Por Cida de Oliveira, publicado em RBA –
Universidades federais estão com dificuldades para manter licenciatura em Educação no Campo. Demanda das comunidades camponesas, curso foi criado em 2008 para reduzir defasagem no ensino
São Paulo – A formatura da primeira turma do curso de licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), prevista para março, é aguardada por estudantes, familiares e gente da comunidade. Vindos da zona rural de diversas localidades, inclusive quilombos e aldeias – dos 180 alunos, 61 são indígenas –, eles são os primeiros da família a frequentar um curso superior. Outro ponto em comum é o desejo de contribuir para a expansão e melhoria da qualidade da educação. Uma tarefa de extrema importância levando-se em conta que, se o ensino público nacional é marcado pela baixa qualidade devido ao histórico abandono pelos governantes, a situação é muito pior nessas escolas para os filhos dos trabalhadores rurais.
A esperança é que a solenidade de formatura seja a primeira de muitas na UFFS para os formandos em Educação do Campo. Entretanto, apesar dos esforços da instituição desde o começo deste ano, professores, técnicos e reitoria temem não encontrar meios de continuar o curso a partir do próximo ano. Tampouco garantir a formatura daqueles que concluiriam em 2018.
Orçamento congelado
A situação é semelhante em outras 41 universidades federais que oferecem a licenciatura para 6.052 alunos, empregando 630 professores e 84 técnicos. Tanto que está sendo debatida por um grupo de trabalho da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). As dificuldades financeiras resultam da demora nos repasses do Ministério da Educação (MEC) e do corte de 6,64% no orçamento de 2017, que representa redução de cerca de 20% no montante repassado a essas instituições.
Além disso, a emenda do teto de gastos (EC 95/2016) – primeira medida de impacto do governo de Michel Temer – fixou para 2018 o mesmo o orçamento defasado de 2017, corrigido apenas pela inflação do período. Se não houver recursos suplementares ainda neste ano, os reitores terão de suspender cursos, entre eles o de Educação do Campo.
Em 2012, O MEC publicou um edital de seleção de universidades para o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo), que contemplou 44 universidades.
Nem todas, porém, implantaram os cursos. As que o fizeram, segundo as regras dos editais, teriam financiamento extra no valor de R$ 4 mil por aluno/ano durante os três primeiros anos. As que fizeram seu primeiro vestibular em 2014 tiveram esses recursos assegurados em 2014, 2015 e 2016. Para 2017 não houve previsão desses recursos extras.
Esse valor era gerenciado pelos coordenadores dos cursos pró-reitorias de planejamento e administração, para subsidiar demandas dos cursos, como hospedagem, alimentação e deslocamento para alunos e professores e outras necessidades, como reprografia de materiais, locação de equipamentos e espaços, dentre outros.
Compromisso
Coordenador do curso da UFFS no campus Laranjeiras do Sul, o professor Vitor de Moraes defende um compromisso ético do MEC para a continuidade da política que criou o Procampo. “Não se pode começar uma política e parar no meio do caminho, e sim dar continuidade. Os cursos foram criados na perspectiva de continuidade do programa, e acreditávamos que outras políticas estariam sendo colocadas para atender essa demanda”, conta.
“Como a gente corta um curso tendo todos esses alunos? Como parar no meio do caminho e dizer para esses quase 6 mil alunos, em todo o país, que o curso vai ser extinto e que eles vão ter de parar de estudar?”, questiona Moraes.
“Não sei nem como fica essa situação do ponto de vista jurídico. Reitoria nenhuma gostaria de parar o curso, principalmente desses que estão estudando. E sim dar condições de, pelo menos, poderem concluir. O que a gente espera é por um baque”, diz o coordenador. “Vamos parar com a vida de 6 mil trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas que, finalmente, tiveram acesso a um curso universitário configurado para atender suas necessidades locais, para que possam alternar o tempo entre estudos e participação no plantio e na colheita da produção familiar”, lamenta.
Na sua avaliação, a descontinuidade da licenciatura afeta também o desenvolvimento do campo e até do país. “Ao atender estudantes pobres, assentados, da agricultura familiar, o curso dialoga com um projeto de desenvolvimento baseado na reforma agrária e na agroecologia, em que o aperfeiçoamento do policultivo orgânico voltado à alimentação saudável para todos, até para exportação, está articulado com o desenvolvimento social no campo, com a melhora as condições de vida de quem vive e produz ali.”
Diálogo
Para ele, a manutenção do curso é fundamental para o enfrentamento ao atual modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio que expulsa os camponeses para as cidades, onde não terão casa, escola, trabalho nem serviços públicos, deve ser valorizado. “Gente no campo atrapalha o agronegócio, que quer espalhar máquinas e venenos sobre a extensão de terra”, observa o professor da UFFS. “Em vez de acabar com os cursos, precisamos melhorar, incorporar programas voltados a pequenos produtores para o desenvolvimento de tecnologias de produção limpa. Propostas assim, infelizmente, não dão ibope em uma sociedade quadrada e contrariam projetos coordenados que têm como objetivo expulsar da terra os camponeses.”
Moraes, que tem experiência também como gestor de educação no Paraná, diz que nunca viu nada semelhante à ameaça de extinção da licenciatura. E questiona inclusive a sua legalidade. “Não sei como um tribunal de contas aprovaria contas de um gestor que encerra política de educação e que joga no lixo todos esses recursos que já foram aplicados.”
Ação coordenada
Para lideranças da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), a descontinuidade da licenciatura, assim como a desconfiguração do Fórum Nacional de Educação, entre outras, é mais uma ação de desmonte da educação nacional Atrelada à Emenda Constitucional (EC) 55, do teto de gastos federais.
“E como acontece com toda medida, são os trabalhadores do campo os primeiros a serem prejudicados”, diz a secretária de Políticas Sociais da entidade, Edjane Rodrigues. De acordo com ela, o tema é são preocupante que esteve entre as bandeiras defendidas nas ruas no último dia 30, dia nacional de greves e manifestaçõescontra as reformas trabalhistas e da Previdência.
Edjane conta que está sendo organizada uma audiência pública para discutir a questão com deputados e senadores. “É o futuro do campo que está em jogo; é a permanência de nossos jovens no campo, com melhores condições de vida e de produção de alimentos saudáveis. Todo jovem quer oportunidades, educação de qualidade. E deixa o campo e sua família justamente em busca disso”, destaca.
De acordo com a dirigente, a medida que muitos reitores serão obrigados a tomar segue na contramão do desenvolvimento pautado pelo acesso ao conhecimento como ferramenta para a cidadania e soberania do pais.
No entanto, Edjane acredita na força da mobilização contra o desmonte. “A realização das conferências populares de Educação é um dos caminhos para aumentar a pressão popular sobre o governo”, acredita.
As conferências populares serão realizadas pelo recém-criado Fórum Nacional Popular de Educação, a partir da renúncia coletiva dos representantes das entidades participantes, como Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Contag, contrários às mudanças feitas por Temer no Fórum Nacional de Educação. O colegiado, agora desconfigurado e sem a presença de representantes indicados pelas entidades, tinha entre as principais responsabilidades a realização da Conferência Nacional de Educação e o monitoramento da implementação do Plano Nacional de Educação, instrumentos cada vez mais enfraquecidos no governo de Michel Temer.