Calor, tempestades de areia e taxas de câncer estão em alta no país árabe. Relatório alerta: atividade predatória das multinacionais do petróleo – que poluem solo, águas e ares – está na raiz dos problemas sociais e climáticos
Por Peoples Health Dispatch, compartilhado de Outras Palavras
Na foto: Gas flaring no Iraque. Créditos: BBC News Arabic
Por Ana Vračar, para o People´s Health Dispatch | Tradução: Guilherme Arruda
Com a chegada de mais uma onda de calor ao Oriente Médio no início de agosto, a temperatura de Bagdá, no Iraque, alcançou a marca de 51º C. “Até para uma pessoa como eu, que tem ar condicionado, foi insuportável. Imagine para os que sofrem com algum problema de saúde ou estão em uma situação econômica vulnerável”, disse Muntather Hassan, dentista da Associação Iraquiana Al-Amal, ao refletir sobre os efeitos das mudanças climáticas na saúde dos iraquianos.
Hassan é o autor de um relatório sobre o direito à saúde no Iraque produzido para a edição deste ano do Arab Watch Report. Para além dos desafios enfrentados pelos serviços de saúde no país, ele se dedicou a cobrir os problemas generalizados de poluição atmosférica e de acesso a comida e água seguras no Iraque – todas questões que podem ser associadas à crise climática.
O Iraque está em quinto lugar em uma lista de países mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, publicada em 2019 pela Organização das Nações Unidas. O fenômeno afeta milhões de pessoas todos os dias. Formalmente, o governo reconhece as mudanças climáticas como um problema para o povo iraquiano, mas Hassan explica que o método de busca de soluções é algo ingênuo, assim como se vê em outros países. “Há um pensamento mecânico, linear, que diz que se há tempestades de areia e ondas de calor, basta plantar mais árvores e tudo ficará resolvido”, ele conta.
A realidade é muito mais complexa que isso, e os efeitos das mudanças climáticas se interseccionam com diversos outros aspectos da vida das pessoas. No caso da poluição e das tempestades de areia, por exemplo, as mulheres são mais afetadas que os homens. “Quando discutimos as tempestades de areia, estamos também discutindo desigualdade de gênero, porque são as mulheres que cuidam da casa e das crianças. Quando uma tempestade ocorre, além de cuidar de todos e ficarem expostas à areia, são elas que limpam a casa depois de tudo”, denuncia Hassan.
Mesmo quando são eventos isolados, as tempestades de areia são um dos principais desafios à saúde do Iraque, pois podem levar a problemas respiratórios graves. Como explica o relatório de Hassan, 11 tempestades de areia atingiram o país em um período de dois meses em 2022, o que levou milhares de pessoas a buscarem assistência médica para crises respiratórias.
A multiplicação dos eventos climáticos extremos também acelerou o êxodo rural. Depois da invasão americana de 2003, a população rural do Iraque encolheu significativamente, com a busca por empregos no setor público (em especial nos setores militares e de segurança) levando os iraquianos a migrar para as cidades. Ainda que esse fluxo cidade-campo seja associado aos efeitos das mudanças climáticas, a guerra também deve ser considerada um fator importante.
Grande parte do setor agrícola do Iraque ainda recorre a antigas técnicas de agricultura que exigem muita água para serem aplicadas, o que amplia a escassez em áreas já sob risco de falta do recurso, no sul do país. De acordo com Hassan, esse fato tem grandes efeitos na segurança alimentar e na saúde. O declínio da população rural também traz riscos à segurança alimentar, já que o Iraque está se tornando mais dependente de importações.
Os efeitos dessa situação sobre o sistema alimentar local já trouxeram consequências negativas à saúde dos iraquianos. Hassan aponta que há um alto número de diagnósticos de intoxicação nas cidades do sul do Iraque associados à qualidade da comida e à disponibilidade de água.
Além disso, os já escassos recursos do Iraque estão sendo esgotados por multinacionais do petróleo como a British Petroleum e a Total, que operam no país. A presença de grandes petroleiras nas imediações da cidade de Basra está intimamente associada às altas taxas de câncer na região, causadas pelo gas flaring – a queima do excesso de gás metano gerada pela extração de petróleo.
A ligação entre a atividade petrolífera dessas empresas e as taxas de câncer já foi reconhecida pelo governo, mas nenhuma medida séria foi tomada até agora. Até que isso aconteça, as petroleiras continuarão explorando os recursos naturais do Iraque e multiplicando os efeitos negativos à saúde dos iraquianos.
“Quando eles extraem o petróleo, acabam precisando preencher o solo com água”, explica Hassan. “Por muitos anos, eles usaram a água potável do Rio Eufrates. Só neste ano é que eles começaram a usar água marinha. Ou seja, enquanto vivemos a escassez, as empresas usam a água para atividades não-essenciais”, ele lamenta.