Por Luís Costa Pinto, em Poder 360 –
Casal delata parceiros como se estivessem fora do caso. Publicitários devem considerá-los maus exemplos. Campanha política deve confrontar projetos de país.
João Santana, jornalista forjado na Salvador dos anos 1970, músico e cronista diletante, autor de um romance temporão, foi profissional invejado por colegas. No auge da carreira em redações ajudou no desfecho do processo de impeachment de Fernando Collor de Mello ao conduzir com profissionalismo o processo de apuração e publicação do testemunho-chave de Eriberto França, o motorista presidencial que atalhou o caminho da CPI do PC às provas responsáveis por cassar o ex-presidente em 1992.
Mônica Moura, produtora aplicada, nunca teve o destaque profissional nem o desempenho de Santana. Conhecida por ser “pé de boi” numa função em que erros triviais provocam atrasos irrecuperáveis –os bastidores de sets de filmagem publicitária– destacou-se como estruturadora eficaz de planilhas de entrega de trabalhos e de recebimento de clientes.
João e Mônica conheceram-se há pouco mais de 15 anos. Interesses profissionais, avidez por trabalho e um certo ar blasê em relação ao mundo os uniu. Cumplicidade e uma irrefreável e irreprimível vontade de dar passos maiores que as pernas e de querer curtir a vida adoidado num estilão que o destino parecia ter-lhes negado selou a sociedade biográfica dos dois. Agora, veem-se no epicentro do incontrolável incêndio político que consome o país há pouco mais de dois anos.
Uma reminiscência obscura de Santana no prólogo do livro de sua vida (não escrito) precisa ser aclarado urgentemente pelos Torquemadas de Curitiba. Passou-se na Argentina, em 2001, quando Fernando De La Rúa abdicou da presidência e houve um vácuo de poder na Casa Rosada. Eduardo Duhalde, que terminaria eleito presidente argentino e teve papel capital na pacificação portenha, chamou o brasileiro para estruturar sua breve campanha. João Santana cobrou bem, e em dólares. Necessário lembrar que o fim da paridade peso-dólar fora o estopim daquela crise argentina. Reza a lenda, Duhalde teria pago a Santana em espécie, na moeda americana, e o sinal para o início do trabalho formal de marketing político só teria se dado quando o carro-forte levando a féria de Buenos Aires cruzara a fronteira brasileira em Uruguaiana (RS).
O caso dos dólares argentinos de 2001 foi narrado pelo próprio Santana algumas vezes, em tom de bazófia, quando as conversas de mesa de bar atingiam elevadas octanagens alcoólicas. Escutei-a em dois momentos. Uma, num restaurante em Aracaju. Outra, no terraço de uma casa em Brasília. Esse passado obscuro vem ao caso no momento porque não é o carro que carrega os bois: Santana e Moura emergiram nos vídeos das delações premiadas como profissionais puritanos pervertidos por uma engrenagem posta para funcionar por Lula, por Dilma e pelo PT.
Procuradores e juiz precisam determinar se eram mesmo puritanos, e se podem de fato culpar o PT pela perversão.
Mônica Moura, com as piadas mal postas, o chiclete velho sendo mascado indefinidamente e a ânsia incompreensível de soar perversa diante dos novos amigos cultivados na capital paranaense – a plateia de operadores do Direito que colhe delações – surgiu para o vasto Brasil que não a conhecia como dona de cinismo pérfido. Tomando por verdade tudo o que possa ter dito, como agora escutar impassível a confissão dos pecados sem que lhe fuja sinal algum de sentimento de culpa? É doloroso ouvir a voz irônica de Mônica Moura nesses vídeos testemunhando-a incorporar a personagem desvirtuada por um sistema. Sabe-se que ela tripudiou diante de muitos que se recusaram a pagar o preço pago por eles porque topavam pagá-lo – o da ilegalidade e da desfaçatez para com a formação política – a fim de realizar trabalhos que tinham o mesmo propósito e chegariam ao mesmo resultado, embora outros profissionais não usassem os mesmos meios do casal baiano.
João Santana foi um dos próceres no processo de acelerado desvirtuamento das campanhas políticas. A genialidade que lhe foi concedida como dom divino, exercida de forma magistral em 2010 e em 2014, foi posta para rodar a serviço de uma engrenagem caseira de facilitação de negócios. No epílogo desse enredo, descobrimos que não contribuiu nem em forma, nem em conteúdo, para a ampliação do debate político.
Mônica Moura, a mulher de arrogância revelada em muitos episódios pré-delação, parece ter exaurido do marido a capacidade profissional inegável dele: a de conduzir uma campanha eleitoral focado no projeto, e não em sensações epiteliais. Foi assim na Argentina de Duhalde e a receita bem-sucedida migrou para o Brasil de 2006. Quando a campanha tem um norte fincado em ideias, o projeto de futuro se espraia adiante e a governabilidade vem naturalmente. Quando o marketing se impõe às ideias, vencendo-as, dá-se o desastre. Testemunhamos o desastre.
João Santana e Mônica Moura têm de passar a ser lembrados, a partir de agora, por aquilo que se converteram: delatores frios e cínicos de um sistema que eles mesmos ajudaram a construir e a consolidar, na forma. João, mais que isso, é autor original de um receituário de marketing político responsável por revogar a política e trocou projetos por mentiras. Triste vê-los assim. Mas foi muito duro ouvi-los confessar crimes, trair amigos, entregar parceiros e distanciarem-se de suas próprias obras como se não tivessem nada a ver com elas. João e Mônica viraram fantasmas que o marketing político e os profissionais de campanha precisarão exorcizar desde já, por dever de ofício e amor à causa: o legítimo confronto de ideias e de projetos de país.