Hungria, Rússia, Turquia e Polônia lideram as agressões que, muitas vezes, são incentivadas por autoridades locais
Por The Conversation, compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: Em Cracóvia, na Polônia, manifestantes protestam contra o cerceamento da liberdade de imprensa por parte do governo (Foto Beata Zawrzel/NurPhoto via AFP)
(*Sara Torsner) Cada vez mais jornalistas europeus estão sofrendo agressões ao cobrirem a pandemia de covid-19. Dados do Conselho da Europa revelam que esses ataques mais do que dobraram entre 2019 e 2021. Foram registradas 33 agressões a repórteres em 2019, 51 em 2020 e 76 em 2021.
Os casos se concentram entre profissionais que cobrem protestos contra vacinação, lockdown e falhas nas medidas adotadas para evitar aglomerações. É uma tendência preocupante não só para a segurança dos jornalistas, mas também para a própria liberdade de expressão.
Na Itália, vários repórteres sofreram ataques e ameaças ao cobrirem manifestações contra o Passaporte Verde, criado pelo governo para atestar se seu portador foi vacinado, testou negativo ou se recupera da covid. O documento é obrigatório para que os cidadãos possam trabalhar, frequentar restaurantes e participar de eventos.
Em outubro, o fotógrafo Alessandro Serranò, do diário La Reppublica, deu entrada num hospital com ferimentos após sofrer violento ataque de um homem armado com uma pá durante um protesto em Roma. Seu colega Francesco Giovannetti tinha sofrido agressões semelhantes ao cobrir um protesto contra o Passaporte Verde um mês antes.
No Reino Unido também houve um aumento da violência contra a imprensa. Nick Watt, editor de política do noticiário Newsnight, da BBC, foi perseguido por uma multidão que gritava “traidor” e outros insultos em Downing Street, onde fica a sede do governo. Em agosto, um grupo que protestava contra a vacinação tentou invadir o que achava ser a sede da BBC, mas o prédio tinha sido esvaziado em 2013. Criticavam a cobertura da pandemia pela rede gritando “temos que derrubar esses bastardos” e “o vírus é a mídia”.
Como pano de fundo, vozes de políticos influentes trabalham para minar a credibilidade do jornalismo. Os frequentes ataques do então presidente americano Donald Trump à imprensa foram “eficazes para desgastar a credibilidade do jornalismo e dificultar um consenso sobre a covid-19, enquanto a pandemia matava cada vez mais americanos”, segundo o Comitê para a Proteção aos Jornalistas, de Nova York.
Na Europa, táticas similares foram adotadas por líderes como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. Tentativas de restringir a cobertura da pandemia são cada vez mais frequentes na Hungria, mas também na Sérvia, na Rússia e na Bulgária. Nesses países, houve um esforço para aprovar leis que expõem os jornalistas a riscos de prisão e multa pelo que as autoridades locais classificam como fake news e desinformação, mas na verdade se trata apenas de cobertura factual.
Enquanto o público ansiava por informação legítima sobre a pandemia e suas implicações, os ataques de autoridades russas, turcas, húngaras e polonesas à mídia resultaram em prejuízo à sua independência e crescente dominação dos veículos de comunicação por figurões políticos.
Na Hungria, a emissora independente Klubrádió teve sua licença cassada e, na Polônia, uma editora de jornais regionais foi comprada por uma companhia estatal de petróleo, enquanto entrava em vigor uma nova lei proibindo a propriedade de veículos de comunicação por estrangeiros.
O aumento da violência contra a imprensa europeia ocorre após uma série de assassinatos de jornalistas registrada pelo Conselho da Europa, o que inclui a morte em 2019 de Lyra McKee, na Irlanda do Norte, e de repórteres na Holanda, na Grécia, na Eslováquia e em Malta. Dos 33 assassinatos registrados entre 2015 e 2021, em 26 não houve julgamento e prisão dos assassinos.
Os ataques ao jornalismo não ocorrem em todos os países, é claro. Noruega, Finlândia e Suécia, por exemplo, permanecem no topo do ranking do Índice de Liberdade de Imprensa Mundial em 2021. Mas sinalizam uma tendência para sociedades cada vez mais radicalizadas, num ambiente de crescente restrição ao jornalismo independente.
*Sara Torsner é pós-doutoranda no Centro de Liberdade da Mídia da Universidade de Sheffield, no Reino Unido.
Tradução de Trajano de Moraes