O livro Me, the People, de Nadia Urbinati, ensina como se tornar um líder populista em cinco passos. A fórmula serve para políticos, jornalistas, advogados, juízes, policiais e religiosos*.
Por Márcio Chaer, compartilhado de Conjur
A receita, sinteticamente, é esta: 1) identifique pessoas infelizes; 2) aumente o medo dessas pessoas de que as coisas piorem; 3) culpe alguém; 4) desmoralize as instituições, como o Congresso ou o STF; e 5) use meios de comunicação para amplificar a mensagem.
Em todo o mundo e em todos os tempos, esse script mostrou-se infalível. O melhor exemplo contemporâneo, no Brasil, da eficiência do truque foi o lavajatismo, que entregou o governo do país a Jair Bolsonaro. Embora os protagonistas mais visíveis da patranha tenham sido Sergio Moro e Deltan Dallagnol, uma grande rede, hoje camuflada, ainda não foi devidamente identificada.
O esquema que se autoapelidou “operação lava jato” foi uma ilusão de ótica que hipnotizou incautos. Seguiu-se o script desenhado por Nadia Urbinati. Adotou-se a mentira como elemento jurídico, julgamentos sem provas e condenações sem culpa demonstrada. Famílias inteiras foram levadas ao desespero. Empresários tiveram sua liberdade e negócios sequestrados. O resgate do sequestro foram multas altíssimas. Para o grande público, a extorsão foi descrita como “confissão de culpa”.
O que se sabe hoje dessa página infeliz da nossa história é que os paladinos do falso combate à corrupção encenaram uma pantomima. Idealismo tarifado. Usaram o biombo da demagogia e do populismo para atender a interesses pessoais e políticos. Em duas ocasiões tentaram se tornar gestores de uma massa de pelo menos R$ 4 bilhões.
Sergio Moro elegeu Jair Bolsonaro e virou ministro da Justiça. Sua mulher foi para a Câmara dos Deputados junto com Deltan Dallagnol, hoje no limbo. Os órgãos de controle da Justiça e do Ministério Público concluíram que pelo menos R$ 2 bilhões, antes que o STF brecasse a farra, foram parar em local incerto e não sabido. Diferentemente do “novo Direito” que praticaram, nesse caso, os crimes têm materialidade.
Recentemente, esta revista eletrônica divulgou conversas entre os protagonistas da finada “lava jato” mencionando jornalistas. Uma reação coordenada dos personagens que trabalharam na missão de emparedar ministros do STF e do STJ — com o fito de enfraquecê-los para, à época, manter o império de Curitiba — levou o site a buscar em um acervo de quase cinco mil páginas o que fizeram os falsos idealistas.
Impossível não associar a atuação de alguns jornalistas a seus iguais que, durante a ditadura militar de 64, tornaram-se agentes da repressão e, em troca de favores, alcaguetavam vítimas que eram presas ou mortas. Muitos sem qualquer nexo com a pretensa “subversão”, mas que pagaram por serem desafetos dos chamados “dedos-duros”. Esses oportunistas eram conhecidos pela alcunha de “cachorros”, nome usado pelos seus próprios adestradores para descrevê-los.
O exame dos milhares de diálogos, já reconhecidos como autênticos pela polícia e pelo Supremo Tribunal Federal, mostra jornalistas em seu papel: negociando com fontes para obter notícias, o que é legítimo. Mostra também procuradores dando preferência para veículos de maior capilaridade. O que também é razoável.
Mas mostra também repórteres atuando como capangas dos falsos paladinos da justiça. Comparsas de um esquema vergonhoso agrupados num gigantesco comitê eleitoral de Jair Bolsonaro que levou para Brasília o bando de “patriotas” que se achou capaz de tomar o poder à força. No melhor estilo “lavajatista”: explorando a ignorância alheia, distorcendo os fatos e investindo na perversidade dos linchadores que desejam o mal do próximo para se confortar com sua situação ruim.
Os cúmplices dessa picaretagem ainda tentam ressuscitar a histeria que dominou o país a partir de 2014. A lorota dos vigaristas é a mesma desde o início: a “lava jato” foi sepultada porque as “forças do mal” venceram e a corrupção voltou, dizem os embusteiros.
Lá do fundo do esgoto, para onde foram varridos, animadores de auditório e atores que faturaram com a falsa luta contra a corrupção ainda empostam a voz e lutam para voltar à ribalta. É o caso de Josias de Souza, Diogo Mainardi e outros atores que, sem coerência alguma, criticam agora os “excessos” que eles antes anunciaram como a redenção da humanidade.
Dublê de pastor da Praça da Sé, Josias de Souza era uma correia de transmissão da plantação de notícias falsas de Curitiba. Seu papel era o de pregar prisão para toda e qualquer criatura que seus adestradores mandavam. Entre as suas incumbências estava a de atirar nas pernas dos advogados de defesa, para o deleite de Deltan Dallagnol. Hoje tenta falsificar dados factuais para fugir da cena do crime.
Em uma análise feita pela assessoria de imprensa (a oficial) do Ministério Público, uma assessora concluiu que o radicalismo de Josias ia muito além dos procuradores, que pretendiam anular o Supremo e tribunais superiores. “Se BSB dependesse dele, já estaria em ruínas…”, disse a assessora. Dias depois, em nome do portal UOL, Josias propõs que a empresa passasse a fazer parte do organograma das organizações “lava jato”: “Josias do UOL me ligou dizendo que o UOL tem interesse em fazer uma PARCERIA com a pesquisa das medidas anticorrupção. Não sabem bem o que é, mas eu tinha passado uma ideia pro Josias, só não sei se ele não confundiu a primeira e a segunda fase da campanha. Mais ainda: o UOL quer fazer uma lista de fichas sujas (talvez nisso queiram ajuda também)… Acho super interessante. Para a visibilidade do projeto, seria top essa parceria”, afirmou a assessora de nome Liliana, em janeiro de 2018 — os diálogos são reproduzidos aqui em sua grafia original.
Em maio de 2018, Deltan definiu o parceiro como “o jornalista ideal”. Mais: “um avião, Confio nele.” Esse herói anônimo da “lava jato” era sistematicamente reconhecido:
“07:10:58 Melina https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2018/05/15/punir-procurador-por-criticar-temer-e-temeridade/
07:11:15 Melina olha Josias aí, pessoal. Arrasou”.
Com a coragem dos inimputáveis, Josias construiu um personagem de filme mexicano. Cavalgando textos cheios de lições de moral, ofende, injuria, calunia pessoas que, absolvidas depois, não merecem uma retificação das notícias que ainda estão no ar ou, ao menos, um pedido de desculpas. Como se jornalista tivesse licença para atirar em quem quiser sem responder por seus atos.
As ferramentas de trabalho dos pets de Curitiba eram e continuam sendo o proselitismo, a demagogia, platitudes e a retórica vazia. Odeiam a vida real, o que fica patente pelas fantasias que forjam para enganar seus leitores.
As entidades jornalísticas bem fariam se promovessem um grande seminário, transmitido ao vivo, para que os jornalistas que construíram o lavajatismo tenham a chance de explicar o que ganharam por esse trabalho e tentar mostrar os fundamentos de suas “certezas”. Os leitores agradeceriam a oportunidade.
Veja as obras completas de Josias de Souza
Candidatura de Deltan ao Senado/aconselhamento com Josias
Trechos dos ataques em que Josias fustiga o Supremo e exalta a “lava jato”
24/1/2017: “Se vingar o método mais usual de redistribuição dos processos, o futuro da Lava Jato será jogado numa espécie de loteria togada. Optando-se por restringir o sorteio à Segunda Turma, as opções serão: Celso de Mello, Gilmar Mendes, Dias Tofoli e Ricardo Lewandowski. O sorteado pode rejeitar a incumbência, forçando a realização de novo sorteio.
O Supremo flerta com o desgaste. Os próprios investigadores da Lava Jato enxergam magistrados como Lewandowski e Toffoli, por exemplo, como inimigos da operação. Dependendo do nome a ser escolhido, a plateia pode ficar com a sensação de que a Justiça, além de cega, está com a balança desregulada e a espada sem fio” https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2017/01/24/sorteio-submete-lava-jato-a-uma-loteria-togada/.
17/10/2017: “Para Dellagnol a anomalia pode se agravar se o Supremo permitir que ocorra a combinação de duas novidades: a aprovação de restrições à abrangência do foro privilegiado e a revisão da regra que permitiu a execução da pena já na segunda instância. O procurador avalia que o envio de parlamentares e autoridades da Suprema Corte para a primeira instância do Judiciário seria uma providência benfazeja” https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2017/10/17/deltan-teme-que-stf-impeca-prisao-de-condenados-poderosos-inclusive-lula/.
27/1/2018: “É como se o Supremo se alistasse voluntariamente à volante petista, que esculhamba o Judiciário e prega a ‘desobediência civil’. Consumado o processo de autodesmoralização, bastará a um magistrado permanecer agachado no plenário do Supremo para ser considerado um ministro de grande estatura” https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2018/01/27/tachado-de-covarde-stf-livrara-lula-da-cadeia/.
5/2/2018: “O Supremo ainda não condenou um mísero réu da lava jato. Pior: uma banda do tribunal flerta com a ideia de livrar Lula da cadeia. Fica-se com a impressão de que a República não significa mais coisa pública, mas cosa nostra. Enquanto a lei não valer para todo mundo, a democracia será sempre relativa, mas a corrupção continuará sendo absoluta. […] Com informação, o eleitor pode fazer justiça com os próprios dedos” https://www.youtube.com/watch?v=49X3lfahjFg.
26/6/2018: “Muita gente vem chamando a atenção do Supremo, mas os alertas têm se revelado insuficientes. Quanto mais se critica a Suprema Corte, mais desmoralizada ela se empenha em ficar. A instância máxima do Judiciário revela-se incapaz de resistir aos seus impulsos autodestrutivos. Isolado, Edson Fachin, o relator da lava jato, empurrou o julgamento do recurso sobre a libertação de Lula para agosto, transferindo a decisão para o plenário do Supremo. Fachin pressentiu que na Segunda Turma levaria uma sova. Esse ambiente de guerrilha pulveriza a supremacia da corte, desmoraliza o esforço anticorrupção e aproxima as togas ao que há de pior no Legislativo e no Executivo. A diferença é que os outros poderes foram arrastados para o lodo pela lava jato. O Poder Judiciário toma o caminho do brejo por conta própria” https://www.youtube.com/watch?v=XVG2jQ8mMIY.
5/12/2018: “Há de tudo no Supremo — de ministro reprovado em concurso para juiz até magistrado que mantém negócio privado. Só não há segurança jurídica. Existem na prática não um, mas 14 supremos: os 11 ministros, as duas turmas e o plenário da Corte. O Supremo parece atirar contra a própria cabeça sem se dar conta de que a roleta russa também é uma modalidade de suicídio. Mas não se deve falar isso em voz alta. Eles podem chamar a Polícia Federal” https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2018/12/05/nao-critique-stf-em-voz-alta-eles-chamam-a-pf/.
31/12/2018: “Com uma fome convulsiva de limpeza, o brasileiro saiu da posição de vítima que reclama e assumiu o papel de protagonista que reage contra um ataque. No caso da política nacional, um ataque de desfaçatez. Pode se dizer que em 2013, quando o asfalto começou a roncar, foi o ano em que o brasileiro caiu em si. Em 2018, com um atraso de cinco anos veio a metabolização. […] A sociedade brasileira extraiu do apodrecimento da política, exposto na vitrine da lava jato, a energia para se mover. A renovação do Congresso, as surpresas verificadas em alguns estados e sobretudo a eleição de Jair Bolsonaro são tentativas de reação contra a podridão. […] O brasileiro entra em 2019 do jeito que escolheu: já não bate à porta, chuta. Aprendeu a fazer política com o pé. Desejo a você um 2019 de prósperos pontapés” https://www.youtube.com/watch?v=RmDBq0I469c.
16/6/2020: “A confusão que resulta dessa fusão entre os dois inquéritos convém ao Supremo. O inquérito das fake news, nascido de um canetaço de Dias Toffoli que o plenário se esforça a agora para ajeitar, vai se misturando com o inquérito sobre as manifestações que veio à luz regularmente, a partir de uma requisição da PGR. resta saber o que vai surgir desse cruzamento para definir la no final quem se desmoralizará: o Supremo ou Bolsonaro?” https://www.youtube.com/watch?v=PAU8xAZyFmY.
20/4/2021: “Dando sequência ao processo de esquartejamento da lava jato, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu três ações por improbidade administrativa que corriam na Justiça Federal de Curitiba contra o deputado Arthur Lira, o réu que preside a Câmara. Gilmar agiu no escurinho do sigilo judicial. Realçou no seu despacho que os processos tramitam sob segredo de Justiça, longe dos olhares dos brasileiros que pagam todas as contas” https://www.youtube.com/watch?v=zAJ7_Ahb8pU.
* O primeiro parágrafo deste texto já foi publicado nesta revista eletrônica (clique aqui para ler)