Por Maíra Streit para Revista Forum –
Redução da maioridade penal, privatização das universidades públicas, kit para ensinar meninos a serem “machos” e até defesa do regime militar: conheça quem são e o que pensam os jovens candidatos da direita brasileira
A maioria deles nasceu nos anos 1980, período marcante no processo de redemocratização do país. Foi nessa década que eclodiu o movimento Diretas Já, em que diversos setores da sociedade – como lideranças sindicais, artistas, jornalistas e estudantes – se uniram para pedir eleições diretas para presidente. Foi também nessa fase o fim do conturbado regime militar, que, sob o pretexto de combater o comunismo, traçou várias das mais sangrentas páginas da história brasileira, com atos de censura, repressão e mortes.
A partir daí abriu-se espaço para um outro momento, com a aprovação de uma nova Constituição Federal para, no fim da década, ser a vez de o povo finalmente ir às urnas para eleger seu maior representante – e ter forças para tirá-lo três anos depois, devido a denúncias de corrupção. Não há dúvidas de que os anos 1980 foram tumultuados e igualmente importantes para o que se entende hoje da política brasileira.
E é natural pensar que essa geração, nascida em meio a tantas conquistas democráticas, tenha crescido com uma visão mais progressista e libertária, uma vez que herdou as benesses vindas da luta de gerações anteriores e só precisava mantê-las. Porém, na prática, a realidade não é bem essa. Muitos rostos jovens aparecem, cada vez mais, na defesa de valores que deixariam os militares de outrora bastante orgulhosos.
Pena de morte, redução da maioridade penal, endurecimento de táticas para conseguir confissões de suspeitos e até a volta dos anos de chumbo. Essas são algumas das bandeiras levantadas por uma ala que, segundo especialistas, está perdendo a vergonha de marcar posição e assumir seus ideais conservadores. A nova direita no país é formada por lideranças determinadas a romper com o que consideram uma afronta aos “valores da família tradicional” e supostos retrocessos econômicos e sociais implantados pelo governo nos últimos anos.
Trazendo para o atual cenário – em momento de plenas campanhas eleitorais –, o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo federal acirrou a polarização ideológica no Brasil. Aqueles que contrariam as medidas populares assumidas por essa gestão passaram a bater de frente com as propostas de redução das disparidades econômicas e das distinções por gênero, orientação sexual, etnia ou modo de vida.
Ele afirma que o sentimento de “antiesquerdismo” uniu grupos liderados pelo PSDB que pudessem contrapor, de maneira mais enfática, o modo de gestão adotado atualmente. “Chama a atenção, particularmente, o conservadorismo de uma certa juventude tucana, sobretudo quando comparado à posição dos tucanos mais velhos, fundadores do partido, bem menos conservadores. Virou o partido do que em minha juventude chamávamos de ‘mauricinhos’, hoje chamados de ‘coxinhas’”, ressalta.
Para Couto, o rechaço aos programas sociais vigentes traduz o incômodo que eles podem gerar nas camadas mais conservadoras da população e cita como exemplo o programa Bolsa Família, apelidado por parte da oposição de “Bolsa Esmola”. “Os direitistas tendem a rejeitar as políticas públicas que efetivam a igualdade. Assim, podem dizer que não são contra o valor da igualdade, mas rejeitam qualquer meio prático que possibilite buscá-la. E, claro, sempre usam para essa desqualificação o argumento da meritocracia, como se houvesse uma competição equitativa entre os que partem de condições muito desiguais”, explica.
A juventude direitista, então, assumiu o discurso moralizante de seus antepassados e tratou de levá-lo adiante, com todo o afinco. Para o professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), João Feres Júnior, é compreensível que isso aconteça. Ele lembra que, com as grandes manifestações de junho de 2013, houve um discurso apolítico bastante expressivo dentro de uma multidão heterogênea e desorganizada. “Mas, ao mesmo tempo, quando se olha para o lado das eleições, a tendência dos apolíticos é defender os candidatos de direita. Eles pedem mudanças, mas acabam votando nos mesmos, ou até em outros piores”, ressalta.
O especialista destaca que o Brasil viveu, até hoje, um período de transição democrática. Porém, o discurso de direita vinha sendo mantido com o apoio da mídia, que, segundo ele, defende a opinião de apenas um lado: o do liberalismo econômico e de outros ideais conservadores na sociedade. Feres vê a reafirmação desses grupos como parte natural do amadurecimento da democracia no país. No entanto, faz um alerta: “A direita tem sido golpista no Brasil. Espero que não aconteça mais e eles se mantenham dentro do debate, mas acho que ocorreria de novo, se tivessem a oportunidade”.
O que mostram os números
Em 2013, uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha indagou os brasileiros sobre uma série de questões envolvendo concepções políticas e sociais. O resultado mostrou que, de forma geral, a população se divide de maneira igualitária entre a direita (39%, sendo 10% de direita, e os demais 29%, de centro-direita) e esquerda (41%, sendo 10% de esquerda, e 31% de centro-esquerda).
Quando o assunto é economia, a maior fatia fica à esquerda (46%, considerando 21% de esquerda, e outros 25% de centro-esquerda), enquanto a direita abrange 26% (8% de direita, e 18%, de centro-direita), e o centro abriga 27%. Ao tratar somente de temas comportamentais ligados a valores, os segmentos da população com mais afinidades com a direita (49%, sendo 12% de direita, e 37%, de centro-direita) ultrapassam os mais ligados à esquerda (29%, sendo 4% afinados com a esquerda, e 25%, com a centro-esquerda), e o centro ganha espaço (22%).
O levantamento ouviu a opinião de quase 5 mil pessoas em cerca de 194 municípios, acerca de assuntos como crença em Deus, homossexualidade, pobreza, uso de drogas, criminalidade e posse de armas. Os posicionamentos defendidos pelos entrevistados mostram que a sociedade brasileira ainda mantém opiniões conservadoras a respeito de muitos temas considerados polêmicos no cenário nacional.
E é nesse nicho que os partidos de direita têm apostado para conseguir alavancar votos e eleger seus representantes. O professor Adriano Codato, do Departamento de Ciência Política e Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), chama a atenção para uma parcela de alguns desses grupos que, embora seja “eleitoralmente irrelevante”, tem visibilidade nas redes sociais, nos fóruns de discussão e é alimentada pela grande imprensa por conta de suas notícias e opiniões.
A grande contradição, segundo Codato, está em determinados candidatos defenderem, ao mesmo tempo, o liberalismo econômico, mas se oporem frontalmente a alguns valores individuais. E, para ele, essa é também uma concepção que muda de acordo com a classe social. “À medida em que as pessoas melhoram de vida, elas tendem a ser mais conservadoras, justamente para não arriscar perder o status conquistado”, afirma.
Quem são eles?
Os estudiosos apontam para os efeitos das grandes manifestações do ano passado na integração de parte da juventude no discurso ideológico de direita. Também alertam que a mídia tem, em grande parte, responsabilidade na manutenção de um viés mais reacionário no país, além da polarização política inevitável com a ascensão do PT ao poder, que, de certa forma, uniu a oposição para derrubá-lo. Mas o que pensam os próprios jovens que integram e defendem os ideais de direita?
Fórum foi ouvir quatro representantes que concorrem a cargos públicos nas eleições deste ano, para entender as motivações, as propostas de campanha e o que, de fato, acreditam ser o melhor projeto para a mudança nas condições de vida da população. As opiniões são diversas e, muitas vezes, polêmicas. Quanto ao resultado disso tudo, somente as urnas poderão dizer.
“Praticantes do homossexualismo infectaram todas as instituições com o que chamo do vírus ideológico do ‘Eboiola’”, afirma
Idade: 31 anos
Partido: PSDB/DF
Profissão: advogado
Candidato a deputado federal
Em pouco tempo de vida pública, Matheus Sathler coleciona uma lista infindável de polêmicas em torno de seu nome. A maior delas diz respeito à defesa da criação de um “kit macho”, para ensinar meninos a “gostar somente de mulheres”, e um “kit fêmea”, que seria responsável por passar às meninas informações de como “serem femininas” e seguirem “o seu papel correto” na sociedade, segundo palavras do próprio advogado.
De acordo com ele, a proposta viria para contrapor o chamado “kit gay”, projeto de distribuição de conteúdos e materiais contra a homofobia nas escolas. A ideia foi apresentada durante a propaganda eleitoral na televisão e causou revolta entre militantes feministas e do movimento LGBT de todo o país.
Questionado sobre o mal-estar gerado pelo assunto, o presidente regional do PSDB, Eduardo Jorge, determinou que o programa fosse retirado do ar e afirmou que o partido não compactua com o tom homofóbico apresentado pelo jovem candidato. Porém, isso não impediu que Sathler continuasse defendendo o projeto em entrevistas e reuniões de campanha e, até o momento, não houve qualquer medida que inviabilizasse a sua candidatura.
O ataque às mulheres e aos homossexuais fica explícito, por exemplo, ao defender que esses grupos devem manter distância da polícia e das Forças Armadas. “Nós nos baseamos no fato de a mulher ser muito delicada para exercer tal atividade notoriamente bruta, rude e máscula. Mas minha posição mais contundente é contra a presença dos praticantes do homossexualismo [sic] nessa instituição tão honrada. O que eles querem não é servir a pátria, mas enfiar sua agenda sodomita goela abaixo para desmoralizar essa instituição de machos”, destaca.
Aliás, o linguajar politicamente incorreto se tornou marca registrada do candidato, que completou: “infelizmente os praticantes do homossexualismo infectaram todas as instituições com o que chamo do vírus ideológico do ‘Eboiola’, principalmente os partidos políticos”. Em vídeo publicado no YouTube, Stathler registra em cartório o seu compromisso de doar 50% do salário como deputado para “recuperação dos órgãos genitais” de vítimas de “estupro pedófilo homossexual”. Em outra gravação, chama a presidenta Dilma Rousseff de “anta” e afirma sentir orgulho de ser chamado de machista.
O raio privatizador não perdoa nem as universidades públicas
Idade: 34 anos
Partido: PRP/SP
Profissão: empresário
Candidato a deputado estadual
Com o slogan “Magoe um socialista, vote no Batista”, o candidato de São Paulo é autor de uma das campanhas mais excêntricas das eleições deste ano. Em vídeo de divulgação de sua candidatura, ele aparece como um super-herói que tem como poder o “raio privatizador”. Ao ser disparado contra universitários em uma manifestação, eles logo chegam à formatura. O “super-poder” também teria sido o responsável por melhorias nas condições do metrô.
Embora a maneira de explicitar isso seja questionável para alguns eleitores por causa do tom extremamente debochado, o material deixa nítida a ideia do candidato de que as privatizações são a melhor solução para os problemas da sociedade brasileira. Ideia essa que não deixou de fora nem mesmo universidades conceituadas como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), que na concepção dele, devem se tornar instituições particulares.
De acordo com Batista, a tradição de defender as universidades públicas seria uma forma de os mais pobres financiarem a faculdade dos mais ricos. “Cada aluno da USP, por exemplo, custa mensalmente aos cofres públicos cerca de R$ 4.500. Tais recursos são direcionados quase que exclusivamente a pagamentos de salários e encargos, deixando a instituição de joelhos diante de grupos de pressão como sindicatos e lideranças estudantis ligadas a partidos de esquerda”, acredita.
Outra crítica veemente do candidato do PRP diz respeito ao programa “De Braços Abertos”, implantado pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, para resgatar socialmente usuários de crack da região de Nova Luz, centro da cidade. Para ele, a iniciativa seria uma forma de o PT financiar o consumo de drogas entre os dependentes, o que ele chama de “Bolsa Crack”. “O suposto salário não é nada além de uma desculpa para a oferta de dinheiro a usuários de tal droga”, alega.
Ao contrário do que foi afirmado por Batista, dados do Sistema de Informações Criminais (Infocrim), da Secretaria Estadual de Segurança Pública, mostram que, após o programa, o consumo de crack foi reduzido, em média, de 50% a 70%. E, dos 422 beneficiários cadastrados, 23 já receberam o atestado médico de aptidão ao mercado de trabalho, com acompanhamento feito por equipes de saúde e assistência social.
Para ele, grupos LGBTs querem criar uma “super raça” e tentam segregar a sociedade
Idade: 30 anos
Partido: PSC/SP
Profissão: policial federal
Candidato a deputado federal
Eduardo estreia na política tendo como principal cabo eleitoral seu pai, o controverso deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ), que sustenta o título de um dos maiores opositores à causa LGBT do país. Além deste, Jair tem outros dois filhos que seguiram a mesma trajetória: o candidato a deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP/RJ) e ainda Carlos Bolsonaro (PP/RJ), que se tornou, nas eleições de 2000, o mais jovem vereador do Brasil.
Mesmo tendo sido o único a não aderir ao partido do pai, Eduardo não destoa das pautas defendidas pela família e ainda tem como padrinho político o colega de PSC Marco Feliciano, bastante criticado por sua atuação agressiva diante de minorias étnicas e sexuais.
Formado em Direito e inspetor da Polícia Federal, o jovem candidato do PSC tem como principais propostas a redução da maioridade penal, a defesa do agronegócio, da propriedade privada e da liberação do uso de armas para o cidadão comum, além da proibição do ensino da “ideologia de esquerda” nas escolas. Segundo ele, professores utilizam a sala de aula para defender o socialismo e a implantação de regimes totalitários, como parte de uma tentativa de doutrinação política.
Nesse contexto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é, obviamente, rechaçado por Eduardo. “Acreditamos que uma pessoa tem que ser valorizada por seu caráter e competência e não por sua convicção sexual, como propõem os articulados grupos LGBTs, que com essa nova modalidade de imposição de uma ‘super raça’, além de abocanhar milhões de reais de dinheiro público, mais uma vez tentam segregar a sociedade”, afirma.
Ele diz que, por possuir uma formação cristã, vê o assunto sob um ponto de vista diferente. “Eu me posiciono contrário, pois acredito que uma família saudável só pode ser formada por homem e mulher, conforme, inclusive, prevê nossa Constituição”, conclui, reafirmando que o pai é seu maior ídolo e inspiração nessa trajetória política.
O candidato do PSC diz que apoiaria caso os militares resolvessem voltar ao poder
Idade: 22 anos
Partido: PSC/SP
Profissão: estudante
Candidato a deputado federal
Lucas Trevizan se considera, antes de tudo, um patriota. Por ter sido militar, defende que o golpe de 1964 foi uma saída para “impedir o comunismo de tornar o Brasil uma franquia de Cuba”. Apesar de ser bastante jovem, com pouco mais de 20 anos, o discurso é antigo. “Meus pais, tios, primos e amigos viveram essa época e nenhum foi preso. Sabe por quê? Eles não frequentavam o covil dos guerrilheiros, não tramavam assaltos, não sequestravam, não mataram civis e militares. Eles estudavam e trabalhavam”, garante.
Assumidamente conservador, Lucas reforça o compromisso com a família tradicional como o maior patrimônio da nação e enfatiza ser parente de um dos líderes da extinta Aliança Renovadora Nacional (Arena), o ex-deputado Sólon Borges dos Reis, já falecido. “Tenho orgulho em dizer que a farda é minha segunda pele. Não há dúvidas de que o regime trouxe avanços para o Brasil. Se não fossem os militares, não seríamos o que somos hoje”, destaca.
Quanto a uma possível volta dos militares ao poder, ele não descarta o seu apoio, caso o país “precise de uma intervenção”. E complementa: “se essa for a vontade do povo”. Ele acredita que o que houve no período da ditadura foi uma exceção e que os livros deturpam a história, colocando os presos políticos como heróis.
Lucas diz não acreditar em um Estado laico porque, segundo ele, temos uma Constituição “promulgada sob a proteção de Deus”. O candidato afirma que a religião tem um papel fundamental na formação do ser humano e não vê equívocos em misturar crenças pessoais com o dia-a-dia de cargos públicos, já que tem como eleitorado o povo cristão e precisa representá-lo. “Religião e política são irmãs gêmeas. Porém, a política é a irmã rebelde”, filosofa.