A decisão já foi adotada em cinco estados brasileiros, mas especialistas pedem cautela. A transmissão e os óbitos ainda não se estabilizaram, tampouco hospitais. O caótico ministério da Saúde ainda não tem um critério claro, questionam
Por Lucas Scatolini, compartilhado de Outras Palavras
Várias regiões do globo assistem à queda rápida da taxa de transmissão, após um pico de casos da variante ômicron entre o final de 2021 e início de 2022. Recentemente, Reino Unido, França e outros países da Europa anunciaram que vão mudar a classificação da covid, de pandemia para endemia. Na última quinta-feira (3/3), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, confirmou que estuda rebaixar o status da doença também no Brasil. Transição vista como precoce por grande parte dos especialistas, na prática expressa que o governo brasileiro teria a doença sob controle: a população conviveria com ela sem sobrecarregar os sistemas de saúde, e abriria brechas para eliminar uma série de medidas restritivas, como o uso de máscara, por exemplo.
Essa possibilidade, que já vinha ganhando força desde o final do ano passado com a flexibilização do uso da proteção em países como EUA – onde alguns estados já não cobram o protetor facial em lugares abertos – e Reino Unido – onde não é mais necessário adotar a máscara no transporte público, nas escolas, ou no comércio – já vem se concretizando em alguns estados brasileiros.
Ao todo, cinco já tornaram facultativo o uso de máscara contra a covid. Em dois deles – Rio Grande do Sul e Santa Catarina – seu uso já não é obrigatório inclusive nas escolas. No Mato Grosso do Sul, Maranhão e Rio de Janeiro, a vestimenta não é mais cobrada em lugares abertos. Em São Paulo, a decisão de flexibilizar a regra em locais abertos será tomada amanhã, 8/3, segundo afirmou o governador João Doria, na última quinta-feira. Também na quinta, o RJ decidiu que faculta aos municípios a desobrigação da máscara em locais fechados. Na capital fluminense, uma reunião que ocorrerá hoje deve decidir se acatará, ou não, o decreto. Outros estados ainda avaliam medidas de flexibilização, levando em conta o avanço da vacinação e a queda nos casos, mortes e internações pelo coronavírus e suas variantes: até o final do mês, o Fórum Nacional dos Governadores deve se reunir para discutir a adoção de uma medida conjunta.
No Rio Grande do Sul, PT, PSOL e PDT buscam a revogação do decreto do governador, Eduardo Leite, que desobrigou o uso de máscaras para menores de 12 anos. O requerimento, entregue na última quarta-feira na Assembleia Legislativa, expressa a preocupação de diversas entidades da sociedade civil que atuam junto às famílias vítimas da covid. Em nome da bancada, a deputada Sofia Cavedon lembrou em plenário que a taxa de mortalidade no estado pela doença é de 3,3 para cada 100 mil habitantes – bem acima da média nacional. Em SP, o governo decidirá em até duas semanas se vai suspender o uso da proteção facial para os pequenos. O secretário de educação, Rossieli Soares, afirmou que o debate é feito junto ao comitê científico e destacou a norma em vigor hoje que determina o afastamento de pessoas que tiveram contato com infectados sem máscara – e que isso implicaria no fechamento de salas inteiras caso a regra seja flexibilizada.
Especialistas pedem cautela. Ao Metrópoles, o epidemiologista e vice-presidente da Abrasco, Claudio Maierovich, defende que a flexibilização do uso de máscaras não aconteça tão cedo, para deixar as curvas de transmissão e óbito se estabilizarem: “As pessoas ficam com a imagem de um número alto que tivemos, quando 4 mil pessoas morriam por dia, e que quando está abaixo disso, está tudo bem. Não é assim, o que importa é a soma: ainda que não estejamos no máximo, se ficarmos em um nível médio por mais dias, o resultado é o mesmo”, explica.
O infectologista e professor de medicina da UFRGS, Alexandre Zavascki, em artigo ao Estadão, argumentou que a questão é saber qual o objetivo que se quer atingir para poder considerar se é seguro tirar as máscaras: “Embora a taxa de infecções esteja caindo, nós ainda temos uma taxa relativamente alta. Talvez nesse momento ainda seja mais seguro manter a obrigatoriedade por um período de mais duas, três, quatro semanas”, afirma, sobretudo para avaliar o impacto do período de carnaval. Defende que é muito mais vantajoso tirar as máscaras quando as taxas estiverem realmente baixas. E questiona a falta de métricas centralizadas no ministério da Saúde: “Quais níveis vamos aceitar para poder prescindir de máscaras em locais fechados, por exemplo?”, uma vez que a população mais vulnerável continuará correndo mais risco. Idosos continuam sofrendo muito com a variante ômicron, assim como os imunossuprimidos. “O que a gente vê no Brasil é cada governador fazendo de um jeito, sem planejamento. Em Santa Catarina, o governo tirou a obrigatoriedade para crianças de 6 a 12 anos em escolas. Não tem muito sentido tirar na escola, que é um ambiente de risco”. Sem contar que a taxa de vacinação entre os menores ainda está muito baixa.
Assim como na pressa para se atingir um horizonte sem a obrigação do uso de máscaras, em um cenário sempre incerto que não é possível saber como estaremos em alguns meses, cabe questionar também o rebaixamento do status do da situação de pandemia para endemia. O Brasil realmente tem sobre controle a crise sanitária? Vale lembrar que o país foi considerado o pior do mundo em termos de gestão da pandemia e o pior da América Latina segundo seus habitantes; é a segunda nação em número de mortes por covid e a terceira em quantidade de casos. Júlio Croda, infectologista e pesquisador da Fiocruz, alerta que essas questões exigem muito mais planejamento: “Falta no Brasil um planejamento em relação a uma transição adequada. O Ministério da Saúde nunca trabalhou com indicadores, nem sequer para medidas restritivas. No fim das contas, cada Estado adota as medidas de forma independente.”