Julho será o mês mais quente da história

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“Era do fervimento global começou”, afirma secretário-geral da ONU, desde o dia 3, todos os dias bateram recorde histórico

Por Observatório do Clima, compartilhado de Projeto Colabora




Avião combate incêndio florestal na Ilha de Rhodes, na Grécia, onde calor está acima de 40: julho será o mês mais quente da história, alerta a ONU (Foto: Spyros BAKALIS / AFP – 25/07/2023)

As temperaturas médias globais superaram o recorde histórico 23 vezes no mês de julho de 2023, o que tornará este o mês mais quente da história da humanidade desde o início das medições com termômetros, no século 19. A sentença foi dada nesta quinta-feira (27) pela Organização Meteorológica Mundial, órgão das Nações Unidas, e é baseada em informações do sistema europeu de observação da Terra, o Copernicus. “Começou a era do fervimento global”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, no lançamento dos dados.

Desde o dia 3, todos os dias do mês tiveram médias acima de 16,8oC, registrado em 13 de agosto de 2016. Os dias mais quentes do mês e do registro histórico foram 6 de julho (17,08oC), 7 de julho (17,07oC) e 5 de julho (17,06oC). A média verificada para o mês foi de 16,95oC, muito acima dos 16,63oC registrados em julho de 2019, que até aqui detinha o recorde de mês mais quente da história.

A média global antes da era industrial era 15oC, ou seja, este mês está dando aos terráqueos um gostinho de como deve ser a vida caso o aquecimento global ultrapasse o 1,5oC – o que deve acontecer na próxima década.

As altas temperaturas vêm produzindo o verão mais dramático já visto no hemisfério Norte, com temperaturas beirando ou ultrapassando os 50oC nos EUA, na China, na Europa e no Oriente Médio. O Canadá vive a pior e mais longa temporada de incêndios florestais de sua história, e a Grécia precisou evacuar a ilha de Rodes no fim de semana por causa do fogo. A OMM decretou o recorde antes mesmo do final do mês.

“Não precisamos esperar até o fim do mês para saber disso. A menos que uma mini-Era do Gelo aconteça nos próximos dias, julho de 2023 baterá todos os recordes”, afirmou Guterres. “Para vastas partes da América do Norte, Ásia, África e Europa este é um verão cruel. Para o planeta como um todo, é um desastre. E, para os cientistas, é inequívoco – os seres humanos são os culpados”, prosseguiu.

Os dados do Copernicus diferem em metodologia dos registros do Climate Reanalyzer, um sistema de visualização e modelagem mantido pela Universidade do Maine, nos EUA, que usa dados de bases públicas americanas. No entanto, ambos contam a mesma história e exatamente a mesma tendência para o mês. “O clima extremo que afetou muitos milhões de pessoas em julho é, infelizmente, a dura realidade da mudança climática e uma amostra do futuro”, disse o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, Prof. Petteri Taalas. “A necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa é mais urgente do que nunca. A ação climática não é um luxo, mas uma obrigação”.

A OMM prevê que há 98% de probabilidade de que pelo menos um dos próximos cinco anos seja o mais quente já registrado e 66% de chance de exceder temporariamente 1,5°C acima da média de 1850-1900 por pelo menos um dos cinco anos.

Julho costuma ser o mês mais quente do ano porque é o auge do verão no hemisfério Norte, que concentra a maior parte das terras emersas do globo. Isso é contraintuitivo para os habitantes do hemisfério Sul, que atravessam o inverno; mas é real demais, por exemplo, para os moradores de Palermo, na Sicília, que registrou 47oC nesta semana, ou de Sanbao, na China, que bateu os 52,2oC no dia 16.

Mas não é só o norte que está sentindo o impacto dos extremos climáticos. Mesmo no inverno, período escuro e frio, a cobertura de gelo marinho na Antártida em julho é a menor da história: 2,6 milhões de quilômetros quadrados (meia Amazônia) abaixo da média histórica verificada desde o início das medições com satélites e 1,6 milhão de quilômetros quadrados abaixo do último recorde negativo, em 2022.

A redução do gelo marinho antártico em 2023 está sendo chamada de “evento de cinco sigmas”, por estar cinco desvios-padrão abaixo da média.Em linguagem estatística, isso significa um evento muito, muito, muito raro.

Adaptando uma metáfora bem-humorada do astrofísico americano Robert Kirshner para explicar esse conceito estatístico, um desvio de um sigma é tão improvável que dá para apostar sua casa contra a ocorrência de um evento de um sigma; com dois sigmas, você aposta seu marido; com três sigmas, a improbabilidade é tamanha que dá para apostar até seu cachorro. O oceanógrafo australiano Edward Doddridge diz que um evento de cinco sigmas significa que um inverno como o de 2023 seria esperado uma vez a cada 7,5 milhões de anos.

Os cientistas ainda não têm uma boa explicação para as mudanças no gelo marinho antártico, que, após décadas de estabilidade, começou a apresentar em 2016 uma tendência de redução de área, como a que já é vista no Ártico há muitos anos. A aposta, claro, é o aumento da temperatura média dos oceanos, especialmente em suas camadas superiores.

E como esquentaram. O Mediterrâneo tem temperaturas 5oC acima da média. Desde abril, as temperaturas da superfície do mar no mundo excluindo os polos bateram os recordes históricos para a época do ano. Desde maio, elas estão em níveis sem precedentes no registro histórico, segundo a OMM.

O El Niño que se instalou no Pacífico a partir de junho tem empurrado os termômetros para cima em 2023, que se encaminha para ser o ano mais quente da história. Mas, mesmo na ausência do fenômeno, que é cíclico, o aquecimento global tem aumentado a intensidade e a frequência de eventos extremos no mundo todo.

O calorão contrasta com a resposta morna dos líderes globais à crise. Todos os grandes produtores de petróleo do planeta vêm aumentando sua produção; o Brasil fala em abrir uma nova fronteira de exploração na costa norte, e a Noruega acaba de licenciar 19 (dezenove!) novos blocos no Mar do Norte. Cereja do bolo, a COP28, a conferência do clima de Dubai, será presidida por um CEO de uma empresa de petróleo, Sultan Al-Jaber.

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