Isonomia seletiva

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Por Sérgio Saraiva, Oficina de Concertos Gerais e Poesia – 

Da ética seletiva à isonomia seletiva – a senda orwelliana da Folha de São Paulo.

A Folha de São Paulo, em editorial de 24 de junho de 2016, saúda as prisões de um ex-ministro e de um atual secretário municipal de governos petistas e as ações de busca e apreensão pela Polícia Federal na residência de uma senadora do PT e na sede desse partido como sendo uma resposta à altura dada a Eliseu Padilha, ministro do governo golpista do PMDB.




isonomia seletiva

Eliseu Padilha havia se pronunciado a favor de que a Operação Lava Jato tivesse um final.

“Em vez de declinar, o ímpeto da Lava Jato começa a ter reflexos em outras ações policiais, externas ao âmbito da chamada “República de Curitiba”. Partiu de São Paulo, numa operação intitulada Custo Brasil…”.

Claro, a Folha não descuida de no editorial, de alguma forma, citar nominalmente Lula, Dilma e Haddad para garantir que sejam envolvidos no caso, nem que seja no imaginário dos leitores.

No entanto, o Ministério Público Federal processa Padilha buscando a devolução de R$ 300 mil em uma ação de improbidade administrativa, Padilha é ministro de Michel Temer, mas isso a Folha esqueceu-se de citar.

Ademais, interessante que ações contra o PT sejam elencadas como resposta a um integrante do PMDB.

Menos ainda parece ter causado espécie a Folha a autorização dada por um juiz de primeira instância para que agentes da Polícia Federal varejassem a casa de uma senadora da República. Até aonde sei, só a Suprema Corte poderia dar tal autorização.

A ação do juiz de São Paulo foi no mínimo imprudente, se pretendeu que apenas o marido da senadora sofresse a ação executada na casa que é do casal. O silêncio do STF em relação a tal feito, então, é escandaloso. Onde estão os ministros a bradar contra o Estado policial? A Folha não se pergunta.

Tampouco causou espécie a Folha que a ação contra o PT ocorra, providencialmente, no momento em que ministros de Temer caiam associados a denúncias de corrupção. Denúncias que envolvem o próprio interino. E que não seja de pasmar que a ação contra o PT se dê logo após uma reunião do ministro da Justiça de Temer – PMDB, ex-secretário de Alckmin – PSDB, com os próceres da “República de Curitiba”.

Reunião fora da agenda do ministro e aparentemente sem motivo relacionado à gestão do seu ministério. O ministro, segundo o UOL notícias, teria feito “uma visita de apoio às equipes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal que trabalham na Operação Lava Jato” e também aproveitado o ensejo para confraternizar com o juiz Moro.

Cortina de fumaça é termo que a Folha desconhece. Politização do Judiciário e instrumentalização da Polícia Federal contra adversários políticos então…

De repente, em um lance de prestidigitação do editorial, a queixa de Padilha do PMDB de Temer torna-se a queixa do PT.

“Repetida em nota oficial, a habitual alegação de que está em curso uma tentativa de criminalizar o PT fica menos convincente do que nunca”.

E a Folha passa a elencar uma série de ações que provariam o caráter “republicano” do combate à corrupção:

1 – Eduardo Cunha é réu novamente no STF. Nenhuma citação a que isso ocorra somente após o deputado ter comandado, como comandou, na Câmara dos Deputados, a aceitação do impeachment da presidente Dilma.

2 – A apuração sobre as suspeitas de que a campanha de Eduardo Campos, já falecido, para presidente beneficiou-se de corrupção. Nenhuma citação a Marina Silva, ela sim a candidata de facto, ou sobre o que teria ocorrido se tal investigação tivesse sido tempestiva e ocorrido já em 2014, no decorrer da campanha.

3 – O PSDB não estaria imune, e a Folha cita o caso do suborno a Sergio Guerra, também já falecido, para abafar a CPI da Petrobras em 2009. O senador Álvaro Dias, tão vivo quanto Marina, foi par de Guerra, escapou à lembrança da Folha.

Citar o nome de quem já não mais está aqui para se defender é no mínimo deselegante. E inútil já que não podem mais ser alcançados por seus atos.

4 – Mas a Folha se lembra de pelo menos um ser vivo do PSDB e menciona “as diversas vezes em que o nome do senador Aécio Neves aparece em delações premiadas”. Esquece que, mais do que isso, Aécio é investigado. A contragosto do ministro do STF que cuida do caso, mas ainda assim, ser investigado é mais do que ter o nome citado.

Neste caso, dar ênfase ao poder persecutório das ações contra a corrupção deve ter parecido inadequado a Folha. Reforçaria sua tese da isenção do Judiciário, mas preferiu abrir mão. Entende-se, é sempre sensível falar-se de colaborador. Aécio é colunista da Folha.

A última vez que soube de Aécio ter passado por constragimentos não foi com a Justiça, mas em uma praia do Leblon.

A Folha poderia lembrar-se dos ex-presidentes José Sarney e Collor. Todos envolvidos nas denúncias da Lava-Jato. Sarney sofreu um pedido de prisão, Collor uma ação de apreensão de bens. Sarney está e sempre esteve solto e os bens apreendidos já foram devolvidos a Collor.

E já que as denúncias retroagiram ao ponto inicial da Nova República, por que não lembrar também de FHC?

As doações pedidas e recebidas em Palácio ao fim do mandato. Suas fazendas e apartamentos em Higienópolis e em Paris. A Petrobras de Pedro Barusco em 1998. Os negócios de seu filho do primeiro casamento poderiam ser analisados para dirimirem-se dúvidas quanto as suas legitimidade e legalidade. Os dos filhos do ex-presidente Lula o são. Os do filho de FHC, por que não? Saborosas, se não picantes, poderiam ser as investigações sobre quem pagava a pensão alimentícia do filho com a amante. Pensão em dólares remetidos à Espanha. A de Renan Calheiros redeu capa da Playboy. Somente uma citação, obvio está que o tempo já passou para tanto em relação à de FHC.

Creio que dos presidentes pós-redemocratização, só restaram a salvos Itamar Franco, este já falecido e casos sobre calcinhas e sua falta deixados à parte, e a presidente Dilma Rousseff. Contra eles não pesa nenhuma uma acusação de corrupção. Mas Dilma está em via de sofrer impeachment por improbidade administrativa, vejam vocês e Folha

Ainda assim,  enfim, até aqui, nenhuma novidade.

Tais esquecimentos da Folha dever-se-iam à prática já conhecida de uma patológica ética seletiva. Tão somente.

Porém, quanto à propalada isonomia das ações da Polícia Federal e do Judiciário, caberia perguntar quem, além dos do PT, sofre medidas coercitivas e prisão preventiva por tempo indeterminado?

Quem é investigado e continua em liberdade, quem é primeiramente preso e então investigado?

Não, os camburões e as masmorras continuam reservados apenas aos quatro “Pês” – putas, pretos e pobres, e os da “República de Curitiba” e seus enclaves ao 4º P da danação – os petistas.

Orwell já nos havia ensinado que, embora todos os animais sejam iguais, alguns animais são mais iguais.

Agora a Folha inova e quer nos fazer crer que, embora a Lava Jato desvele ”práticas generalizadas de assalto a cofres públicos perpetradas por políticos de todos os matizes” nada há de errado quando alguns são menos matizados que outros em relação aos seus rigores.

Não deixa de ser orwelliano, mas trata-se não mais de ética e sim de isonomia seletiva.

Isonomia seletiva que é mais própria à outra obra. Àquela que discorre sobre o “Ministério da Verdade”. Nela, deixa-se claro: “ignorância é força”.

A Folha sem dúvida sabe disso.

PS: esta Oficina não tem corrupto favorito. Logo, espera que, assim como propôs um dia Rodrigo Janot, o pau que dê em Chico, dê também em Francisco. E mais, que a justiça possa ser feita sem que o pau dê em ninguém. Quanto mais que o pau dê em um e não em outro.

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