Nesta terça-feira, 16, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social entrou comrepresentação junto à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo contra a Revista Veja que, na edição lançada no início desta semana, enfoca a maioridade penal e atenta contra o Estatuto da Criança e do Adolescente ao permitir a identificação dos/as adolescentes expostos na matéria de capa. Além disso, o conteúdo ignora o princípio de presunção de inocência apresentando os “envolvidos” numa situação de conflito com a lei como culpados antes mesmo de serem julgados.

Logo na capa, a revista apresenta fotos embaçadas de quadro adolescentes suspeitos de terem participado de estupro e tentativa de homicídio em Castelo do Piauí, no interior do Estado. Acompanham as fotos, as iniciais dos nomes de todos eles seguidas da frase: “Eles estupraram, torturaram, desfiguraram e mataram. Vão ficar impunes?”.




No interior da publicação, as fotos e as iniciais dos nomes dos adolescentes também são apresentadas, possibilitando a fácil identificação dos mesmos. O título sugere impunidade: “Justiça só para maiores”. A chamada da matéria antecipa o julgamento e a condenação: “Os jovens que participam do estupro coletivo no Piauí que terminou na morte de uma jovem ficarão, no máximo, três anos internados. Isso é justo?”

No entendimento do Intervozes, a revista violou direitos em pelo menos dois aspectos. Primeiro, apesar da distorção nas fotos e do uso de iniciais, há clara identificação dos adolescentes que podem estar em conflito com a lei, o que é vedado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo o parágrafo único do artigo 143 da norma: “Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência”. Já o parágrafo primeiro do Artigo 247 aponta que será punido quem exibir “total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente”. O parágrafo subsequente destaca que “Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação”.

Outra violação presente nas reportagens é o julgamento antecipado. Os indivíduos envolvidos no caso que ocorreu no Piauí são tratados não como suspeitos, mas como culpados, conforme apontam os trechos citados. A Constituição Federal estabelece, no Artigo 5°, que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Já a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) estabelece, ao tratar, em seu Artigo 5, do Direito à Integridade Pessoal, que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”. Ignorando tais normas e princípios do nosso ordenamento jurídico, a matéria de VEJA julga e condena, ela própria, os adolescentes.

A publicação das matérias se dá no momento em que o Congresso Nacional discute propostas de alteração da maioridade penal, especialmente a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que teve tramitação aprovada pela Comissão de Constituição de Justiça da Câmara em março deste ano. O relatório da Comissão Especial criada para analisar a medida possivelmente será votado nesta semana. A revista trata a norma vigente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como “um dos mais lenientes conjuntos de leis do mundo destinados a lidar com menores infratores”. A mudança no ECA é apontada como “única esperança de que se chegue a uma abordagem efetiva dessa tragédia. Enquanto isso, as Daniellys continuarão a ser estupradas, mortas a pedradas, jogadas de precipícios, sob o olhar leniente da Justiça”.

Para o Intervozes, o conteúdo veiculado pela VEJA está em desacordo com dispositivos legais adotados no Brasil, além dos padrões internacionais que buscam assegurar a efetivação de tais direitos. Nesta perspectiva, o Coletivo aciona a justiça na esperança de que a Editora Abril seja responsabilizada e que a ação seja exemplar no sentido de salvaguardar o respeito aos direitos humanos nos meios de comunicação.

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