Já passou da hora de reconhecer que o bullying existe, é danoso e não pode ser admitido

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Por Neemias Moretti Prudente, publicado em Justificando – 

“Segunda-feira – tiraram meu dinheiro,

Terça-feira – me xingaram,

Quarta-feira – rasgaram meu uniforme,

Quinta-feira – meu corpo está coberto de sangue,

Sexta-feira – está terminado,

Sábado – liberdade.”

(Vijay Singh[1])

Hoje comemora-se o Dia Mundial de Combate ao Bullying. O bullying, mesmo em suas manifestações mais amenas, tem sido apontado como o mais grave problema existente nas escolas em todo o mundo.

E você leitor, já ouviu falar em bullying? O bullying (do termo inglês que significa tiranizarintimidar) é uma prática presente no cotidiano escolar. Embora muitas escolas desconheçam sua gravidade e abrangência, aos poucos tem chamado a atenção e vem sendo reconhecido como causador de danos e merecedor de medidas para sua prevenção e enfrentamente.

É no ambiente escolar que o bullying ocorre, podendo acontecer em qualquer parte da escola, tanto dentro, como fora (muitas das tragédias que acontecem extra-muros são motivadas e iniciadas dentro do ambiente escolar).




Portanto, pode ser encontrado em toda e qualquer instituição de ensino(principalmente as particulares). Assim, a escola que não conhece o assunto, que não desenvolve programas ou afirma que lá não ocorre bullying, é provavelmente aquela onde há mais situações desta prática.

Mas, o que é bullying? O termo bullying, numa definição bastante utilizada, pode ser compreendido como “todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder, tornando possível a intimidação da vítima”.

Segundo Dan Olweus, o comportamento agressivo e negativo, os atos executados repetidamente e o desequilíbrio de poder entre as partes são as características essenciais do fenômeno.

Os protagonistas do bullying são: os alunos-autores/agressores (que praticam o bullying), os alunos-alvos/vítimas (que sofrem o bullying) e os alunos testemunhas/espectadores (que assistem aos atos de bullying).

O agressor, quase sempre, é o mais forte ou o que está em maior número do que a vítima. Entre as formas mais comuns de bullying praticadas pelo agressor – “bully” (valentão, brigão, tirano) está o:

i) bullying verbal (v.g. apelidos ofensivos e vergonhosos, gozações, comentários humilhantes ou negativos, ameaças, preconceito e discriminação),

ii) bullying físico (v.g. bater, chutar, empurrar, ferir, agarrar, cuspir, rasgar a roupa e/ou estragar objetos, cobrar pedágio),

iii) bullying sexual (v.g. insultos e comentários de natureza sexual, toque sexuais indesejados, obrigar à prática de atos sexuais),

iv) bullying social (v.g. deixar de fora dos trabalhos de grupo e/ou de atividades, inventar mentiras, espalhar rumores, boatos ou comentários negativos ou humilhantes),

v) cyberbullying ou bullying on-line, que é aquele praticado no ambiente virtual (v.g. espalhar informação falsa, assediar, perseguir, incomodar e/ou insultar através de SMS, MMS, e-mail, websites, chats, redes sociais).

O alvo da agressão, ou seja, a vítima, costuma ser quem o agressor considera “diferente” dos outros (v.g. o gordinho, o magrinho, o baixinho, o calado, o pobre, o CDF, o deficiente, o crente, o preto, o “quatro olho” etc.). Neste tocante, é importante ressaltar que as vítimas podem apresentar vários sinais e sintomas decorrentes do bullying, entre os quais: a baixa autoestima, dificuldade de relacionamento social e no desenvolvimento escolar, ansiedade, estresse, evasão escolar, atos deliberados de autoagressão, alterações de humor, apatia, perturbações do sono, perda de memória, desmaios, vômitos, fobia escolar, anorexia, bulimia, tristeza, falta de apetite, medo, dores não especificadas, depressão, pânico, abuso de drogas e álcool, podendo chegar ao suicídio e até atos de violência extrema contra a escola.

Na escola, o bullying não afeta apenas o agressor e a vítima, mas também as testemunhas, que são alunos que não sofrem nem praticam bullying, mas convivem com o problema e se omitem por medo ou insegurança.

Presenciam muitas vezes a agressão, mas calam-se, por que, se delatarem o agressor, poderão se tornar as “próximas vítimas”. Daí a omissão, o silêncio. Mas elas terminam por serem cúmplices da situação e muitas se sentem culpados por toda a vida.[2]

É importante pontuar que, agressores, vítimas e testemunhas, têm grandes chances de se tornarem jovens/adultos com comportamentos antissociais e criminosos. Vários estudos já foram realizados neste sentido (vide nosso livro Bullying em Debate).

Pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), no ano passado, mostrou que metade das crianças e jovens do mundo já sofreram bullying em algum momento da vida. No Brasil, esse percentual é de 43%.

Segundo pesquisa da UNICEF, realizada também no ano passado, dois terços dos jovens de mais de 18 países dizem ter sido vítimas de bullying. No Brasil, aproximadamente um em cada dez estudantes é vítima frequente de bullying nas escolas.

Com efeito, pesquisas do tipo têm comprovado que o bullying é prática cotidiana e seus efeitos podem ser devastadores. Aliás, o aumento de visibilidade do fenômeno, através dos conhecimentos adquiridos com as pesquisas, devem ser utilizados para orientar e direcionar a formulação de políticas publicas e para delinear técnicas de identificação e enfrentamento do problema, buscando respostas adequadas que possam reduzir o fenômeno de forma eficaz.

No Brasil, embora o bullying tenha despertado atenção crescente, ainda é incomum as iniciativas e políticas antibullying. Com efeito, já está mais do que na hora da sociedade como um todo tomar consciência da importância do tema, reconhecendo que o bullying existe, é danoso e não pode ser admitido.

Por isso, é fundamental o desenvolvimento e apoio de programas antibullying (vide Lei 13.185/2015), com o uso de todos os meios que a sociedade dispuser, que envolva toda a comunidade escolar em parceria com as diversas instituições e membros da sociedade, inclusive com o apoio dos meios de comunicação – preocupados e interessados no problema, para, em conjunto, buscarem ações informativas (identificação), preventivas (evitando que ele ocorra) e combativas (nos casos já instalados) perante os casos de bullying.[3] E é assim que deve ser, já que nenhuma escola está imune ao bullying.

Por fim, fica o convite: junte-se ao Movimento #brasilSEMbullying.[4]

Neemias Moretti Prudente é Mestre e Especialista em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia (UNIMEP/ICPC). Professor (IPE) e Servidor Público Federal (MPF/PR). Graduando em Filosofia. Oganizador e co-autor do livro: Bullying em Debate. São Paulo: Paulinas, 2015. Integrante do Movimento #brasilSEMbullying.


[1] Última página do diário do menino Vijay Singh, 13 anos. Sábado foi o dia em que Vijay foi encontrado morto, enforcado em sua casa, por ter sido vítima de bullying.

[2] Cf. SCOREL, Soraya Soares da Nóbrega; BARROS, Ellen Emanuelle de França. Bullying não é brincadeira. João Pessoa/PB: Gráfica JB, 2008. p. 13.

[3] Não há duvida de que esta prática necessita de respostas. As respostas repressoras/punitivas (como a expulsão de alunos ou recorrer ao judiciário) são validas, mas nem sempre são as mais adequadas (devendo ser evitadas, tanto quanto possível). O que se deve é privilegiar mecanismos alternativos/complementares de resolução de conflitos, como a justiça restaurativa. Nessa senda, a Justiça Restaurativa (e meios alternativos de solução de conflitos) tem se mostrado possível e muito eficiente para resolver casos de bullying no ambiente escolar. Isso porque as práticas restaurativas nas escolas são centradas não em respostas repressoras e punitivas, mas numa forma reconstrutiva das relações e preparativas de um futuro convívio respeitoso.

Os processos restaurativos (v.g. mediação, conferências familiares ou círculos) proporcionam a vítima e o agressor, e outros interessados no caso (v.g. familiares, amigos, testemunhas, comunidade escolar), a oportunidade de se reunirem, exporem os fatos, falarem sobre os motivos e consequências do ato, ouvirem o outro, visando identificar as necessidades e obrigações de ambos. A vítima pode dizer que a atitude a incomoda e ele está mal com isso.

O agressor entende o que ocorreu, conscientiza-se dos danos que causou a(s) vítima(s) e assume a responsabilidade por sua conduta, reparando o dano e demonstrando como pode melhorar. Em seguida, firma-se, então, um compromisso. Em muitos casos é possível o arrependimento, a confissão, o perdão e a reconciliação entre as partes. O encontro é acompanhado por um facilitador capacitado para esta prática (v.g. professor, aluno, assistente social, psicólogo), que tem como objetivo ajudar as partes a se entenderem, refletirem e chegarem a uma solução para o caso. Enfim, com a justiça restaurativa, escolas aprendem que, em vez de punir, é melhor dialogar para resolver os conflitos.

[4] O movimento Brasil SEM Bullying é composto por um grupo de especialistas e ativistas no tema bullyingem espaço escolar e virtual no país. 

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