilitando às universidades e institutos federais brasileiros a criação de novos grupos de educação tutorial em nível de graduação. Neste Edi- tal, uma modalidade inovadora de educação tutorial foi instituída pelo MEC: partindo de uma articulação do Programa de Educação Tutorial com o Programa Conexões de Saberes, foi prevista a organização de grupos direcionados exclusivamente à formação de estudantes universi- tários indígenas.
Com esta política, se estabeleceu um plano de institucionalização en- tão inédito no que se refere à educação superior para indígenas no Brasil. Dezessete grupos de educação tutorial indígenas foram constituídos em universidades e institutos federais nas cinco regiões do país. Em interfa- ce com distintas territorialidades, culturas e fronteiras de contato, estes grupos configuram novos espaços dialógicos de produção intelectual in- dígena no cenário universitário, ainda pouco conhecidos.
- 1 Este texto é fruto da revisão e ampliação de trabalho, originalmente, apresentado no Grupo de Trabalho “Novas fronteiras do fazer antropológico: diálogos entre pesqui- sadores, consultores e gestores das políticas indigenistas de educação”. 29a Reunião Brasileira de Antropologia, 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN (FREITAS, 2014).
- 2 Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ UFRGS, professora no Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná/UFPR, tutora do Grupo PET Litoral Indígena na UFPR.
Partindo da experiência de tutoria no Grupo PET Litoral Indígena, na Universidade Federal do Paraná/UFPR, composto por 12 estudan- tes pertencentes a diferentes etnias, territórios e cursos de graduação, é possível reconhecer no espaço do PET a abertura de uma nova rota de diálogo entre universidade e povos indígenas. Na condição de estudan- tes universitários, sob permanente orientação e tutoria, jovens indígenas protagonizam ações de pesquisa, ensino e extensão que se estendem da universidade às suas coletividades, e vice-versa, envolvendo nessas ações docentes, pesquisadores, estudantes não indígenas, servidores técnico- -administrativos, mas também xamãs, lideranças e professores indígenas bilíngues. Como resultante, as instituições de ensino superior como os Grupos PET-Indígenas ampliam seu caráter pluriétnico.
O objetivo de conhecer e tecer pontes de intercâmbio com os demais Grupos PET-Indígenas instituídos no Brasil pelo Edital 09/2010 do MEC passou a mobilizar o interesse na tutoria e na pesquisa e deu origem à ideia do presente livro.
Nesta breve apresentação, estabeleço um panorama do processo de institucionalização de Grupos PET-Indígenas nas universidades federais pela via do Programa de Educação Tutorial/Conexões de Saberes vigente no MEC e situo o conjunto de textos que compõem a obra.
O livro possibilita reconhecer o impacto destes grupos nas institui- ções-sede e sua contribuição para a produção intercultural de novos co- nhecimentos acerca das realidades indígenas contemporâneas, a partir de suas próprias lentes culturais, em cruzamento com as matrizes curri- culares dos cursos dos estudantes indígenas.
Por fim, no contexto de institucionalização da Lei de Cotas e seus desdobramentos administrativos, considera-se que a sistematização dos processos educacionais em andamento nestes grupos – objeto deste li- vro – é imprescindível ao acompanhamento e avaliação das políticas de educação superior para indígenas em curso no país.
Os PET-Indígenas no contexto do Programa de Educação Tutorial/ Conexões de Saberes
A publicação conjunta do Edital 09/2010 pela Secretaria de Educação Superior/SESu e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade/Secad em 2010 previu a criação de 300 novos Grupos PET, distribuídos em nove diferentes lotes (A, B, C, D, E, F, G, H e I). Dentre estes, o Lote I previa a inscrição de projetos de criação de novos Grupos PET envolvendo “exclusivamente estudantes de graduação de comuni- dades indígenas” (MEC, Edital 09/2010).
A base normativa deste Edital é a Portaria n. 976/2010. No contexto do Programa de Educação Tutorial instituído pela Lei n. 11.180/2005 e regulamentado pelas Portarias n. 3.385/2005, 1.632/2006 e 1.046/2007, a Portaria n. 976/2010 trouxe algumas inovações, tais como: modifi- cações na estrutura dos grupos, fixação de tempo máximo de perma- nência dos docentes-tutores, redefinição administrativa e de gestão e, o que especialmente nos interessa, a união do Programa PET/SESu com o Programa Conexões de Saberes/Secad – o que efetivamente possibilitou a institucionalização dos Grupos PET-Indígenas.
Trata-se de um Edital nitidamente voltado à ampliação do Programa PET em suas dimensões territorial, institucional, sociocultural e étnico- -racial. Através dele, foi estimulada a criação de 40 novos grupos em campus fora de sede das instituições federais de ensino superior/Ifes (Lote A); 30 novos grupos destinados às Ifes com menos de 5 Grupos PET (Lote B); 30 novos grupos destinados às Ifes com 5 ou mais Grupos PET (Lote C); 25 novos grupos destinados às Instituições Públicas de Ensino Superior/IPES estaduais e municipais com menos de 3 Grupos PET (Lote D); 15 novos grupos destinados às IPES com 3 ou mais Gru- pos PET (Lote E); 10 novos grupos destinados às demais Instituições de Ensino Superior (Lote F); até 2 novos grupos por Ifes envolvendo exclu- sivamente estudantes de graduação oriundos de comunidades populares urbanas (Lote G); um novo grupo por Ifes envolvendo somente estu- dantes de graduação de comunidades do campo ou quilombolas (Lote H) e um novo grupo por Ifes envolvendo exclusivamente estudantes de graduação de comunidades indígenas (Lote I).
Orientado pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o PET é um programa voltado à criação de grupos de edu- cação tutorial formados por até 12 estudantes bolsistas, seis estudantes voluntários e um docente-tutor, tendo por objetivos:
“desenvolver atividades acadêmicas em padrões de qualidade e de exce- lência, mediante grupos de aprendizagem tutorial de natureza coletiva e interdisciplinar; contribuir para a elevação da qualidade da formação dos estudantes de graduação, da diminuição da evasão e promoção do sucesso acadêmico; promover a formação de profissionais e docentes de elevada qualificação acadêmica, científica, tecnológica e cultural; for- mular novas estratégias de desenvolvimento e modernização do ensino superior no país; estimular o espírito crítico, bem como a atuação pro- fissional pautada pela ética, pela cidadania ativa e pela função social da educação superior; estimular a vinculação dos grupos a áreas prioritá- rias e a políticas públicas e de desenvolvimento, assim como a corre- ção de desigualdades sociais, regionais e a interiorização do programa” (MEC, Edital 09/2010).
Atualmente existem 842 Grupos PET no Brasil, distribuídos em 121 instituições de ensino superior. Destes, 17 (2,02%) são Grupos PET In- dígenas, distribuídos em 15 diferentes Ifes, nas cinco regiões do país: dois na região Sul (UFSM/Rio Grande do Sul e UFPR/Paraná); três na região Sudeste (sendo dois na UFSCar/São Paulo e um na UFMG/Mi- nas Gerais); dois na região Centro-Oeste (UFMT/Mato Grosso e UFGO/ Goiás); quatro na região Nordeste (UFBA, IF Baiano/Bahia, UFPE/Per- nambuco, UFPB/Paraíba) e seis na região Norte (um na Unifap/Amapá, um na Ufac/Acre, um na UFRR/Roraima, dois na UFTO/Tocantins e um na Ufam/Amazonas).
Todos estes grupos foram instituídos através do Edital 09/2010. Um total de 19 projetos foi submetido ao Lote I, sendo 15 classificados em primeira instância e outros dois em edital complementar.
É importante destacar que quando o Edital 09/2010 foi publicado pelo MEC, o Brasil ainda não havia formalizado sua posição de reco- nhecimento da igualdade substancial como valor de Estado, por meio de políticas de ação afirmativa expressas na publicação da Lei Federal n. 12.711/2012, Lei de Cotas (FREITAS e HARDER, 2013a).
Os estudantes indígenas que então cursavam o Ensino Federal Supe- rior haviam ingressado em vagas suplementares ou vagas reservadas por algumas universidades brasileiras para estudantes indígenas, não haven- do nenhuma política de Estado que induzisse estas instituições a fazê-lo.
Na então Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena/CGEE da Fundação Nacional do Índio/Funai, 22 universidades brasileiras ha- viam firmado Termos de Cooperação voltados à permanência de indíge- nas no Ensino Superior. Este cenário contribui para compreender porque apenas 19 propostas foram submetidas ao Lote I do Edital 09/2010, pleiteando a criação de Grupos PET Indígenas em universidades e insti- tutos federais.
Passados quatro anos e à luz das transformações induzidas pela Lei de Cotas, amplia-se o interesse das instituições de Ensino Superior pela expan- são deste Programa, cabendo ao MEC a publicação de novos editais espe- cíficos para a criação de Grupos PET-Indígenas, semelhantes aos que hoje estão instituídos no país, e prever recursos para seu pleno funcionamento.
Intelectuais Indígenas e a construção da universidade pluriétnica no Brasil (PDF)