Investigação seletiva de vazamentos

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Por Marcelo Auler, em Seu blogue – 

Agentes e delegados que realizaram a Operação Carne Fraca recebem instruções para produzirem fotos e filmes para a imprensa.

Agentes e delegados que realizaram a Operação Carne Fraca recebem instruções para produzirem fotos e filmes para a imprensa.
Agentes e delegados que realizaram a Operação Carne Fraca recebem instruções para produzirem fotos e filmes para a imprensa.

Na manhã desta terça-feira (21/03), enquanto o jornalista Eduardo Guimarães sentia na pele a violação dos seus direitos constitucionais, com seus equipamentos de trabalho confiscados por uma ordem de Busca e Apreensão emitida pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba e obrigado a comparecer – coercitivamente – logo, sem opção, portanto, quase que na condição de preso ou sequestrado – à superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal de São Paulo (SR/DPF/SP) para depor, ainda que na condição de testemunha, esse Blog recebia a foto ao lado.




O curioso é que enquanto Moro manda policiais federais correrem atrás de jornalista na tentativa de descobrir um fonte dele – o que a Constituição proíbe – na sua jurisdição, a Superintendência do DPF repassou a seus agentes e delegados que executavam missões na Operação Carne Fraca, instruções para produzirem filmes (de 10 segundos) e fotos, que abasteceriam os órgãos de imprensa. Ou seja, transformaram agentes do governo, que legalmente não deveriam dar publicidade às suas ações, em produtores de jornais, canais de televisão e sites da internet, justamente de missões que,por lei e ordens judiciais, devem ser executadas se exposição dos envolvidos.

Para autorizar a busca e apreensão de equipamentos do blogueiro – os quais, submetidos à perícia, poderão sim identificar fontes do jornalista – o que , repita-se, é inconstitucional – o juiz alegou, segundo Guimarães e seu advogado, Fernando Hideo Lacerda, que a testemunha, por não ter formação jornalística, não possui o direito do sigilo de fonte. A Constituição Federal, que o magistrado deve conhecer e seguir, é clara em seu artigo 5º onde fala que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XIV – e assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

O direito maior, portanto, não é de jornalistas, blogueiros, comentaristas, escritores ou chargistas. É do brasileiro ao acesso às informações. O sigilo da fonte é apenas uma garantia – instrumento? – para o exercício desse direito, independentemente da profissão que exerça quem passa a informação. Isto ficou claro, como lembrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, de relatoria do então ministro Aires de Brito, em 2009, no Supremo Tribunal Federal (STF).

Tampouco consta do texto da Constituição Cidadã a especificidade de que para se ter direito de resguardar a fonte é preciso o diploma ou a formação de jornalista. Até porque, se constasse, já teria caducado quando o STF, em uma decisão bastante questionada, liberou geral deixando de exigir diploma para o exercício do jornalismo.

Coluna de Paula Cesarino Costa, Ombudsman da Folha.

O curioso é que este “interrogatório” se dá, como lembrou Luis Nassif na postagem A hipocrisia por trás da condução de Edu Guimarães ocorreu em um  “inquérito que apura “violação de sigilo funcional”, ou seja, um crime praticado por quem exerce função com obrigação de sigilo, caso de policiais federais, procuradores da República e juízes. Não se aplica a profissionais de imprensa”

Mas a curiosidade maior é saber, como revelou, no domingo a Ombudsman da Folha de São Paulo, Paula Cesarino Costa na coluna – Um jato de água fria -, que o vazamento das delações feitas pelos executivos da Odebrecht ocorreu em uma entrevista “coletiva em OFF”, como ela apurou na redação do jornal depois de verificar a igualdade de notícias nos diversos meios de comunicação. É dela os dois trechos abaixo:

“A surpresa foi a constatação de que a cobertura dos principais órgãos de comunicação _ impressos, televisivos e eletrônicos_ trazia versões inacreditavelmente harmoniosas umas com as outras. Um jato de água fria em quem acredita na independência da imprensa.

Das dezenas de envolvidos na investigação, vazaram para os jornalistas os mesmos 16 nomes de políticos _ cinco ministros do atual governo, os presidentes da Câmara e do Senado, cinco senadores, dois ex-presidentes e dois ex-ministros. Eles estavam nas manchetes dos telejornais, das rádios, dos portais de internet e nas páginas da Folha e dos seus concorrentes _”O Estado de S. Paulo”, “O Globo” e “Valor”.”

É, como classificou Arnaldo César, no artigo Escracho geral, o “escracho” generalizado. Dos jornalistas e dos procuradores.

Ambos, querendo ou não, esculhambam o Judiciário, ao vazarem, em conluio, em OFF,  informações que continuam sob segredo e que só chegam ao público em forma sempre bem seletivas. Mas também trapaceiam os leitores, que não sabem que tudo é resultado de um jogo de carta marcada. Vazam exatamente o que querem, sem qualquer esforço dos repórteres e sem que o Judiciário se manifeste ou tome providências.

reinaldo azevedo & Aragão2Censura na Veja – No caso da Operação Carne Fraca, Moro pode até sustentar que não estava sob seu comando, mas do juiz titular da 14ª Vara Federal, Marcos Josegrei. Seria um bom argumento se isto tudo não fosse resultado, como é, de todas as mais de 30 fases da Operação Lava Jato. Foi nela que introduziram, como o blog noticiou incontáveis vezes, a prática de jogar para a plateia, conquistar a opinião publica – normalmente através da divulgação maciça pela chamada opinião publicada – e aproveitar-se dela para pressionar desembargadores, ministros e demais autoridades a favor das decisões de primeiro grau, ainda que estas extrapolem.

O vazamento das delações da Odebrecht acabaram criticados até por antigos aliados da Força Tarefa da Lava Jato, como o ultradireitista Reinaldo Azevedo, em sua coluna na Veja on line, na segunda-feira (20/03). Para ele, ““Coletiva em off” concedida por procuradores-vazadores, espetáculo grotesco da PF e laivo populista de juiz indicam o óbvio: estão todos fazendo política”. Foi tão surpreendente que levou o ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, fazer um comentário na página, dando “boas vindas” ao “me clube, ainda que com atraso”. Mas, não deixou de dar sua estocada:

“Fico feliz de ver que o filho pródigo à casa retorna, ainda que seu aprendizado tenha sido tortuoso. Só que diferente de você tenho dito que um procedimento de investigação fascista é sempre fascista, independentemente de quem é investigado. Já seu retorno à casa do Pai tem um cheirinho de oportunismo seletivo, né?”

Postou a primeira, às 10h01, de segunda-feira (20/03), mas como o comentário desapareceu, insistiu novamente como mostra a foto ao lado. Sua manifestação, porém, voltou a sumir. Censura?

solidariedade a Eduardo GuimarãesSem intimação – Depois de ser visitado em sua casa, às 06h00, onde fizeram a busca e apreensão de equipamentos eletrônicos dele e de sua esposa, e ser levado coercitivamente para prestar depoimento na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo, o blogueiro Eduardo Guimarães foi liberado por volta de 11h30. Ele foi “conduzido coercitivamente” mas, em momento algum, pelo que se notou na entrevista que deu ao sair da Polícia Federal aos Jornalistas Livres, houve a possibilidade de deixar de comparecer.

Ou seja, iria por bem ou por mal. Teve o direito de ir e vir restrito. Isso se assemelha a uma prisão, mesmo diante de um mandado judicial. Ou a um sequestro, como preferirem. O absurdo, típico de um regime de exceção, repercutiu e levou o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva telefonar se solidarizando assim como a ex-presidente Dilma Rousseff divulgar nota criticando (veja ao lado).

Ao contrário do que divulgamos, nos baseando em outras publicações, pelo que desde já pedimos desculpas, ele não foi impedido de avisar o advogado da presença da polícia. Mas, começaram o interrogatório antes mesmo da presença do advogado. Guimarães diz que foi bem tratado e que tudo foi feito com civilidade, embora, no seu  entendimento, os dois mandados judiciais – de busca e apreensão e de condução coercitiva – sejam ilegais.

Ele não chegou a ser intimado para este interrogatório de hoje.A intimação a que nos referimos na postagem O estado de exceção: blogueiro preso, ocorrida em fevereiro, foi para uma investigação a partir de representação da Associação dos Juízes Federais do Paraná, por notas que ele deu criticando Sérgio Moro. O que faz com que Moro passe a ter interesse no caso e, no mínimo, deveria se declarar impedido de continuar conduzindo a investigação do vazamento da notícia da condução coercitiva e quebra de sigilo que Lula sofreu em março de 2016 e que Guimarães divulgou com antecedência.

Como lembrou mais uma vez Nassif, em novo artigo – Com o caso Eduardo Guimarães, Moro atravessa o Rubicão – Moro conseguiu se valer de seu poder de juiz para cometer uma arbitrariedade, com o agravante de agir de forma triplamente ilegal: decretar a condução coercitiva de quem não se negou a depor; obrigar uma pessoa a abrir mão de seu sigilo de fonte e agir contra uma pessoa com quem mantém uma disputa jurídica“.

Como Guimarães nem foi intimado para prestar o depoimento desta terça-feira, volta-se ao desrespeito aos Códigos de Processo que preveem a intimação da testemunha, por duas vezes, e só depois de duas recusas, a possibilidade da condução coercitiva. Nada disso aconteceu. Sem falar no fato de que a intimação também pode ser encarada como intimidação, uma vez que ele tinha o direito de nada falar e, mais ainda, nada do que falou acrescentou algo à investigação. Até porque, segundo ele, a polícia já sabe quem lhe passou a informação, pessoa que Guimarães diz desconhecer.

Repúdio generalizado – Na manhã desta terça-feira, ao comparecer perante o juiz Moro para prestar depoimento na qualidade de testemunha no processo movido contra o ex-ministro Antonio Palocci, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) registrou seu protesto junto ao juiz com relação ao episódio de Guimarães, conforme noticiou o JornalGGN em Condução coercitiva de blogueiro é um “precedente grave” contra a liberdade de imprensa.

Acho grave [a condução coercitiva]. O Eduardo Guimarães tem um blog e exerce o papel de informar os seus seguidores. E aí Moro me disse: ‘Mas ele não é jornalista’. E eu disse: ‘Doutor Sergio, o fato de ele não ser jornalista não o impede de exercer jornalismo. O Brasil não exige formação específica para ser jornalista. Acho grave que o que está sendo investigado é a fonte de Guimarães, que teria divulgado a condução coercitiva do ex-presidente Lula.

No final da tarde, a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e o Sindicatos dos Jornalistas de São Paulo emitiram nota de repúdio à condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania. As entidades protestam contra a invasão da casa de Edu, bem como a apreensão de equipamento de trabalho, e sua condução à Superintendência da PF na Lapa. Foi, segundo as entidades, mais uma demonstração de arbitrariedade e violação de direitos inspiradas na ditadura militar, tentar fazer com que Edu Guimarães entregasse a fonte de informação que soltou em seu blog. Fere direitos, fere Constituição, fere trabalho do blogueiro e o direito da população à informação.

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