Jornalismo não deve adotar linguagem da extrema direita, propõe Fabiana Moraes

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Em entrevista sobre novo livro, jornalista reflete sobre importância de comunicação eficaz em tempos de polarização

Por Andrea DiPClarissa LevyClaudia JardimRicardo TertoStela Diogo, compartilhado de A Pública




As redes sociais estão no centro da polarização política, com o impulsionamento de desinformação e do discurso de ódio. Nesse contexto, é necessária uma reflexão crítica sobre os caminhos que o jornalismo e a sociedade vêm trilhando, principalmente em vésperas de disputas eleitorais, propõe a jornalista, escritora e professora Fabiana Moraes, em conversa com o Pauta Pública.

Fabiana Moraes é autora de diversos livros, entre eles o mais recente, Ter medo de quê?: textos sobre luta e lantejoula, publicado pela editora Arquipélago. A obra é uma coletânea de suas principais colunas ao longo de seus seis anos de contribuição para veículos de imprensa como Intercept Brasil, UOL, piauí e Gama. Na conversa, Moraes fala sobre seu novo lançamento e traz reflexões sobre as posturas de enfrentamento aos discursos radicais e a necessidade de novas abordagens dentro da comunicação.

Para ela, a extrema direita usa, cada vez mais, uma linguagem de “desrespeito pela lacração”. Uma estratégia que encontra ressonância social. Mesmo entendendo que ainda não há uma receita pronta para enfrentar isso, o fato é que o jornalismo não deve disputar a mesma linguagem, mas sim buscar elementos que possam ser retrabalhados. “Não dá para fazer perguntas para um comediante vestido de presidente e perguntar se ele tem uma proposta para o Brasil. É preciso repensar o tipo de comunicação que se faz a um candidato que não está interessado a falar [com jornalistas].”

[Clarissa Levy] O título do seu livro é Ter medo de quê? E aí eu penso nesse período de vários medos. Do que não ter medo, para você?

O título tem muito a ver com um período quando o medo deixou de ser uma quase ideia para ser uma uma realidade cotidiana. Essas colunas começaram a ser escritas justamente em 2018, no contexto das eleições presidenciais. Então foi aquela eleição que a gente viu a ascensão da extrema direita no Brasil ocupando o posto de cargo máximo do Executivo, a Presidência.

O recorte temporal é a partir desse momento. São 25 colunas, textos de 2018 até 2024. Esses textos marcam justamente esse período dos grandes medos. Sem deixar de lembrar que a pandemia aconteceu também nesse período. 

Claro que dá medo, mas a gente não pode se acovardar. […] Aí quando eu falo ter medo de quê, é um pouco na energia de: “bicha, sacode esse cabelo e vai para porrada, sabe”? E ir para porrada não é da maneira que a extrema direita vai, mas com alguns elementos. Por exemplo, um humor usado, não para depreciar ninguém, mas deboche para provocar mesmo uma disrupção, uma desobediência. Isso é muito bem-vindo.

[Clarissa Levy] Você sempre escreve muito sobre o papel do jornalismo e como a gente do jornalismo, da comunicação, pode servir ou não para bancar determinadas disputas. Como você tem olhado para esse momento? Será que a gente tem possibilidade de criar mesmo? Se a gente pegar a disputa da prefeitura de São Paulo, por exemplo, agora a gente tem um outro outsider que nega o sistema, que é absolutamente agressivo e espalha desinformação direta e abertamente. Eu tô falando do candidato Pablo Marçal e uma certa dificuldade da gente ainda de lidar com isso, tanto no nosso trabalho jornalístico como nas próprias redes sociais.

É que de fato é muito difícil você concorrer com isso. Com esse tipo de respeito. Esse tipo de desrespeito lacroso, feito para corte, que a gente tem visto, é difícil de concorrer.

A gente tem que pensar, “concorrer com isso como?” Fazendo a mesma coisa? Porque talvez só uma uma resposta muito parecida tivesse efeitos parecidos, mas a gente quer produzir isso? É isso que essa comunicação quer?

A gente tem de fato uma sociedade muito conservadora, mesmo entre jovens também é muito conservador. Esses recortes mostram entre a geração Z, por exemplo, que os homens [jovens] são mais conservadores que as mulheres. Até o deputado federal Nicolas Ferreira [PL-MG] como um exemplo. Então a gente quer concorrer com isso? Quer, mas a gente vai concorrer com a mesma linguagem? Não, isso com certeza.

Essa linguagem do desrespeito, ela vai encontrar de fato uma ressonância social. Existe de fato uma resposta a isso. Ao mesmo tempo, eu acho que a gente tem elementos muito interessantes e que deram certo na campanha presidencial de 2022. A própria frente ampla reunindo nomes como o Alckmin e o próprio Lula. Acho que a comunicação do vice-presidente ainda é muito interessante. A comunicação de Alckmin é melhor, em termos de amplitude nas redes. Ela é muito mais interessante, às vezes, do que a própria comunicação do presidente.

Eu entendo que são postos muito diferentes, mas a utilização por exemplo dessa questão do humor, de se levar menos a sério. Esses são pontos que são interessantes nessa comunicação. Esse tipo de recurso vai ser importante também muitas vezes. Mesmo no jornalismo, eu acho que a gente pode lidar com elementos da ficção, com elementos da dramaturgia, do humor, do deboche. Não dá para tratar extrema direita a partir dos cercadinhos, fazendo perguntas para um comediante vestido de presidente e perguntar se ele tem uma proposta para o Brasil. Não dá para lidar desse jeito.

Eu acho que é de fato repensar. Que tipo de pergunta se faz a um Milei, com a metralhadora em cima de um carro? Como eu, jornalista, faço uma pergunta para esse candidato que não está interessado em conversar comigo? Acho que o momento ainda é de aprendizado. 

[Clarissa Levy] Você publicou um texto recente, falando “por um jornalismo que mire numa democracia radical”. Eu queria te pedir para contar para a gente que democracia radical é essa que você mira. Qual o papel que o jornalismo teria na construção disso.

Essa questão de uma democracia radical parece, inclusive, ser um pouco contraditória, né? Mas, pensando numa democracia melhor para a maioria da população brasileira, eu acho que o primeiro entendimento é que a gente tem que entender democracia como aquela vivida no cotidiano de uma maneira não homogênea. A gente trata ela de maneira homogênea, como se existisse uma democracia de forma homogênea que vai dar conta desse país, mas é impossível que exista uma democracia homogênea, como uma coisa que você pega na prateleira e diga, “pronto isso é uma democracia”, que vai conseguir corresponder a uma sociedade tão fraturada como a brasileira.

O ponto de partida dessas fraturas são as desigualdades. Desigualdade de renda, desigualdade de raça, desigualdade de gênero, que estão bastante atreladas, né? Elas vão estar muitas vezes mescladas.

Tem uma democracia que é mais democracia, para uma população brasileira do que para outra população brasileira. Quando a gente fala que quer a volta da democracia, que essa democracia está em risco, eu digo “mas de que democracia estamos falando?”.

É muito difícil, às vezes, como é que a gente chega nas populações, para as pessoas que estão ali em determinado lugar, para conseguirem entender que a democracia é importante. Ou chegar em pessoas evangélicas, pobres… É difícil chegar nelas, em primeiro lugar, porque a gente às vezes trata os nossos problemas como se fossem os problemas delas. E aí a pessoa vai olhar para vocês e dizer, “Gata, pra cima de moiDo que você tá falando, sabe? Eu passo três horas para chegar no meu trabalho. Eu não tô a fim de discutir isso com você.

O que eu estou falando é que a democracia radical ela não é estabelecida necessariamente por uma ideia que a gente tem de manutenção e partidos políticos que não são extrema direita, pela política partidária em si muitas vezes, né? A gente tem que conectar a política partidária, de fato, com essa questão. Por exemplo, com a questão do transporte público.

O transporte público é um sistema de sofrimento. O transporte público brasileiro é uma máquina de moer pessoas, de produção de sofrimento. Eu acho que é uma das questões mais importantes no debate, que eu vejo aparecer muito pouco. Nós, do campo progressista de maior capital, talvez econômico e cultural, estamos discutindo essas questões muito pouco. 

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