Juíza censura em “segredo” e imprensa se cala

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Por Marcelo Auler em seu Blog – 

Pois é definitiva a lição da História que, em matéria de imprensa, não há espaço para o meio-termo ou a contemporização. Ou ela é inteiramente livre, ou dela já não se pode cogitar senão como jogo de aparência jurídica”.




(…) “Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário”.  (Ministro Carlos Aires Brito , no histórico voto na ADPF 130, em 30/04/2009)

A liberdade de imprensa – que Carlos Aires Brito, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), já classificou como “irmã siamesa da democracia” – costuma ser um dos primeiros direitos constitucionais combatidos e renegados em ditaduras e/ou governos autoritários.

Desfraldar a bandeira em sua defesa é ponto fundamental de qualquer cidadão que preze o estado democrático de direitos. Mais ainda por parte de jornalistas, órgão de comunicação e suas entidades representativas. Não apenas por se tratar da defesa do direito de a população ser informada livremente. Mas também pela liberdade do exercício profissional.

A decretação de censura – prévia ou não – hoje, mais do que nunca, soa como excrescência jurídica. Afinal, em diversos julgados o Supremo Tribunal tem reafirmado que a Constituição de 1988 não admite qualquer espécie de cerceamento da liberdade de informação. A começar pelo histórico voto de Aires Brito, em abril de 2009, na já famosa Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional (ADPF) 130, na qual a corte considerou que a Carta Magna não acatou a lei de imprensa existente desde a ditadura.

Mais ainda, seus ministros defendem o papel crítico da imprensa, como no voto da ministra Rosa Weber ao julgar a Reclamação 16.434/ES, na qual a revista eletrônica Século Diário, de Vitória (ES), se queixava de uma censura judicial:

“É sinal de saúde da democracia – e não o contrário -, que os agentes políticos e públicos sejam alvo de críticas – descabidas ou não – oriundas tanto da imprensa como de indivíduos particulares, no uso das amplamente disseminadas ferramentas tecnológicas de comunicação em rede”,

Por tais posicionamentos do Judiciário, é preocupante quando se percebe que órgãos de comunicação e também entidades representativas da imprensa se submetem calados a decisões judiciais que, atropelando a Constituição e menosprezando as decisões do STF, impedem a livre circulação de informações.

Na sua decisão, a juíza do Paraná, Genevieve Paim Paganellam, reaparece com a censura prévia.

Na sexta-feira (22/01), o jornalista Fernando Brito, editor do site Tijolaço, em atitude digna, ao ser obrigado judicialmente a retirar do Blog uma informação, acatou – contrariado – a ordem da juíza Genevieve Paim Paganella, da 10ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná.

Sem quebrar o segredo de justiça imposto pela decisão – não identificou o assunto e sequer a autora da ação, outra magistrada do Paraná – deu ciência a seus leitores da censura que lhe foi imposta liminarmente, ou seja, antes mesmo de ter direito a se defender. Em outras palavras: denunciou-a.

A ordem judicial foi além da determinação de censurar a matéria veiculada. Não satisfeita em determinar ao Tijolaço a retirada do acesso público à postagem, a juíza Genevieve promoveu a chamada censura prévia. Como denunciou o site, proibiu-o “de efetuar novas postagens relativas aos mesmos fatos, em qualquer publicação ou postagem, por quaisquer meios de divulgação, mormente em virtude do caráter sigiloso do processo judicial sub judice (sic)”.

Ou seja, no processo em que desrespeitou as decisões do Supremo, por motivos inexplicáveis, determinou o segredo de justiça. Apenas para lembrar, este Blog foi censurado por dois juízes – de Curitiba e Belo Horizonte – e responde a cinco processos. Nenhum em segredo de justiça.

Pela postagem de Brito, apesar dele não explicitar do que se trata, constata-se que seu comentário, de julho de 2018, girava em torno da decisão da juíza Márcia Regina Hernández de Lima, da Vara da Infância e Adolescência do município de Pinhais (PR), de deportar dois menores haitianos que viviam no Brasil na condição de refugiados. Na época, a juíza determinou a separação dos menores de seus pais, contrariando tratados que o Brasil assinou e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Ela tentou repetir o que o presidente Ronald Trump fazia nos Estados Unidos – sob protestos mundiais – com crianças de famílias presas por ingressarem ilegalmente naquele país.

O assunto, como lembra Brito, foi divulgado em diversos meios de comunicação. O primeiro a noticiá-lo foi o  Jornal do Brasil em reportagem compartilhada por este Blog – Juíza do PR imita Trump e separa haitianos. Em seguida, repercutiu em O Globo, no jornal paranaense A Gazeta do Povo, e até no site do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, no qual ainda se encontra a crítica à decisão da juíza Márcia Regina – Crianças são separadas de pais haitianos e pedido de deportação é contestado. Na ação contra Brito há outros réus. Ele não nomeia todos, mas cita as Organizações Globo.

Censurados silenciosamente

No site de O Globo, a reportagem de julho de 2018 não é mais encontrada.

Naquela mesma segunda-feira, o jornal impresso publicava a mesma reportagem na página seis do primeiro caderno (veja reprodução em foto) intitulada “Em Curitiba, Justiça retira haitiano dos pais”.No site de O Globo, já não se encontra mais a notícia veiculada em 3 de julho de 2018, sobre o caso de Pinhais: “Juíza determina que crianças haitianas sejam separadas dos pais em Curitiba”. No endereço da antiga matéria hoje aparece a informação “Página não encontrada”, como mostra a ilustração ao lado com o print antigo da reportagem e a página atual.

Porém, ao contrário de Brito, nem no site de O Globo, tampouco nas suas edições impressas se identificou qualquer nota explicando aos seus leitores a retirada da matéria do on line. Menos ainda qualquer reportagem denunciando mais uma censura judicial, contrária a tudo o que o Supremo tem reafirmado. Aparentemente, as Organizações Globo acataram silenciosamente esta ordem que, por tudo o que falaram os ministros do STF, é inconstitucional. Deverá brigar nos tribunais com o seu departamento jurídico

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