Janio: o que Lula mostrou? Que ele está se movendo e chamando para mudar

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Tijolaço, sobre artigo de Janoio de Feitas na Folha de S. Paulo – 
berrante

Janio de Freitas – um dos poucos a deixar de reduzir a política a um jogo de futricas – analisa as últimas e polêmicas manifestações de Lula com um pouco mais de profundidade do que aqueles que ficam no “vai romper-não vai romper” com Dilma.

Na política, rompe-se por divergências de fundo. Quando as diferenças são de método, a questão é de convergência ou afastamento e isso deve ter, a partir de certo ponto, o conhecimento público, ou os políticos populares estarão sendo hipócritas e negando aos cidadãos formar suas convicções sobre o que fazer e esperar que se faça.




Ao contrário, Lula está fazendo política e com declarações que, se é direito questionar a oportunidade, ninguém bem intencionado pode desprezar o mérito, até porque os defeitos de acomodação e autismo social que ele aponta no PT também ocorrem – e em escala muito mais avantajada – em quase todos os atores políticos do país.

E este reconhecimento, aliás, partiu da própria Dilma, quando disse que todos podiam criticar, “ainda mais o Lula”, num reconhecimento que é ele, em última instância, a origem da legitimidade que as urnas deram ao seu mandato.

Ainda mais porque Lula não tem qualquer interesse objetivo em um rompimento  com a Presidenta, nem mesmo aquele que, normalmente, envenena as relações criador-criatura: que esta queira lhe tomar o lugar. Dilma não pode pretender uma reeleição a mais e Lula talvez não tenha sequer este desejo, depois de sair consagrado de seus dois mandatos, mas cada vez mais tem o dever, em nome do projeto político que encarna.

Projeto que é maior, muito maior que as boas relações pessoais que mantém com Dilma e até mesmo que sua relação de “pai” do PT.

Os líderes políticos não são grandes por vontade ou preferências pessoais. São quando correspondem a uma necessidade social, como Lula foi e é a encarnação de um projeto de desenvolvimento, soberania, inclusão e justiça social para o país.

Isso é maior que todos os erros políticos: os dele, os de Dilma, os do PT e os de todas as esquerdas.

Se existe algo capaz de fazer o Brasil sair da crise, do desânimo e da violenta onda obscurantismo que nos avassala é a referência política  que produz, sereno e seguro, os sinais que o coletivo sabe reconhecer e seguir, em nome de seus próprios interesses.

Como, final, aconteceu com a eleição do ex-torneiro mecânico quando se dizia – quem lembra? – “sem medo de ser feliz”.

As falas e a surdez

Janio de Freitas, na Folha

Lula não falou muito, mas disse quase tudo. Tem em torno de uma hora a soma das três ocasiões, de quinta-feira para cá, em que desnudou a presidência de Dilma e o governo, a realidade dramática do PT e sua própria situação política. Mas não incluiu sinal algum da motivação de tanta e tão inesperada franqueza. Apesar disso, o interesse aqui de fora voltou-se para a motivação, com variada especulação entre a justificável e a de oportunismo achincalhante. Sinal dos tempos, diriam no passado, o teor das considerações de Lula está deixado à margem.

Lula disse verdades sérias, no entanto. Muitas. E duras, para o PT e para Dilma. Capazes de machucar mesmo, embora ditas sem tons raivosos ou agressivos. Ditas mais em tom de lamento, como um desabafo pesaroso. Observações e críticas que precisariam de mais do que o espaço de um comentário corriqueiro.

Antes de tudo, Lula mostrou que a cabeça política está em forma. A escolha de uma reunião com padres para lançar sua saraivada de verdades dolorosas foi muito hábil. Era uma conversa fechada, em que podem ser ditas coisas especiais, não era um ataque público a Dilma, ao governo e às condições do PT. E também era uma conversa previsível e facilmente vazável, tornando público o que conviria sê-lo sem o ser. Vazou, paciência, isso acontece –poderia dizer. Mais tarde, fez complementos justificados pela abertura pública dada às reflexões anteriores. Técnicas de Getúlio, Tancredo, Jânio, Adhemar, dos artistas da política.

Vistas com objetividade, as observações e críticas de Lula são irrefutáveis. “O PT envelheceu”, sim, no pior sentido da expressão, dominado pela incoerência e ocupado com o fisiologismo. E se não fizer “uma revolução interna”, adeus. Reerguer partido é, porém, tarefa sem precedente aqui, e no mínimo rara no mundo.

Como único líder de massa no país, Lula seria a arma petista para a tentativa contra a regra histórica. Se não a fizer, não será porque esteja corroído como o PT: sua imagem está muito diminuída, mas isso não se confunde, a priori, com o seu potencial arregimentador, cujas reservas só podem ser mensuradas na prática.

Lula admite que a solução petista possa estar na entrega do partido aos novos. Mas onde estão esses novos com provável capacidade para trazer o PT de volta ao PT? Talvez nem mesmo entre os velhos petistas haja, para tentar tal tarefa, mais do que Vicentinho, ou, se tanto, um outro menos lembrado. O PT formou-se como caudatário de Lula. Mesmo quando as estratégias de José Dirceu abriram horizontes para o PT, foi em torno de Lula que isso se fez e pôde vencer. Nessa peculiaridade está a outra face da situação dramática do PT.

Lula não esquece que Dilma entregou o governo e o país ao “ajuste” que na campanha repudiou como “coisa de tucano”. Nem o fato de que “estamos há seis meses discutindo ajuste, e ajuste não é programa de governo, depois vem o quê?”. Lula cobra: “tem de mudar”, porque a situação está resumida no silêncio de Dilma a uma pergunta sua: “Companheira, você lembra qual foi a última notícia boa que demos ao país?”. Lula tem de memória até a data, 16 de março, em que fez a pergunta, para provar que desde a eleição o governo “não deu ao país uma só notícia boa”.

E então? “Mudar.” Mas o que é necessário para convencer Dilma? No seu desabafo, Lula sublinhou a surdez de Dilma, sua escolhida, até para ele. É explicável que esteja desalentado. Ou, como diz, “cansado”. Mas é certo que tem intenções, ou não abriria essa fase de franquezas inconvencionais para um político do seu nível.

Lula estava criticado pelo silêncio, Lula está criticado porque falou. Pode ser que daqui a pouco seja criticado por dar algum sentido prático, seja qual for, às suas mensagens, várias apenas implícitas. Como sugere a decisão de emiti-las.

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