Por Wálter Maierovitch, em Carta Capital –
Por que o ministro Marco Aurélio diz o certo quando se refere à relação entre STF e impedimento
Vou atualizar um tema jurídico tratado neste espaço em razão de declaração do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Fora dos autos e sem vestes talares, Marco Aurélio, para o qual o Supremo é sempre a derradeira “trincheira da cidadania”, entende caber ao excelso Pretório a “última palavra” na hipótese de o Senado aprovar o impeachment.
Pela Constituição, compete apenas ao STF julgar a presidenta Dilma por crime comum no curso do atual mandato.
Atenção: se vier a presidenta Dilma a cometer infração penal comum antes do início do segundo mandato, o procedimento apuratório e eventual ação penal ajuizada ficarão suspensos, até o fim do mandato presidencial em curso. Tratamento constitucional diferente ocorre quando o crime é de responsabilidade, a ensejar impeachment e consumado no curso do mandato presidencial.
O mérito do pedido de impeachment por crime de responsabilidade será julgado pelo Senado, ultrapassadas as fases rituais de admissibilidade pela Câmara e de recebimento de denúncia pelo Senado. Assim, teremos julgamento político, pelo Senado, e não julgamento judicial, pelo STF.
No crime comum tentado ou consumado no curso do segundo mandato, será lançada decisão jurisdicional. Os julgadores terão livre convencimento. Mas, para condenar, absolver ou declarar extinta a punibilidade, estarão obrigados a dar as razões do convencimento.
Mais ainda, terão de explicar, à luz das provas, se o fato imputado na acusação tem adequação ao tipo penal. Em resumo, se houve o cometimento de fato típico, antijurídico (contrário ao Direito) e culpável (conduta dolosa ou culposa). No Senado, o julgamento de impeachment será sempre político e, assim, os senadores não precisarão motivar, declarar o motivo do convencimento. Eles votarão o impeachment na base do “sim” ou “não”.
Para ficar claro e diante de caso concreto do chamado impeachment de Dilma: nenhum senador terá de dizer, no julgamento, por que entendeu ter ou não havido “pedaladas” ou se foram editados decretos com burla. Fora isso, se tais atos são tipificáveis como crimes de responsabilidade da presidenta.
Diante de uma decisão política e imotivada, resta saber se o Judiciário, pelo STF, poderá reexaminar o mérito. Em jogo estaria, diante da lei de responsabilidade fiscal, o exame pelo STF da tipicidade das “pedaladas” e decretos emitidos sem passagem pelo Legislativo.
A respeito, existem duas posições inconciliáveis. Na última semana e sobre adequações típicas estiveram expondo na Comissão Especial do impeachment os denunciantes e os representantes do governo, mais especificamente o ministro da Fazenda e um respeitado jurista da área tributária e financeira.
Parêntese, é lógico que violações ao rito ou colocações para julgamento de acusações estranhas ao exercício do segundo mandato presidencial (v.g.: caso Pasadena) levarão, acionado o STF, à nulidade do processo de julgamento do impeachment. Afastados os vícios geradores de nulidades, o processo é novamente levado a julgamento.
Não custa lembrar de estar claro na Constituição não poder o presidente da República, na vigência do seu mandato, ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções: o próprio Eduardo Cunha excluiu, no seu juízo de admissibilidade do pedido de impeachment, fatos anteriores ao segundo mandato e, diante disso, houve aditamento do pedido pelos denunciantes Reale-Paschoal-Bicudo. Fechado parêntese.
A posição externada pelo ministro Marco Aurélio tem apoio constitucional. Mais especificamente na garantia constitucional pétrea de não se poder excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, inciso XXXV).
No outro extremo, frise-se, está o entendimento do jurista e antigo ministro Carlos Mário da Silva Velloso que ressalta, com base no princípio constitucional da Separação de Poderes, tratar-se de julgamento político da competência exclusiva do Senado e com isso tollitur quaestio, acabou-se a questão.
Diante de tal quadro, não se sabe por que o governo Dilma, ao insistir na atipicidade de condutas, não se antecipa e busca um pronunciamento do STF, por violação à regra constitucional asseguradora da tipicidade. Caso conhecida a ação, poderiam os ministros do STF debruçar-se sobre a tipicidade em tese e chegar a eventual trancamento do impeachment por falta de justa causa (atipicidade).
Com a palavra o ministro José Eduardo Cardozo. Como era voz corrente no foro romano: dormientibus non sucurrit jus, o direito não ajuda os que dormem. Nem se diga, para quem tem certeza sobre atipicidades, poder o STF, no caso de acionamento, declarar a existência, sempre em tese, das atipicidades e virar tiro no pé.