Claro que não são só os judeus. Muitos brasileiros estão divididos (e se hostilizam nas redes sociais) por causa do conflito na Ucrânia. O tema ganhou proporções gigantescas, a ponto de todos esquecerem o problema maior do país, que é o desgoverno de Jair Bolsonaro, um psicopata que criou ainda mais confusão ao visitar a Rússia antes da eclosão do conflito. Ele foi o 24° líder mundial a conversar com Wladimir Putin em Moscou.
Por Simão Zygband, compartilhado de Construir Resistência
Mas os judeus, especificamente, são muito sensíveis ao tema, sobretudo os de origem europeia, pois muitos deles são descendentes de russos, ucranianos, poloneses, romenos, entre outros povos eslavos, o que demonstra raízes históricas com a região de conflito.
Sobre a questão da Ucrânia, especificamente, há divisão em todas as tendências, entre judeus e não judeus, de direita, centro e esquerda, apoiando ou repudiando a decisão de Putin de efetuar uma incursão armada sobre o território ucraniano.
No meu caso específico, filho de sobrevivente do Holocausto, também tenho a minha opinião formada e a certeza de que meu pai, se estivesse vivo (faleceu em 1988) entenderia as razões que levaram Putin a invadir a Ucrânia. Confesso que sou muito sensível ao tema, passei minha juventude vivendo a dialética de ser judeu no Brasil, mesmo não praticante do judaísmo e muito menos frequentador de movimentos juvenis judaicos, apesar de ter vivido 24 anos da minha vida no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, ter frequentado escola (Scholem Aleichem) e clube (Macabi) judeus.
Sou daqueles que, na minha formação judaica laica, fui muito atento a tudo que dizia respeito ao nazismo. Vinha de berço e de escola. Meu pai, um ateu comunista, tinha respeito (e admiração) pelos soviéticos que, liderados por Josef Stalin, conseguiram libertar a Europa (e quiçá o mundo) do julgo hitlerista. Fez parte do Exército Vermelho que chegou até Berlim, “desnazistando” toda a Europa. Isso me toca muito.
Há um filme emocionante sobre o tema, que eu gosto muito, chamado O Pianista, do brilhante diretor Roman Polanski, que mostra uma Varsóvia arrasada pelos nazistas, com os percalços do personagem principal, o pianista Wladyslaw Szpilman, que consegue sobreviver se escondendo entre os escombros da cidade arrasada. Trata-se de uma história real.
Na minha opinião, entre tantas dramaticidades da maravilhosa obra de Polanski, certamente a que mais me emocionou foi a que retrata o momento em que as tropas do Exército Vermelho soviético libertam um dos campos de concentração nazista na Polônia e se deparam com as atrocidades realizadas por Adolf Hitler. É realmente de verter lágrimas.
Desde pequeno me dá calafrios supor que os nazistas podem voltar ao mundo a qualquer momento. Não consigo admitir que em um dos lados do conflito exista batalhões de neonazistas formados com a tolerância do governo ucraniano. O país se tornou um centro de treinamento mundial de nazistas, isso não se pode negar. Não é à toa que a extremista brasileira Sara Winter (que foi presa por ameaçar o STF) fez treinamento na Ucrânia. E que os desmiolados do MBL, jovens de direita, foram àquele país com a intenção de produzir coquetéis molotov para jogar no exército russo (sic). Um deles era o tal deputado estadual Mamãe Falei, que ficou famoso pela sua “valentia”.
Só isso já me basta para saber de que lado estou. Se há nazistas formatados, tolerados e permitidos de um lado, portanto estou do outro. Não me importa quem vai destruí-los, mesmo que seja o beligerante Putin, a KGB ou o Coelhinho da Páscoa.
Óbvio que vou ouvir que Putin, um ex-agente da KGB, o serviço secreto soviético, é também um nazista, homofóbico, truculento como todos os homens forjados na caserna (vide o exemplo do psicopata Bolsonaro, formado no Exército brasileiro, que nem de longe tem a história de Wladimir Putin), que rompeu um tratado internacional invadindo a Ucrânia, que é um ditador, genocida, etc, etc.
Não se trata de apoiar guerras, pois ninguém, em sã consciência concorda com elas. Elas matam inocentes, que nada têm a ver com o conflito. São apenas vítimas. Jovens, mulheres, crianças, vitimadas pela estupidez humana. Mas ela existe e a história da humanidade, infelizmente, é manchada de sangue. Milhares de vezes se optou pelo caminho das armas. É lamentável que isso ainda aconteça em pleno século XXI, como bem disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas é um dado de realidade.
Quando não há mais espaço para negociações, elas acabam eclodindo. Aparentemente, os russos tentam negociar há mais de 8 anos, questões importantes e incômodas com a Ucrânia, sem sucesso. Chega um momento que a corda de tensão rompe e se opta pelas vias bélicas. Quantas vezes os norte-americanos não fizeram isso em centenas de lugares do mundo, em momento algum tendo seu território ameaçado, sem tanta indignação? Não tem algo errado nisso?
Se todo país fosse de fato pacifista e adorador da paz, porque todos eles (exceto a Holanda) sustentam Forças Armadas e uma indústria bélica que norteiam a paz mundial? Já deveriam ter sido extintas. Com todo o dinheiro que se usa para sustentar a indústria da guerra, daria para acabar com a fome no mundo. Por que não se faz isso, então?
Na minha opinião, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, um comediante que se tornou mandatário, jamais deveria provocar seu vizinho infinitamente mais poderoso, levando seu país a um conflito que ele mesmo sabia que não poderia ganhar.
Deveria ter se rendido às evidências e não realizar uma provocação querendo entrar na OTAN e implantar armas nucleares na fronteira com a Rússia. Ao menos neste ponto já deveria ter recuado (parece que o fez). Trata-se de uma aventura, como fizeram os militares argentinos ao desafiar as Forças Armadas britânicas, na guerra das Malvinas.
Zelensky é na verdade, uma espécie de Bolsonaro do Leste Europeu, inconsequente, eleito após um golpe de Estado, com discurso anti-política, insulflado pela OTAN (leia-se interesses norte-americanos e europeus), sabe lá com que argumentos (possivelmente materiais) cujo desequilíbrio pode levar o mundo à terceira guerra. Ele e seus nazistas não me inspiram nenhuma confiança, menos ainda os norte-americanos, os nossos reais invasores.
Abaixo algumas posições de judeus que são antagônicas. Peguei apenas dois que respeito muito, independentemente do lado que estão nesta guerra:
Breno Altman – jornalista e publisher da publicação Opera Mundi
Tendência tóxica
Parte da esquerda compra o discurso que o mundo se divide entre “democracias” e “autocracias”. Além dessa narrativa ser hipócrita, coloca seus defensores sob hegemonia do pensamento liberal e os leva à omissão na luta contra o sistema imperialista liderado pelos EUA.
Chance para a paz
A possibilidade de paz está nas mãos de Zelensky, o presidente da Ucrânia. A Rússia apresentou exigências sem imposições contra a existência soberana do país vizinho, nos termos anteriores à ação militar. Se Kiev deixar de ser bucha de canhão do imperialismo, as armas se calarão.
Fato Positivo
Outros Estados em conflito com o sistema imperialista liderado pelos EUA tentaram reagir: Iraque, Afeganistão, Líbia, Iugoslávia, Síria etc. Foram destroçados. O fortalecimento militar da Rússia mudou o jogo. Primeiro na própria Síria, agora na Ucrânia. Uma boa notícia para os povos do mundo…
Novo cenário
A ação da Rússia contra a Ucrânia quebra o monopólio da violência e da guerra exercido pelos EUA desde 1991, através do qual defendia implacavelmente sua hegemonia. Na Síria houve um ensaio geral, mas agora se consolida o novo cenário. O imperialismo não pode mais deitar e rolar.
Elefante branco
A ONU é a mais cara, decorativa e inerte ONG de Direitos Humanos do planeta. Alguns de seus serviços funcionam, mas revela-se inútil para resolver conflitos. Atropelada desde a fundação pelos EUA, sem reação, a ONU não tem credibilidade para salvaguardar o direito internacional.
Reta final?
Encerrada a terceira rodada de conversas entre Rússia e Ucrânia, ainda não se chegou a um acordo. Mas o avanço das tropas russas aproxima a rendição de Kiev. Bucha de canhão do imperialismo, a Ucrânia logo terá que aceitar, sob armas, o que recusou na mesa de negociações.
Nelson Nisenbaun – médico participante do grupo de Judeus Sionistas de Esquerda
Psicoputin
Vladimir Putin, destilado nas melhores escolas de espionagem, informação e contrainformação, capacidade técnica, física e de persuasão, transita “milagrosamente” de uma posição enraizada no regime soviético para uma posição reacionária verdadeiramente neo-czarista, revelando-se um habilidoso oportunista que soube ocupar como ninguém os espaços deixados por um confuso Gorbachev, que sucedeu uma confusa transição pós Brezhnev, que por sua vez enfrentou uma tentativa de golpe por parte de forças do regime anterior e que foi sucedido por Boris Yeltsin, o excêntrico reformador que certamente não teve a capacidade de manter de pé a unidade soviética.
Capacidade militar
Em uma Rússia castigada pelo desmantelamento do império que era seu e por uma crise econômica gravíssima, a única chance se sobrevivência de Putin foi aproveitada pelo seu alinhamento com as oligarquias bilionárias formadas pela pilhagem dos escombros soviéticos. O capitalismo em sua forma mais selvagem assolou a nova Rússia e Putin soube muito bem ver a cena e subir neste cavalo. Enquanto a economia Russa descia paulatinamente os degraus na escala mundial, Putin soube muito bem preservar a grande capacidade militar, ainda a segunda em ordem de grandeza mundial, o que fala muito bem sobre sua vocação bélica inata.
Ressentimentos nacionalistas
Mas no campo das relações internacionais e empresariais é que a coisa parece não ter ido tão bem. O volume de oposição que surpreende Putin no momento não se fabrica da noite para o dia e não se refere apenas à questão ucraniana. O discurso de tantas páginas recitado às vésperas da invasão da Ucrânia é um longo libelo nacionalista, personalista, nostálgico, e reacionário que não confessa outra coisa senão ressentimentos, relembrando, em grande medida, os ressentimentos nacionalistas de Hitler no seu “Mein Kampf”. A história nos ensina muito sobre ressentidos poderosos, e Putin está muito acostumado ao poder, especialmente ao absoluto.
Verve autoritária
Putin tem uma psicologia clara, seus comportamentos são óbvios, e sua obsessão pelo segredo e mistério só faz revelar sua verve autoritária, megalomaníaca, reacionária e ressentida, algo aparentemente já percebido por subordinados, que filmados diante de um pronunciamento do líder, exibiam tudo menos um semblante de bons amigos.
Voluntário do desastre
Tudo está no campo da psicologia. E como todos sabem, pelo título de meu primeiro livro “solo” (Agudas e Crônicas: O olhar clínico), leio a realidade pelas lentes clínicas que venho polindo e tentando aprimorar há 37 anos no exercício da minha profissão. E por essas lentes, Putin pertence muito mais ao campo do diagnóstico do que ao campo político, no qual, fora de sua zona de conforto autoritária e brutal, conduziu-se voluntariamente ao desastre.