Algo grave aconteceu depois que Maria das Graças visitou o irmão três vezes. Seria a luta dela para tirá-lo do presídio e levá-lo a um hospital?
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Na foto: Adélio, a irmã, Bolsonaro e o bilhete estranho (Foto: Reprodução | Joaquim de Carvalho
Há cinco meses, a dona de casa Maria das Graças Ramos de Oliveira tenta, mas não consegue visitar o irmão Adélio, que se encontra no Presídio Federal de Campo Grande há quase cinco anos, desde aquele evento que envolveu Bolsonaro e mudou a história do Brasil.
Segundo decisão judicial, Bolsonaro recebeu uma facada no abdômen desferida por Adélio quando fazia campanha eleitoral de Juiz de Fora, no dia 6 de setembro de 2018. Foi internado na Santa Casa de Misericórdia da cidade e depois transferido para o hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Depois de insistirem em pelo menos em três oportunidades, os advogados de Maria das Graças conseguiram na semana passada a resposta formal do presídio sobre a razão das visitas não estarem sendo realizadas.
Segundo Carla dos Santos, chefe da Divisão de Reabilitação do presídio, Adélio é que se recusou a receber a visita da irmã. A servidora juntou um termo que teria sido redigido de próprio punho por Adélio, em 19 de maio deste ano.
“Não desejo mais receber visita de Maria das Graças de Olveira”, diz o termo. A sequência da frase não está inteligível. Na frase parece haver as palavras “interdição”, “minha pessoa”, “ok” e “by”.
A caligrafia lembra a de uma carta que Adélio enviou a um parente de nome Madson, em 2019, mas está muito desalinhada e sem capricho algum, o que despertou na advogada Edna Teixeira a desconfiança de que, se foi ele mesmo que escreveu, parecia estar pouco à vontade.
O que mais surpreende, no entanto, é o conteúdo, não a forma da redação. Depois que visitou presencialmente Adélio, em 30 de março deste ano, Maria das Graças demonstrou muita alegria ao ouvir do irmão que poderia dar sequência ao processo para conseguir a interdição dele e, em consequência, a curatela.
Adélio tinha sido diagnosticado incapaz em dois laudos realizados por ordem da Justiça Federal. Um de 2019 e outro de 2022. Por isso, não foi condenado à pena de prisão. O juiz Bruno Savino, da 3a. Vara Federal de Juiz de Fora, determinou que ele passasse a cumprir medida de segurança.
Como é um caso de saúde mental, deveria cumprir a medida em hospital psiquiátrico, mas foi levado para um presídio federal a quase 1.400 quilômetros da cidade onde nasceu e onde mora sua família, Montes Claros.
No presídio federal, todo preso passa 22 horas em cela isolada e cumpre o chamado regime disciplinar diferenciado, criado para líderes de facção criminosa condenados.
Maria das Graças, que ele chama de Lia, foi a primeira pessoa da família que Adélio viu em quatro anos e meio. Como o presídio é de segurança máxima, havia um vidro que os separava e a conversa se deu por telefone.
Antes disso, Maria das Graças tinha falado com Adélio duas vezes através de um monitor da Defensoria Pública da União em Montes Claros. Conversas carregadas de afeto, como ela contou. Nada comparável à emoção da visita presencial.
Segundo ela disse logo depois de deixar o presídio, Adélio até chorou. Eu a levei a Campo Grande e a aguardava no portão do presídio, para fazer a reportagem. Maria das Graças saiu de lá e foi conversar com a juíza Cíntia Letteriello, da 2a. Vara de Família e Sucessões, onde corre o processo de interdição de Adélio movido por ela.
Na entrada do fórum, perguntei a Maria das Graças qual era a sua expectativa. “Eu espero que nós consiga alguma coisa porque, nós, talvez falando com a juíza, é melhor do que ir no presídio. Então, só de eu saber que estou falando com a juíza e ela poder me ajudar nisso, porque a esperança que eu tenho é tirar o meu irmão daquele lugar. Não só um irmão, um filho, né? Porque ele é o meu filho também”, disse, com um largo sorriso.
Maria das Graças é cinco anos mais velha que Adélio Bispo e os dois ficaram órfãos de mãe quando ele tinha treze anos. “O Adélio ficou morando com a gente (Maria das Graças já era casada), e eu ajudei a criar ele. Depois o Adélio caiu no mundo, trabalhou em muitos lugares e até levou eu, meu marido e meus filhos para uma das cidades (em) que ele trabalhou (Uberaba). Moramos juntos outra vez”, contou.
Depois de se encontrar com a juíza, com seus advogados acompanhando a audiência pelo computador, Maria das Graças afirmou:
“Ela (a juíza Cíntia Letteriello) conversou sobre o que era mesmo que eu queria. Eu falei com ela que estive com o Adélio, e conversei com ele, e ele quer que eu pegue a curatela, dizendo que ele assina, que não é a primeira vez que ele pede para mim isso. Eu estou a fim de pegar a curatela dele, né? Eu conversei com a juíza. E ela disse que tem que ver, estudar o caso dele.
Ela falou o que vai fazer? – perguntei.
“É tipo novos exames, né? Para ver se ele é incapaz ou não”.
Dezoito dias depois, em 17 de abril, a juíza esteve com Adélio no presídio, sem a presença de Maria das Graças ou dos advogados dela, e ali mesmo decidiu negar a curatela à irmã. Reduziu a termo o que seria a entrevista com Adélio e concedeu a curatela a um defensor público do Estado – um estranho, portanto.
Os advogados Edna Teixeira e Alfredo Marques protestaram e, em manifestação por escrito, disseram à juíza que não foram devidamente intimados, o que pode tornar o ato da juíza nulo. Procurei Cíntia Letteriello pelo WhatsApp oficial da Vara, fornecido pelo cartório, e a resposta que obtive foram letras sem nexo: “Dusahsudejefisnedjxje”.
Cíntia Letteriello já tinha aparecido no noticiário pelo menos duas vezes. Em uma, por ter dito em audiência gravada que um advogado deveria se “catar”. Em outra, ao lado de um dirigente da Associação de Magistrados de Mato Grosso do Sul, durante protesto em frente ao fórum, em 2016, no dia em que Dilma Rousseff decidiu nomear Lula ministro da Casa Civil.
Os advogados de Maria das Graças até agora não tiveram acesso ao vídeo da audiência realizada pela juíza com Adélio. “Talvez a audiência nem tenha sido gravada, o que torna o caso ainda mais grave”, afirmou Edna Teixeira. No processo, não há vídeo referente à audiência.
A recusa de Adélio de receber a irmã se choca com a reclamação que ele fez, em 2020, ao Mecanismo de Prevenção à Tortura, grupo criado no Brasil por exigência da ONU depois de denúncias comprovadas de violação de direitos humanos em estabelecimentos penitenciários.
O Mecanismo esteve no Presídio Federal de Campo Grande numa fiscalização de rotina e descobriu por acaso que Adélio estava lá.
“Sabe qual foi a primeira coisa que ele nos disse? E eu estou querendo que provem o contrário. Ele, num lapso de lucidez, porque ele é visivelmente insano, mas, num lapso de lucidez, ele registrou uma coisa importantíssima. Ele disse o seguinte: ‘Quem é você? Quem é você? Quem é você?’. Nós nos apresentamos. ‘Vocês são as primeiras autoridades que vêm me visitar e eu estou há quase dois anos preso”, recordou José de Ribamar de Araújo e Silva, que é perito do Mecanismo.
Ribamar ficou espantado. “Gente, um crime de repercussão internacional. Quem mandou ele para lá não está visitando ele. Por que nós chegamos até ele? Chegamos procurando Adélio? Não, não. Nós nunca chegamos. Nós não queremos nem saber. Aliás, eu visitei outros presidiários que, se eu tivesse mais fetiche de conhecer, e não fui procurar. A gente não chega procurando a pessoa. A gente não quer nem saber que crime a pessoa cometeu. Ela que declina às vezes. No caso dele, todos os lugares onde nós andamos diziam: ‘Ah, vocês são da tortura, é? Ah, são dos direitos humanos?’, é assim que eles nos identificam. Vocês têm que ouvir o Adélio, ele é que está passando tortura aqui. Aí que nós requisitamos. Porque temos o poder de requisição. Requisitamos para entrevistá-lo. A primeira observação que ele fez foi isso: Quem paga o advogado dele? Ele não sabe… Quem fez o laudo de insanidade mental dele? Ele não sabe… “
As declarações do perito foram dadas ao ativista de direitos humanos Maconi Burum, durante uma live em novembro de 2021. Burum perguntou se Adélio havia reclamado de maus tratos.
“A incomunicabilidade é uma denúncia forte que todos eles fazem. Lembre-se que não chegamos lá perguntando sobre a prisão dele, nós não entramos no processo dele. Mas a incomunicabilidade é, inclusive, um vetor de tortura. Ele reclama, e isso eu posso publicar, que ele tem três irmãos, que são muito unidos, e misteriosamente esses irmãos nunca foram visitá-lo. Nunca quiseram? Nunca foram notificados? Nunca foi oportunizado? Não posso lhe responder, não tenho essa informação. Ele tem um sobrinho, que ele criou como filho, e esse sobrinho nunca visitou ele também. E ele reclama. É a maior reclamação dele.”
Ribamar ainda comenta: “Se está comprovada a insanidade mental, por que ele está no regime de segurança máxima do Sistema Penitenciário Federal, que foi feito para conter facções e não para absorver esse tipo de pessoa? Não sou eu que tenho de responder. Essa pergunta eu deixo”.
Ribamar ainda falou sobre os danos que o regime disciplinar diferenciado pode causar à saúde mental dos presos. Eles passam quase 24 horas trancados em uma cela isolada, quase sem nada. “Até os livros são cronometrados”, diz. “Qualquer pessoa numa condição como essa está visivelmente impactada. Eu entrevistei uma pessoa com visível transtorno mental. Era anterior? não posso afirmar. O laudo diz que ele tem transtorno mental.”
Por que Adélio está lá então e não em tratamento de saúde, como recomendam os médicos?
Por que a juíza Cíntia Letteriello negou a curatela provisória à irmã?
Por que Adélio, sendo incapaz, é levado a redigir um termo em que declara não querer a visita da irmã?
O perito do Mecanismo de Prevenção à Tortura disse que os irmãos eram muito unidos, a partir do relato do próprio Adélio. Então, o que aconteceu para Adélio não querer mais a visita da irmã justamente depois da visita presencial e da entrevista com a juíza Cíntia Letteriello?
São perguntas que precisam de respostas, mas o Estado, e nele se inclui o governo federal, não parece interessado em buscá-las.
O termo em que Adélio se recusa a receber a irmã foi enviado pelo diretor do Presídio Federal de Campo Grande, Bruno Araújo Lobo, ao Ministério Público Federal e ao juiz corregedor, Luiz Augusto Iamassaki Fiorentini. Até onde se sabe, não houve resposta.
Depois de 19 de maio, Maria das Graças fez mais duas solicitações de visita, no caso online, diretamente de Montes Claros, em razão do custo. As duas foram negadas.
Por que quase todas as autoridades querem manter Adélio longe da família e isolado?