Nessas minhas curtas férias pela Paraíba, fiz o percurso entre as cidades de João Pessoa e Solânea, mais de 130 km, de ônibus e de dia. Eu adoro fazer isso. Observo as pessoas e as paisagens, enquanto ouço música no meu MP3. A sensação de ouvir “O Ciúme”, do Caetano, enquanto se vê aquelas paisagens é algo divino.
Apenas na primeira parte do trajeto, entre João Pessoa e Guarabira (pouco mais de 100 km), contei 9 unidades básicas de saúde sendo construídas, duas unidades de pronto atendimento prontas (UPAs), 9 quadras de escolas sendo cobertas, 4 creches sendo construídas, pavimentação de todas as ruas da pequena cidade de Mari (muito pobre, por sinal), uma grande escola técnica inaugurada (em Mamanguape, com a presença do ministro Cid Gomes) e seis conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida. Todas as obras com recursos federais, ainda que licitadas pelas autoridades locais.
Chegando eao meu destino, em Solânea (com 27 mil habitantes), deparei-me com um dos principais assuntos da cidade: a expansão e o aumento significativo dos preços dos imóveis. Na cidade, há um condomínio já pronto, com todas as unidades vendidas e a construção de três novos, com todas as unidades igualmente já comercializadas. Além da visível melhora econômica da população local, um dos principais motivos para esse boom imobiliário é a presença significa de universitários e professores de ensino superior que aumentou muito devido à expansão do Campus III da Universidade Federal da Paraíba, que fica em Bananeiras, município bem menor e grudado à cidade (aliás, os novos prédios já foram construídos em Solânea).
Foram quatro grandes novos prédios construídos nos últimos três anos, permitindo a criação de novos cursos, quase todos ligados à agricultura – o que trouxe estudantes e pesquisadores de diversas regiões do Brasil para morar por lá. Segundo minha tia, militante política da região, o objetivo desses cursos é preparar o jovem para melhorar o cultivo da terra dos pais agricultores, criando uma classe média rural que não se sinta obrigada a migrar por força das circunstâncias.
Outro fator que encarece o preço dos imóveis é a presença de trabalhadores de dois grandes empreendimentos: uma obra gigantesca para a interligação de rede elétrica com outras áreas do Brasil (liga o Norte do Brasil, passa pelo brejo e pelo sertão e vai até Natal) e outra que está fazendo a transposição do Rio Paraíba, a partir de sua maior represa (no município de Cuitegi, visitado por mim; minha madrinha mora neste munícipio) até a área do Curimataú, começo do sertão.
A parte final do sertão está sendo beneficiada com a transposição do Rio São Francisco. Enquanto estava lá, foi informado na televisão que o governo federal está criando vilas produtivas rurais para para abrigar as famílias afetadas pelas obras, sendo três em São José de Piranhas, uma em Cajazeiras e uma em Monteiro. Além de casas, terras e serviços (escolas, UBS etc.), os moradores dessas vilas receberam capacitação profissional.
Grande parte dos trabalhadores dessas duas grandes obras é de jovens bolivianos, uma absoluta novidade étnica por aqueles lados. Mas não estão com regime de escravidão. Meu primo trabalhou nelas e elogiou as condições e os salários dos trabalhadores.
Outro assunto permanente é a questão da água. A seca por lá é uma das mais violentas já vividas – algo que se revela nas paisagens secas até mesmo da região serrana (Solânea fica no alto de uma serra a 630m acima do nível do mar, na região do brejo paraibano). Só há água da torneira uma vez por semana. O prefeito mandou cavar três poços artesianos, que têm ajudado bastante a diminuir o problema.
Entretanto, todas as casas da área urbana ou rural têm, no mínimo, uma cisterna de 30 mil litros, igualmente construídas nos últimos oito anos (o governo federal construiu um milhão e cem mil cistenas na região do semi-árido nordestino). Cada cisterna é numerada (as da minha família estão na série 237 800) e, em sua maioria, são ligadas à rede de canos da casa, evitando o carregamento de baldes.
Assim, o problema da seca por lá tem sido grave principalmente para a agricultura. Não há risco de abastecimento de água na localidade, apesar da represa da cidade estar apenas com 3% de sua capacidade.
Em tempo: uma nova represa está sendo construída na cidade, com recursos do governo federal e deve ficar pronta no final do ano.
Outro assunto pujante é o crédito agrícola, especialmente para os agricultores familiares. Uma das minhas tias conseguiu um empréstimo de 16 mil reais para investir em seu sítio, cujo início do pagamento ocorrerá apenas daqui a dois anos, quando a safra proporcionar o retorno dos investimentos. Perguntada por mim se não seria arriscado o empréstimo, ela brincou que “o sistema era Lula-Dilma”, referindo-se ao apoio que aquela região tem recebido: começará a pagar 200 reais por mês daqui a dois anos, com juros negativos (pagará apenas R$ 13 500, reais ao final do processo).
Outra minha parente, com um sítio menor, pediu apenas 3500,00, já que há um limite do empréstimo de acordo com o terreno.O governo federal criou um programa de crédito para a agricultura familiar (PRONAF) que tem beneficiado centenas de milhares de pequenos agricultores no Brasil. Fiquei sabendo dele por meio delas.
Todas as prefeituras da região receberam seis máquinas agrícolas do governo federal para o programa de agricultura familiar. Basta o pequeno agricultor ir à prefeitura e solicitá-las gratuitamente, para que seja cavada uma cacimba e, assim armazenar água para os bichos, ou um trator para abrir ou arrumar uma estrada para o sítio, ou para qualquer outra tarefa.
Por fim, em João Pessoa, um dos principais assuntos foi a inauguração do Centro de Convenções, uma obra do PAC 2. A capital paraibana era a única capital nordestina que não tinha um centro desses – o que a fazia perder turistas para capitais vizinhas (Natal e Recife). Ele está localizado num lugar distante do centro, no caminho das magníficas praias do litoral sul, exatamente para estimular a criação de uma rede hoteleira de alto padrão no percurso do centro até ele.
Contando assim tudo parece às mil maravilhas, não? Mas não é assim. Enquanto cidades com melhores administrações fazem bom uso desses recursos (Bayeux, Lagoa de Dentro, Solânea, Areia), outros desviam verbas e parecem deixar a cidade à míngua (como parece ser o caso de Arara). Há muitas obras aparentemente paradas, certamente por conchavos entre as empreiteiras e os políticos locais. Além disso, os salários continuam baixos e os empregos privados são um tanto precários.
Outro ponto extremamente negativo é a violência. A Paraíba tem duas das cidades mais violentas da América Latina. Além disso, no caminho entre Solânea e Serraria, presenciei oito sítios abandonados por conta de seguidos assaltos. As causas para esse aumento da violência são complexas, mas certamente estão relacionadas ao aumento da renda, que trouxe consigo toda a tragédia do consumo de drogas e dos crimes associados a ele, além da tradição cultural local de resolver conflitos de maneira armada.
Por fim, e diante de tantos e complexos fenômenos citados neste texto, entende-se melhor as razões da população nordestina ter votado maciçamente na Presidente Dilma. Neste contexto, atribuir sua votação unicamente à bolsa família é preconceito num grau exacerbado, digno de crime de racismo. Simples assim.
As classes médias urbanas, notadamente do sudeste e do sul, precisam entender o que está acontecendo em outras regiões do Brasil. É preciso expandir nossos olhos para além do rame-rame cotidiano e local. Trata-se de tarefa difícil, mas necessária. Seria bom se a oposição também entendesse isso. Todos ganharíamos. Quem sabe assim seria construída uma terceira via vigorosa e sólida de alternativa de poder.
Afinal, como diria Tom Jobim, “O Brasil não é para principiantes”.