Jornalismo e corrupção estatal no Brasil

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Por Carlos Potiara Castro, publicado em Jornal GGN – 

“Os meios de comunicação, em um mundo urbanizado, desempenham um papel fundacional do espaço público. Eles constroem com suas práticas profissionais o local de trocas políticas. O que destoar dessa destinação é um indicador de operação fraudulenta e potencialmente onerosa para a sociedade”.

Entre as questões que ficaram em aberto a partir das investigações de Justiça sobre a Odebrecht, as que se referem ao ethos de outras grandes empresas brasileiras ainda precisam ser respondidas. É que nenhum dos elementos relatados pelas apurações sugeriu que essa prática tenha sido temporalmente encapsulada ou restrita a uma única corporação ou setor econômico.




No universo empresarial brasileiro, a mídia corporativa possui sua própria dinâmica de operação e demonstra um interesse muito peculiar pelo campo político. Caso operasse de forma simétrica à Odebrecht, o seu caixa financeiro não serviria como meio de transferência de recursos para corrupção. Ela operaria, ao contrário, por meio do tempo e da forma de exposição na televisão de pessoas e instituições públicas. Ou seja, o Jornalismo seria o grande instrumento da mídia corporativa para atingir os mesmos objetivos que a Odebrecht, os de realizar negócios e direcionar a esfera pública.

Pelo nível de concentração e cartelização da mídia no Brasil, qualquer debate sobre o tema se refere diretamente à Rede Globo. E o método de operação – ou seja, as escolhas editoriais do setor de mídia – nunca  suficientemente discutido e sancionado pelo público. Os ataques às instituições coletivas realizados por essa mídia corporativa são cotidianos e o sentimento de instabilidade institucional que vivemos advém da confusão gerada pela falta de exatidão e confiabilidade nas informações produzidas.

O preço para se manter informado corretamente neste país é um dos mais altos do mundo: exige o conhecimento de línguas estrangeiras, o acesso a informações jornalísticas externas e a capacidade de interpretá-las de acordo com os referenciais culturais de seus países de origem. Aqui, toda informação, mesmo a mais trivial, passa a ter um custo de transação irracional e constitui um dos elementos determinantes do baixo nível de bem-estar dos brasileiros.

Trata-se de uma questão institucional: os meios de comunicação, em um mundo urbanizado, desempenham um papel fundacional do espaço público. Ou seja, eles constroem, com suas práticas profissionais, o espaço de trocas políticas, que não vai ocorrer mais na feira da cidade ou na aldeia rural. A função da produção jornalística é de constituir esse espaço de trocas. O que destoar dessa destinação é um indicador de operação fraudulenta e potencialmente onerosa para a sociedade.

E o jornalismo da Rede Globo destoa da quase totalidade das empresas de referência desse setor  no mundo. Praticamente a Europa inteira, depois de sair de suas guerras autodestrutivas, encontrou reconforto e alento em seus sistemas de informação televisivos. Atrelados a políticas públicas de educação, eles foram o esteio da prosperidade e bem-estar daquele continente, ajudando a formar uma nova geração absolutamente integrada ao resto do mundo do ponto de vista tecnológico. O mesmo se observou na Ásia, na formação da Índia moderna, por exemplo, assim como na sustentação do crescimento tecnológico da Coréia ou do Japão.

Além de acanhada, se comparada ao papel que desempenham as empresas congêneres das mais importantes economias do mundo, a Rede Globo insiste em manter um caráter regionalista, potencializando, de maneira artificial, a presença da cidade do Rio de Janeiro no cenário brasileiro – uma curiosidade internacional, que toma uma face trágica quando percebemos que parte  alianças que essa empresa fez através de suas repetidoras regionais foram com grupos empresariais oriundos da prática negreira. A mesma base política que justificou o poder tirânico exercido pela elite da cidade da Corte sobre o resto do país.

Em uma sociedade que se esforçou por 30 anos em desenhar estratégias civilizatórias de redução de pobreza e fome, o nível de miséria de informações jornalísticas necessárias para a tomada de decisões estratégicas não é casual, mas uma forma de consolidar um “setor de operações estruturadas” em que a chantagem e a propaganda de combate se tornam naturalizadas.

A substituição dessa instituição por outra não é uma questão de opinião política, mas de necessidade estratégica. Desse modo, talvez possamos, finalmente, criar no Brasil a atividade de repórter-correspondente em bases profissionais, com um escopo de trabalho de mesmo nível que suas congêneres internacionais, que subsidie nossos debates de forma necessária, ampla e aberta diante de nossos problemas e questões. E, finalmente, trazer subsídios civilizatórios para olhar e deliberar de forma muito precisa sobre essa elite brasileira que se fez a partir de campos de trabalho escravo privados, alguns com mais 200 anos de tradição de barbárie.

Carlos Potiara Castro, jornalista formado pela Universidade de Paris 8 é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas.

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