Repórter da New York fala sobre jornalismo em tempos de redes sociais e a ameaça de uma guerra global na abertura do Festival 3i
Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: O repórter Jon Lee Anderson na mesa virtual de abertura do Festival 3i: reflexões sobre guerra e jornalismo (Reprodução / Youtube)
Quando o jornalista Jon Lee Anderson, repórter da revista New Yorker com experiência na cobertura de guerras (no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Somália…), foi convidado para participar da mesa de abertura do Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente, a Rússia ainda não tinha invadido a Ucrânia. Acabou dividindo sua participação no evento, inaugurado nesta terça (15/03), entre os dois temas: jornalismo e guerra. “Estamos vivendo uma guerra fria com bombas. E o mundo ficará pior qualquer que seja o fim do conflito”, disse um pessimista Anderson na sua análise da invasão da Ucrânia.
O repórter mostrou-se um pouco mais otimista com o futuro do jornalismo. “Essa revolução digital abriu novos caminhos para o jornalismo apesar de, na essência, o desafio continuar o mesmo: como se comunicar com o público? O desafio está na linguagem que vamos usar para efetivamente informar e inspirar as pessoas. A internet, as redes sociais e outras plataformas são novas formas de distribuição. O desafio está no conteúdo. A linguagem é a chave”, afirmou o repórter norte-americano, de 65 anos.
Mediadora da mesa de abertura batizada de ‘O jornalismo que surge no caos’, a jornalista Natália Viana, presidente da Ajor (Associação de Jornalismo Digital, que organizou o Festival 3i), lembrou uma frase de Anderson, em 2016, quando disse que “nunca houve uma época boa para ser jornalista, talvez agora seja a pior, as montanhas estão desabando, mas ao mesmo tempo que coisas novas estão nascendo”. Como chegamos em 2022? “Nós trabalhamos numa profissão que nunca foi bem paga, que quase nunca é respeitada como merece e que, em alguns lugares, você pode ser agredido ou morto. Acredito que os jornalistas estão nessa profissão por sua essência de contar histórias”, afirmou o repórter. “Se há mais caminhos para distribuir essas histórias, isso é uma coisa boa. São os melhores tempos, os piores tempos”, acrescentou.
Anderson lembrou, entretanto, que não basta ter um smartphone com câmera e gravador para virar jornalista. “O ofício de jornalista tem suas especificidades e habilidades que não são simples nem poder ser resolvido pelos equipamentos. É preciso saber contar uma história para que, efetivamente, as pessoas vejam, ouçam, leiam e entendam. É impressionante o que a tecnologia é capaz de fazer. Mas é preciso ir ao mundo real: nada se compara a sair nas ruas e sujar as mãos. Este é meu tipo de jornalismo”, disse o jornalista, na mesa de abertura do Festival 3i, que vai até o dia 25, com mais de 40 horas de programação 100% virtual, gratuita e multiplataforma.
Ao ser perguntado sobre a cobertura da invasão da Ucrânia, chamada por Natália Viana como a primeira guerra do TikTok, rede social lançada há pouco mais de cinco anos, Anderson disse que já viu vídeos feitos para a nova rede social em cidades sob ataque. “Ainda não vi nada que fosse realmente jornalístico – apenas impressões e sensações bastante pessoais de quem está na Ucrânia sob ataque. Creio que não é fácil mas é possível fazer jornalismo em qualquer plataforma. Mas é preciso apuração, reportagem”, comentou.
Para Jon Lee Anderson, o ataque à Ucrânia realmente traz a ameaça de uma terceira guerra mundial. “O conflito já é global porque todos os países estão sendo praticamente obrigados a tomar lados, todos os países já estão sentindo os impactos da guerra devido as sanções e reações”, destacou, acrescentando que a OTAN não mandou tropas para Ucrânia para evitar a escalada da guerra para um conflito mundial. “Mas basta um erro, um deslize e podemos ter um conflito global. São tempos muito perigosos”, disse o jornalista.
O repórter da New Yorker afirmou ainda que o mundo vem convivendo com “populistas autoritários” e “máquinas pesadas de fake news” e isso traz ameaças permanentes. “Vimos o estrago que Donald Trump e suas mentiras fizeram aos Estados Unidos e a sua democracia”, lembrou. Para Anderson, o enfraquecimento dos EUA após Trump facilitou a ofensiva russa nesta guerra fria com bombas. “Viveremos tempos perigosos enquanto Vladimir Putin estiver lá com suas cinco mil armas nucleares”, destacou.
Ao responder sobre conselhos para jornalistas brasileiros na cobertura das eleições de 2022, Jon Lee Anderson recomendou atenção especial para grupos que ameacem a democracia ou causem fissuras nas instituições. “Tem muita investigação para ser feita. Quais são as instituições-chave que sustentam o Estado democrático brasileiro e em que sentido elas estão seguras ou não? Onde estão as verdadeiras fissuras nas instituições do país? Essas iniciativas do governo Bolsonaro para liberar armas são muito preocupantes”, disse, lembrando as ligações das polícias com milícias e do interesse do presidente em instrumentalizar as polícias. “Não sei se Bolsonaro é um criminoso com uma ideia”, concluiu antes de voltar ao ex-presidente americano, derrotado na tentativa de reeleição em 2020. “As ações de Trump durante as eleições foram claramente criminosas”.