Jonathan Cook afirma que Kibutz Be’eri, usado para mostrar terror do Hamas, deveria servir para jornalistas questionarem versão de Israel
Por Renato Santana, compartilhado de Jornal GGN
Na foto: Lucy Williamson, da BBC, é levada pelos militares israelenses para ver os danos do kibutz
No entanto, revelou o jornalista Jonathan Cook em seu blog, nenhuma das suas reportagens destacou comentários feitos ao principal jornal israelense, o Haaretz, por Tuval Escapa, o coordenador de segurança do kibutz.
Escapa disse ao Haaretz que os comandantes militares israelenses ordenaram o “bombardeio [de] casas contra seus ocupantes, a fim de eliminar os terroristas junto com os reféns [israelenses]”.
Cook diz ainda que Williamson também não se referiu ao testemunho de Yasmin Porat, que procurou abrigo em Be’eri no festival de música Nova, nas proximidades, atacado no último dia 7 de outubro pelo Hamas.
Porat disse à Rádio Israelita que assim que as forças especiais israelenses chegaram: “eliminaram toda a gente, incluindo os reféns [israelenses], porque havia fogo cruzado muito, muito pesado”.
“Serão as imagens de corpos carbonizados apresentadas pela BBC, acompanhadas de uma advertência sobre a sua natureza gráfica e perturbadora, uma prova incontestável de que o Hamas se comportou como monstros, empenhados no mais distorcido tipo de vingança?”, questiona Cook.
Que segue se perguntando: “ou poderão esses restos enegrecidos ser uma prova de que civis israelenses e combatentes do Hamas queimaram lado a lado, depois de terem sido engolidos pelas chamas causadas pelos bombardeamentos israelenses às casas?”.
Cobertura ou assessoria de imprensa?
Jonathan Cook é um escritor britânico e jornalista freelancer baseado em Nazaré, Israel, que trata de forma especializada sobre o conflito israelense-palestino. Ele escreve uma coluna regular para The National of Abu Dhabi e Middle East Eye.
O que ele questiona, na verdade, é a razão da mídia Ocidental, sobretudo grandes veículos, como a BBC, que abastecem jornais, rádios e televisões por todo o Ocidente, ter estabelecido um tipo de cobertura parcial que não é visto nem mesmo em Israel, cuja cobertura vem sendo crítica às decisões do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Para o jornalista, a BBC e outros veículos estão fazendo mais assessoria de imprensa do que jornalismo crítico e investigativo. Ele explica que Lucy Williamson, da BBC, foi levada mais uma vez nesta semana para assistir à terrível destruição numa comunidade de kibutz nos arredores de Gaza, atacada em 7 de outubro.
Seções da parede de concreto tinham buracos ou desabaram totalmente. E partes dos edifícios que ainda estavam de pé estavam profundamente carbonizados. Parecia um pequeno instantâneo dos atuais horrores em Gaza.
“Há uma razão possível para essas semelhanças”, escreve Cook, “uma razão que a BBC está deliberadamente a falhar em relatar, apesar das provas crescentes provenientes de uma variedade de fontes, incluindo os meios de comunicação israelitas”.
Para ele, em vez disso, a BBC adere resolutamente a uma narrativa elaborada para o resto dos meios de comunicação ocidentais, pelos militares israelenses: que só o Hamas causou toda esta destruição.
Negligência jornalística
A simples repetição dessa narrativa, sem quaisquer ressalvas, já atingiu “o nível de negligência jornalística”, defende Cook. E, no entanto, é precisamente isso que a BBC faz noite após noite, revela.
“Apenas uma rápida olhada nos destroços nas diversas comunidades de kibutz que foram atacadas naquele dia deveria levantar questões na mente de qualquer bom repórter. Estariam os militantes palestinos em posição de realmente infligir danos físicos nesse grau e extensão com o tipo de armas ligeiras que transportavam?”, segue a questionar.
Quem mais estaria em posição de causar tal destruição além de Israel?
Mais questões são levantadas por Cook que a cobertura Ocidental se nega a responder: qual foi o propósito de tais danos? O que é que os militantes palestinos esperavam conseguir com isso?
A resposta implícita que os meios de comunicação social fornecem é também a resposta que os militares israelenses querem que o público ocidental ouça: “que o Hamas se envolveu numa orgia de matança gratuita e de selvageria porque… bem, digamos em voz alta a parte silenciosa: porque os palestinos são inerentemente selvagens”.
Tendo isso como narrativa implícita, os políticos ocidentais receberam licença para apoiar Israel no assassinato de uma criança palestina em Gaza a cada poucos minutos. “Afinal, os selvagens só entendem a linguagem da selvageria”, escreve Cook.
Para Cook, com vasta experiência na cobertura do conflito,qualquer jornalista que pretenda evitar conluio no genocídio que se desenrola em Gaza deve ser cada vez mais cauteloso ao simplesmente repetir as afirmações dos militares israelenses sobre o que aconteceu em 7 de Outubro.
“Ou estão fadados a fazer assessoria de imprensa, como evidentemente a BBC está a fazer”, conclui.
O que se sabe até agora
Cook afirma que a partir de um conjunto crescente de provas recolhidas junto dos meios de comunicação social israelenses e de testemunhas oculares israelenses é possível saber que os militares israelenses foram completamente apanhados de surpresa pelos acontecimentos daquele dia.
Artilharia pesada, incluindo tanques e helicópteros de ataque, foi chamada para lidar com o Hamas. Esta parece ter sido uma decisão simples no que diz respeito às bases militares que o Hamas invadiu.
Israel tem uma política de longa data que visa evitar que os soldados israelenses sejam capturados – principalmente, devido ao elevado preço que a sociedade israelense insiste em pagar para garantir o regresso dos soldados.
Durante décadas, o chamado “procedimento de Hannibal” dos militares orientou as tropas israelitas a matar colegas soldados em vez de permitir que fossem capturados. Pela mesma razão, o Hamas despende muita energia na tentativa de encontrar formas inovadoras de capturar soldados.
“Os dois lados estão essencialmente envolvidos num tango brutal em que cada um compreende os movimentos de dança do outro”, diz Cook. Dada a situação do Hamas, que gere eficazmente o campo de concentração de Gaza controlado por Israel, tem à sua disposição estratégias de resistência limitadas.
A captura de soldados israelitas maximiza a sua influência. Podem ser negociados pela libertação de muitos dos milhares de presos políticos palestinianos detidos em prisões dentro de Israel, em violação do direito internacional.
Além disso, conta Cook, nas negociações, o Hamas normalmente espera conseguir uma flexibilização do cerco de Israel a Gaza, que já dura há 16 anos.
Para evitar este cenário, os comandantes israelenses alegadamente chamaram helicópteros de ataque às bases militares sobrecarregadas pelo Hamas em 7 de Outubro. Os helicópteros parecem ter disparado indiscriminadamente, apesar do risco que representava para os soldados israelitas na base que ainda estavam vivos.
A política de Israel foi uma política de terra arrasada para impedir que o Hamas alcançasse os seus objetivos. Isto pode, em parte, explicar a grande proporção de soldados israelitas entre os 1.300 mortos naquele dia.
Israel não quer investigação independente
Mas e a situação nas comunidades do kibutz?
“Quando o exército chegou e ficou em posição, o Hamas já estava bem implantado. Fez os habitantes como reféns dentro de suas próprias casas. Depoimentos de testemunhas oculares israelenses e relatos da mídia sugerem que o Hamas estava quase certamente tentando negociar uma passagem segura de volta a Gaza, usando os civis israelenses como escudos humanos”, conta.
Os civis eram a única saída dos combatentes do Hamas e poderiam mais tarde ser convertidos em moedas de troca para a libertação de prisioneiros palestinos.
“As provas – provenientes de relatórios da mídia israelense e de testemunhas oculares, bem como uma série de pistas visuais da própria cena do crime – contam uma história muito mais complexa do que a apresentada todas as noites na BBC”, segue Cook.
O jornalista questiona que será que os militares israelenses dispararam contra as casas de civis controladas pelo Hamas da mesma forma que dispararam contra as suas próprias bases militares, e com o mesmo desrespeito pela segurança dos israelitas no interior?
“O objetivo em cada caso era evitar a todo o custo que o Hamas fizesse reféns cuja libertação exigiria um preço muito elevado por parte de Israel?”, pergunta.
Para o jornalista, Israel não concorda com uma investigação independente, pelo que nunca haverá uma resposta definitiva. “Mas isso não exime os meios de comunicação social do seu dever profissional e moral de serem cautelosos”, escreveu.