Anelis Assumpção

meu pai.
já não posso mais tocar seu corpo.
ele nasceu no dia 13 de setembro, e se aqui estivesse ganharia certamente mil orquídeas de presente. isso me faz pensar nos presentes que eu ganhei só por fazer parte da sua existência.
sou herdeira de bens imateriais:
dele herdei além de músicas, a vontade de fazer música.
o humor e uma tristeza calada.
herdei o dom de imitar pessoas numa conversa. os dentes.
herdei o gosto por fazer feira de rua. os olhos.
também herdei um cinismo, um sarcasmo e um orgulho.
a falta de tato com parentes.
não herdei fazendas, apartamentos no leblon.
herdei orquídeas, bromélias, antúrios e o prazer de estar rodeada de plantas.
poemas também foram herdados. e o vício de fazer poemas também.
herdei a falta de habilidade com dinheiro. amigos poetas, marginais e malditos.
herdei o talento para atrair malucos.
não herdei empresas, casas ou iates.
herdei mulheres.
óculos, roupas, índole.
vaidade e barulho.
o gosto em se fotografar atrás de uma planta.
herdei minha própria existência.
meu pai.
já não posso mais dar um abraço apertado.
mas hoje, cantarei parte de sua obra.
beleléu.
o disco que nasceu comigo.
com todo o respeito que herdei,
feliz aniversário.