No dia 6 de outubro de 2015, depois de seis meses no cargo, o professor de filosofia Renato Janine Ribeiro foi demitido do cargo de ministro da Educação e substituído por Aloizio Mercadante na segunda reforma ministerial do governo Dilma.
Foi um baque para quem acreditava que o ministério era chefiado por alguém de notório saber, um nome respeitado nacionalmente. Janine, porém, havia deixado um legado: o Enem.
O exame provocou polêmica por suas virtudes. Trouxe como tema de redação “a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” e questões com Simone de Beauvoir, Paulo Freire e Slavoj Žižek. Não houve, até o momento, denúncias de fraude.
O DCM conversou com Janine sobre a elaboração do Enem, sua saída do governo, Mercadante, Dilma e ele, Eduardo Cunha.
Foi a sua gestão no ministério que elaborou o Enem ou foi sob Mercadante?
A prova foi pensada enquanto eu era ministro da Educação, porque o Mercadante não está lá nem há um mês. Foi feito durante a minha gestão, mas eu não posso dizer que foi uma realização feita por mim porque as entidades diretamente responsáveis têm autonomia diante do MEC. Posso dizer sim que os envolvidos do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) tiveram um pensamento na direção de formular conteúdos com interpretação de texto de forma construtiva, instigando o pensamento crítico.
Qual é sua avaliação do tema da redação sobre violência contra a mulher, além da presença de pensadores como Simone de Beauvoir?
Achei o tema da violência contra a mulher bastante positivo para um exame com o alcance do Enem, embora eu não tenha como comparar com os anteriores, porque o INEP teve seus méritos ao mudar os assuntos.
Nesse caso, existiu uma diferença em comparação com outros temas porque é muito difícil para o aluno, ao encarar o tema da violência contra a mulher, se expressar ao contrário da opinião contra a gravidade desses crimes.
É claro que um dos objetivos de uma prova que procura verificar a inteligência do aluno é não dar a chamada resposta pronta. O estudante deve ser capaz de sustentar a tese dele mesmo divergindo daquela que está posta. A diferença deste tema em relação aos anteriores é que é difícil sustentar que tal tipo de violência de gênero não exista.
Se você tem algum compromisso com os direitos humanos vai notar que este assunto abordado no Enem é muito importante para ser pautado e enfrentado hoje. O único problema talvez seja que suas respostas não são tão divergentes.
É correto dizer que o tema é muito restritivo? O tema da redação teve êxito mesmo assim?
Sim, é certo dizer que tivemos êxito no tema da redação do Enem. É importante você aceitar que, quando se propõe uma questão de prova, é possível expressar opiniões divergentes. Mas no caso deste tema da violência contra mulher não é tão provável porque os dados estão ai e é um problema presente na sociedade.
É importante que a sociedade saiba o quão é fundamental cerca de sete milhões de estudantes estarem em contato com uma questão diferente e pertinente como esta. É muito bom e é muito importante que eles terem se debruçado por uma hora diante de uma pergunta que é presente pra todos nós.
Esses jovens, principalmente entre 17 e 18 anos, precisam refletir para então responder uma pergunta que afeta mulheres e que é importante para o feminismo.
Eu sei que o senhor é antenado com redes sociais. Depois do Enem, houve acusações de que o exame é uma “doutrinação feminista marxista”. O que o senhor pensa sobre isso?
A redação não é uma questão de Karl Marx, até porque o tema da desigualdade de gênero foi abordado muito pouco pelo filósofo. Não foi uma preocupação de Marx. Quanto à acusação do exame ser feminista, se a gente entender que é a igualdade entre homem e mulher, mostra que este tipo de luta é absolutamente necessário.
Os temas são complexos, mas não se desqualifica uma prova afirmando que ela é marxista ou feminista. Há pessoas que sinceramente não entendem o que é esse tal de feminismo. Não há nenhuma doutrinação nos temas da redação do Enem porque são fatos da vida real, mas defender uma violência dessas contra a mulher me parece absurdo. No entanto, há muitas maneiras de abordar essa temática. Não é algo doutrinário justamente por isso.
O que o senhor pensa sobre o fechamento de 94 escolas públicas em São Paulo pelo governo Alckmin?
Não tenho muito a comentar porque eu não tenho detalhes sobre o que ocorreu, sei apenas que de fato ocorreu uma mudança de demografia no estado. Se foi reduzido o número de crianças nessas instituições, o gestor precisa direcionar os investimentos para locais em que há a necessidade de mais estudantes. Como isso é feito em São Paulo eu não posso avaliar sem saber detalhes.
O senhor não pode avaliar por que o governo do estado tem autonomia nessa decisão?
Na verdade eu não tenho como entrar no mérito desse tipo de decisão. Se está caindo o número de alunos na sala de aula, pode ser justo concentrá-los em menos escolas. Mas eu não tenho condições de abordar, pra começo de conversa, se essas 94 escolas deveriam ter sido alteradas ou não. Isso eu não sei.
O que o senhor achou da escolha de Aloizio Mercadante para o ministério da Educação? Como está sendo a vida fora do governo?
Eu, na minha vida privada, voltei às atividades regulares. Voltei a escrever e estou fazendo coisas que me interessam fazer. Isso tinha ficado pesado para fazer quando eu era ministro. A indicação do Mercadante parece que protege o MEC porque ele não é uma nomeação política. Não enxergo uma nomeação neste sentido e acho que a pasta foi protegida do apadrinhamento político que às vezes acontece.
O Mercadante me parece uma opção melhor dentro da Educação do que a mudança que aconteceu no ministério da Saúde, com a saída do [Arthur] Chioro e a entrada de Manoel Junior. Pra mim houve uma clara diminuição da qualidade do responsável pela pasta.
Como você enxerga o governo Dilma atualmente? Há chance de impeachment, na sua opinião?
Politicamente, você tem três fatores que podem provocar o impeachment. O principal deles seria se a oposição tivesse de fato algum projeto de governo Dilma. Não há por parte da oposição um projeto claro para governar o Brasil melhor do que o dela. Os nomes que aparecem do PSDB e do próprio PMDB para substituir Dilma Rousseff não são uma alternativa que representa um avanço em relação às falhas inegáveis deste governo. Essa é a principal razão para eu achar que o impeachment não vai acontecer. E isso não tem nada a ver com a reforma ministerial que me tirou do cargo, inclusive.
Uma segunda razão que diminui as chances disso acontecer é a própria atuação de Eduardo Cunha, que está enfraquecido. A aliança da oposição com o Cunha para tirar a presidente se colocou tão nitidamente que tornou as coisas mais difíceis. Como você vai se aliar com uma pessoa que tem acusações sérias de corrupção com contas na Suíça para tirar uma presidente que não tem nenhum vinculo com crimes? Esse é outro ponto importante que enfraqueceu o discurso do impeachment.
O último ponto é a própria reforma ministerial, que deve ter agregado votos junto com o governo e foi tão enfraquecida quanto a atuação do Cunha. Isso não é tão importante se comparada ao enfraquecimento da oposição com o próprio PT. O governo consegue resistir, na verdade, porque o PSDB está muito fraco.
O PT também está muito enfraquecido. São dois partidos e dois projetos políticos muito fracos atualmente. Nenhum deles consegue fazer uma fusão, como ocorreu no primeiro governo Lula de crescimento econômico e inclusão social. Hoje a oposição não consegue sugerir outro projeto concreto enquanto o próprio governo não tem muita credibilidade para sugerir novos instrumentos econômicos.
Com toda essa situação, o senhor acredita que o Eduardo Cunha cai?
Isso eu sinceramente não tenho como prever, falo apenas do que está acontecendo agora.