Por Alberto Carlos Almeida, publicado em Poder 360 –
Poder e dinheiro sempre irão se encontrar
A NOVA JABUTICABA: CRIMINALIZAÇÃO DO CAIXA 1 E DO VOTO DOS PARLAMENTARES
Nasceu este ano no Brasil uma nova jabuticaba: a criminalização do caixa 1 e do voto dos parlamentares no plenário. Esta jabuticaba caiu no gosto da opinião pública, inclusive de gente muito qualificada, e justamente por isso vem sendo cultivada com muita dedicação pelos jardineiros de plantão, nossos procuradores e juízes. Dentre o grupo de pessoas qualificadas, causa espanto o silencio da ciência política brasileira, com exceção de Bruno Pinheiro Reis, com quem venho debatendo sistematicamente este tema, e a quem devo a ideia do tema aqui desenvolvido.
No início de março deste ano, os 5 ministros da 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Edson Fachin, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, acolheram a denúncia de corrupção passiva feita por Rodrigo Janot contra o senador Valdir Raupp. Nossos juízes máximos entenderam, fundamentados em delação, que uma doação de campanha legal possa, na verdade, ser legal, isto é, ser crime. Ao receber doações de campanha por meio de caixa 1, o Senador Valdir Raupp teria se comprometido a votar em defesa dos interesses da empresa Queiroz Galvão no plenário.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, também é acusado de corrupção passiva por receber financiamento eleitoral em caixa 1. Igualmente, seu comportamento legislativo, em plenário, é passível de se tornar crime em breve.
Vejam, leitores, o absurdo de se criminalizar as doações legais de campanha e as decisões políticas de um parlamentar. Sei que é difícil raciocinar em um momento como o que vivemos, quando todos os políticos são considerados corruptos e quando todos os comportamentos de tais atores são, a princípio, suspeitos.
A nossa ordem jurídica, ao menos a que regia as eleições disputadas pelo senador Raupp e pelo deputado Rodrigo Maia, considerava legal receber financiamento de campanha de empresas por meio do caixa 1. Por outro lado, deputados e senadores são eleitos para votarem leis. Trata-se do papel profissional deles, não o único, mas talvez o mais importante. As duas coisas podem vir a se tornarem ilegais. Caso isto aconteça, a política se tornará uma atividade 100% criminosa.
Vamos supor que uma empresa de construção civil tenha superfaturado um contrato com o governo. Caso a licitação tivesse sido inteiramente lícita, a empresa teria faturado 100, mas como houve propina, ela faturou 125. Esta mesma empresa decidiu financiar a campanha de vários políticos, sendo parte importante deste financiamento em caixa 1, isto é, financiamento legal.
O recurso para tal finalidade foi de 10. Ora, não se pode dizer se estes 10 saíram dos 100 ou dos 25 superfaturados. Assim, não é possível afirmar que os 10 tenham vindo de propina. Eles vieram sim, do caixa da empresa, foi um valor retirado do faturamento total da empresa.
Por outro lado, ao financiar uma campanha a empresa passa a ter mais acesso ao político. Por favor, não sejamos hipócritas. Uma empresa que financia uma campanha eleitoral é recebida mais rapidamente por qualquer político do que uma empresa que não financia. Creio que isto, para nossos procuradores, ainda não seja ilegal. Do jeito que a coisa anda, não duvido que venha a se tornar em breve.
Pois bem, o político que foi financiado recebe a empresa que o financiou e o representante da empresa, que poderia ser denominado de assessor de relações governamentais, apresenta a visão da empresa e os motivos pelos quais ela defende a aprovação de uma determinada lei. O político vai lá e vota esta lei tal como demandado pela empresa que financiou a sua campanha. Pelo amor de nosso santo Deus, onde está o crime nisto?
Ora, se o financiamento de campanha pelo caixa 1 é legal, e se também é legal conversar e persuadir um político em votar uma lei, como então é possível tornar isto um crime? Os procuradores reescrevem a frase acima afirmando que o financiamento de campanha pelo caixa 1 ocorreu com dinheiro de propina, e graças a tal financiamento o político votou do jeito que votou no plenário.
Ou seja, o voto do parlamentar foi comprado por dinheiro de obra superfaturada. Pois bem, isto é o que diz um procurador, mas foi isto mesmo que aconteceu? Por que não teria acontecido o que narrei aqui? Quem diz o que realmente aconteceu? O juiz. O poder dele é imenso. Ele hoje tem o poder de tornar a política, repito, uma atividade 100% criminosa.
Por fim, não custa lembrar aos nossos procuradores e juízes que cabem aos políticos alocar recursos públicos, sejam eles financeiros ou regulatórios, e que os políticos serão procurados pelas empresas e grupos econômicos. Como todas as letras: isto irá acontecer, o mundo funciona assim. Não há criminalização que venha a impedir que empresas, grupos empresariais, associações de classe abordem e pressionem os políticos a aprovarem medidas que os beneficiem. Estamos lidando, de um lado, com organizações que têm dinheiro, e de outro, com pessoas que têm poder. Poder e dinheiro irão se encontrar.
O nível de criminalização de nossa política, que chega ao ponto de considerar a possibilidade de fazer do caixa 1 algo ilegal, parece ser compatível com a nossa mentalidade anticapitalista. Atualmente é ilegal a doação eleitoral empresarial. Imagino que ninguém pense que por causa disto as empresas deixarão de pressionar os políticos.
Se algum dia a contribuição das empresas às campanhas eleitorais voltar a ser legalizada, as próprias empresas terão muito receio em fazê-lo, e não será somente pelo risco de imagem, mas principalmente pelo risco jurídico. E os políticos que se preparem, todos poderão ser condenados a qualquer momento por qualquer razão.