Itamar Assumpção, a dor da perseguição por ser negro

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Por Anelis Assumpção, cantora e compositora, filha de Itamar Assumpção, Facebook

Entendi o privilégio de ser branca, quando minha mãe aos gritos com o guarda exigiu que ele levantasse meu pai do chão e lhe pedisse desculpas na minha frente. Ele assim o fez, estendendo a mão pra que meu pai se levantasse e foi quando vi que estava chorando.




Minha mãe, como sabem é branca, loira de olhos azuis. Era dificil na infância perceber as diferenças entre meu pai e ela socialmente, já que eramos uma família interracial pobre.  Certa vez, meu pai acompanhava minha mãe e eu até o metrô. Eles estavam de mãos dadas, conversando enquanto descíamos a ladeira de nossa rua. Ainda perto de casa, distraídos, fomos abordados por um policial à paisana que embicou seu carro, saiu armado e mandando meu pai deitar no chão. Minha mãe, aflita, perguntava o que estava acontecendo e o policial respondia: está tudo bem senhora, eu sou policial.

Com os pés nas costas do meu pai deitado de bruços, ele passou um rádio pra outros policiais onde dizia: já rendi o elemento. Ela então começou a gritar: o que você está fazendo? ele é meu marido! O policial ficou confuso e disse – seu marido? Minha mãe indignada respondeu: sim! e essa é a nossa filha! o que você está fazendo? Ele, sem saber como agir perguntou onde morávamos e se meu pai tinha documentos.

Daí então que entendi o privilégio de ser branca, quando minha mãe aos gritos com o guarda exigiu que ele levantasse meu pai do chão e lhe pedisse desculpas na minha frente. Ele assim o fez, estendendo a mão pra que meu pai se levantasse e foi quando vi que estava chorando.

Com a cabeça baixa, sentindo uma injusta vergonha – ele disse: Zena, não precisa disso. Ela retrucou: precisa sim! O policial então se desculpou com meu pai, comigo e com os vizinhos que preocupados que ali estavam.  Minha mãe lhe deu um sermão, pegou na mão do meu pai, na minha e voltamos pra casa. 

Nada nessa lembrança me agrada, mas me acometeu quando vi as notícias de uma mãe branca defendendo seus filhos pretos atacados de forma vil.

Em casa, meu pai falou sobre o perigo da minha mãe retrucar ao policial, pois ele só conhecia a violência. Ela, em seu instinto de privilégio social, o defendeu pois não tinha repertório de perseguição policial por sua cor. Ela não foi repreendida, presa ou agredida. Seu pedido foi acatado pelo policial.

Ali eu entendi que  não éramos mais uma família interracial pobre – éramos distintos em nossas colorações aos olhos do mundo. 

Doeu em todos nós. Dói até hoje.

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