Coleta porta a porta já atinge 100% dos habitantes de Milão e reciclagem se aproxima dos 80% no país
Por Janaína Cesar, compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: Enzo Favoino, presidente do Comitê Científico Zero Waste Europe. Foto Reprodução do Facebook
Às terças e sextas, recolhem o lixo orgânico na porta das casas, o plástico a cada 15 dias, o papel, 1 vez por semana assim como o vidro, já o lixo seco (aquele que não se recicla) é recolhido 20 vezes no ano, se passar dessa cota, vai encarecer o boleto. Assim funciona a gestão do lixo em Bassano del Grappa, uma pequena da região do Vêneto, na Itália. O calendário da coleta não é o mesmo em todo o país, as cidades são autônomas na gestão do próprio lixo. Mas uma coisa é certa, é melhor mantê-lo por perto para evitar erros, porque, neste caso, será necessário esperar a próxima data para se liberar do próprio lixo.
Quando falamos em resíduos urbanos encontramos a Alemanha disparada na frente. Mas mesmo nesse quesito, a Itália não está tão mal quanto se pensa, pois é o quinto país do mundo em reciclagem urbana. Ninguém sabe porque nos consideram feios, sujos e malvados, mas estamos ao lado da Suiça com 50% de resíduos urbanos reciclados. No ano passado a média nacional foi de 52,5%
A coleta diferenciada é realizada em quase todo o país. Mas, segundo a associação Zero Waste Italy, existem 271 cidades que são exemplos por terem adotado o modelo lixo zero. O quê, concretamente, significa haver coleta porta-a-porta e 6 milhões de pessoas que todos os dias separam o lixo orgânico, o plástico, o papel, o vidro e o lixo seco. O número comprova que o “modelo italiano” que une coleta seletiva porta-a-porta ao uso de saquinhos compostáveis para a reciclagem de lixo orgânico funciona e pode ser aplicado em metrópoles como Milão. A cidade virou exemplo mundial e o modelo italiano começou a ser introduzido em outras metrópoles como Nova Iorque e Barcelona. Além disso, 400 cidades espalhadas pela Europa são consideradas lixo zero e quem fornece os dados é o braço europeu da Zero Waste Italy.
No final de 2017 o Serviço de Estatística da União Européia (Eurostat) publicou um relatório que mostra a Itália como o país europeu com a maior porcentagem de reciclagem em todos os tipos de resíduos somados, tanto urbanos, que são aqueles gerados por cidadãos, quanto industriais. O país reciclou 76 9% dos resíduos, mais do que o dobro da média europeia que foi de 37%. Os grandes países do Velho Continente ficaram para traz: a França, atingiu 54%, o Reino Unido, 44% e a Alemanha, 43%.
No quesito de reciclo de resíduos urbanos, o país recicla hoje 50% do seu lixo. Seguindo esses passos, a Itália parece estar no caminho certo para se enquadrar na rigorosa meta estabelecida pelo Parlamento Europeu que é de reciclar, entre 2030, 70% dos resíduos urbanos e 80% dos resíduos de embalagens, deixando apenas 5% do material descartado em aterros sanitários. Mas nem sempre foi assim. Por anos o problema do lixo em cidades como Nápoles ocupou as principais manchetes internacionais. O país, inclusive, foi multado duas vezes pela União Europeia e já pagou 285 milhões de milhões de euros à Bruxelas pela má administração do lixo na região da Campânia e o uso abusivo de lixões que ainda não foram fechados.
O #Colabora conversou com Enzo Favoino, presidente do Comitê Científico Zero Waste Europe e pesquisador na Escola Agrícola do Parque de Monza. No final da entrevista concedida por telefone enquanto viajava de trem para participar a um encontro sobre lixo reciclável, Enzo deixou escapar uma ótima notícia para os paulistas: técnicos que trabalharam com ele na implementação da coleta porta-a-porta em Milão estiveram em São Paulo algumas vezes e um projeto piloto estaria sendo desenvolvido para a cidade. Como será feito, quando e onde são perguntas que ele não soube responder pois não está diretamente envolvido.
#Colabora: Segundo dados da Eurostat, Itália é o país que mais recicla na Europa, mas não era a Alemanha?
Enzo: De fato essa pesquisa soma o reciclo de todos os resíduos incluindo o industrial. Quando falamos em resíduos urbanos encontramos a Alemanha disparada na frente. Mas mesmo nesse quesito, a Itália não está tão mal quanto se pensa, pois é o quinto país do mundo em reciclagem urbana. Ninguém sabe porque nos consideram feios, sujos e malvados, mas estamos ao lado da Suiça com 50% de resíduos urbanos reciclados. No ano passado a média nacional foi de 52,5%.
#Colabora: Mas se os dados são favoráveis ao país como um todo, não se pode dizer o mesmo quando analisamos a disparidade entre as regiões.
Enzo: Sim, é verdade. O problema da Itália é a grande desigualdade entre as regiões e não é apenas relativa a questão norte e sul do país. Por exemplo, temos a região da Ligúria com 35% de lixo urbano reciclado e a Sicília com apenas 20%. No entanto a Sardenha já atinge 65% e o Vêneto, 75%, sendo considerada a região na Europa que mais recicla. No Vêneto se encontra a província de Treviso que chega a atingir 86% de resíduos reciclados, o que garante o primeiro lugar entre as províncias europeias que mais reciclam.
#Colabora: Para o senhor essa diferença entre as regiões pode ter alguma ligação com a Máfia, já que em algumas cidades ela mantém o monopólio do gerenciamento da coleta e reciclagem dos resíduos urbanos?
Enzo: Não somente por isso, porque temos exemplos na própria região da Campânia onde a Camorra atua que contradizem essa versão, como as províncias de Avelino, Salerno e Benevento que reciclam de 65 a 70%. Por outro lado, encontramos Nápoles e Caserta que estão muito atrasados. Na verdade, tudo depende do modelo operacional adotado. No fundo, a certeza que temos é que onde há a coleta porta-a-porta e a separação do orgânico úmido e compostável, a taxa de coleta é muito alta, especialmente a coleta de lixo orgânico.
#Colabora: Então é esse o modelo italiano de gestão do lixo reciclável?
Enzo: Esta é uma grande característica do sistema italiano, a coleta porta-a-porta também é feita em outros países como a Dinamarca, Holanda, Bélgica, mas nós recolhemos mais e melhor porque temos algumas peculiaridades no nosso sistema de coleta, tais como o uso de saquinhos compostáveis. Com eles, as pessoas se sentem mais envolvidas em participar. A Alemanha e a Holanda, por exemplo, não usam saquinhos compostáveis. A Alemanha tem todo o mérito porque foi a primeira a começar com a coleta diferenciada em 1985. A Itália a introduziu somente 1993. Se os alemães tivessem visto antes o modelo italiano, talvez até o adotariam, mas o país já tem seu modelo consolidado. O modelo italiano está sendo adotado em muitos países da Europa: Espanha, Reino Unido, Dinamarca e Noruega só para te dar um exemplo.
#Colabora: Existe uma ligação entre as cidades onde há um incinerador ou usina de lixo para energia e a porcentagem de resíduos reciclados?
Enzo: Nessas cidades o número tende a ser menor. Por exemplo, na Lombardia, as duas províncias que têm a menor taxa de coleta referenciada são Brescia e Pavia, isso porque elas têm maior capacidade de incineração. Nesse caso, não há incentivos para reduzir o lixo. Mas temos que fazer uma análise mais articulada porque em Milão, por exemplo, mesmo com a existência de um incinerador, o sistema de reciclagem funciona muito bem. Milão hoje é a maior cidade do mundo, onde a coleta porta-a-porta de resíduos urbanos atinge 100% de seus habitantes. A introdução do reciclo do lixo orgânico em 2013 cancelou a construção de um novo incinerador que tinha sido projetado para a cidade. As duas coisas estão sempre em contradição. Quando você tem um incinerador, você é forçado a usá-lo para não ir à falência e não investe no reciclo.
#Colabora: Você poderia explicar como funciona o modelo italiano em Milão, sendo uma metrópole?
Enzo: Na verdade a coleta porta-a-porta começou em 1995, com a separação de papéis, plásticos e metais, o lixo orgânico era recolhido somente dos chamados grandes produtores: restaurantes, hotéis, etc. Gradualmente, entre 2012 a 2014 introduzimos a coleta do orgânico das famílias, portanto toda a população de Milão – cerca de 1,4 milhão de habitantes – também separa o descarte da cozinha. Algo que na Europa, talvez no mundo, se pensava fosse impossível de realizar, isto é, coleta seletiva e reciclagem de lixo orgânico em uma metrópole. Mas Milão mostrou que é muito possível e agora outras cidades estão seguindo o exemplo: Nova York, que está lançando seu programa, tem o modelo italiano ou milanês como referência, assim como Copenhague, Paris e Barcelona.
#Colabora: No que diz respeito ao lixo industrial, o que o país está fazendo?
Enzo: A Itália recicla cerca de 75% do lixo industrial, mas isso é uma tradição, já que é um país pobre em matéria-prima. Dizem que antecipamos a estratégia europeia para a economia circular. Na verdade, a Europa adotou a estratégia não tanto pela motivação ambiental, mas por razões econômicas porque importa 60% da matéria-prima que serve para o seu próprio sistema industrial. Para sermos autônomos, independentes e seguros no desenvolvimento industrial do futuro, a Europa disse que devemos reciclar o máximo possível. A coisa foi estimulada pelo fato de que, tratando-se de lixo industrial, o responsável é quem o produz. Quando você tem uma grande embalagem de plástico, por exemplo, se você a leva para aterro ou incinerador você tem que pagar, se você recicla, recebe dinheiro por isso.
#Colabora: E no Brasil, você iria participar de um encontro sobre lixo zero, em Brasília, nesta semana?
Enzo: Sim, mas tive que cancelar. Mas sei que há alguns planos para introduzir circuitos pilotos de coleta diferenciada do lixo orgânico que foram feitos por colegas que trabalharam conosco na implementação da coleta diferenciada em Milão.