Judiciário e mídia, a parceria “dentro dos conformes”

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 Por Washington Luiz de Araújo, jornalista – 

“Fui a uma reunião de pauta do Jornal Nacional, e o William Bonner liga para o Gilmar Mendes, no celular, e pergunta:  ‘Vai decidir alguma coisa de importante hoje? Mando ou não mando o repórter?’  ‘Depende. Se você mandar o repórter, eu decido alguma coisa importante’.”




Quem conta isso é professor da USP  Clóvis de Barros Filho, no livro Devaneios sobre a atualidade do Capital.”  

O fato ocorreu  há alguns anos, mas isso que estarreceu o acadêmico de Comunicação hoje já não espanta mais ninguém. Toda ação espetaculosa da Polícia Federal conta com as viaturas da Globo na comitiva.  Portanto, jornalistas ficam sabendo antes do preso. Esse é o conluio da justiça com a mídia, que leva, por exemplo, Sérgio Moro a realizar  prisões e conduções  coercitivas  numa quarta-feira, no máximo na quinta, para que todos tenham  tempo,  inclusive as acusadoras revistas semanais, de  dar  capa para o acontecimento. E se der para encaixar perto de  eleições, melhor ainda. Contamine-se mais ainda o cenário e prejudique-se  o inimigo, o alvo. 

A operação mais recente de Sérgio Moro deu-se numa quarta-feira:  a  detenção de Guido Mantega,  ex-ministro de Lula e Dilma, no hospital onde sua esposa passaria por uma cirurgia de câncer. Não esperem da grande mídia grandes reparos sobre essa conduta. O que eles querem é espetáculo, e espetáculo é o que judiciário está proporcionando. Cinco horas depois, Moro concluiu que Mantega não oferece nenhum perigo e o soltou. Depois de todo os danos causados a ele e sua família. Poderia ter concluído isso antes, mas o espetáculo de constrangimento alheio tem que continuar.

“Se você mandar o repórter, eu decido alguma coisa importante”, disse Gilmar Mendes a Willian Bonner. E assim tem acontecido rotineiramente. Sérgio Moro não esconde de ninguém que precisa da mídia para expor suas ações. E a chamada grande mídia agradece e, servilmente, expõe. Dane-se se a esposa de Guido Mantega está prestes a passar por uma cirurgia contra o câncer.

Como disse o filósofo Renato Janine Ribeiro, que se mostrou chocado pela desumanidade da ação do judiciário: “Segundo Nelson Rodrigues, Otto Lara Rezende dizia que o mineiro só é solidário no câncer. O câncer, a doença grave, era assim o último refúgio de humanidade. Nem mais isso.”

O  espetáculo midiático prossegue. Fazem   tudo como se fossem roteiristas de uma novela fajuta, mas sombria. Não pensam duas vezes antes de cometer  uma atrocidade.

A capa da ex-revista em atividade “Veja” desta semana  dá o tom, mostrando Lula decapitado. Aliás, o espetáculo oferecido pelo Ministério Público Federal, com a denúncia contra Lula aconteceu  no dia 14 de setembro, uma quarta-feira, dia ótimo para o espetáculo midiático.

Lembro-me de jornalistas, há cerca de 15 anos, aguardando resultado de reunião do Partido dos Trabalhadores na qual se discutiam  lançamentos de candidaturas. Eles, os jornalistas,  reclamavam:  o pronunciamento dos dirigentes deveria ser feito antes do horário de fechamento das edições!  Ficavam revoltados quando as reuniões ultrapassavam as 19h30,  e invariavelmente  isso acontecia. Hoje, como diria aquele delegado de polícia simplório, está tudo “dentro dos conformes”. Dane-se  o bom senso, a humanidade. O show é o que importa. E o show tem que continuar!

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