E o doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, na coluna “A César o que é de Cícero”, fala de um amigo dos seus amigos. Fala com muita delicadeza sobre um amigo que se mostrava duro, mas que não perdia a ternura jamais, Julio Marques.
“Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda
furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado,
morando comigo, andando comigo, falando comigo,
vivendo comigo, todos os meus amigos, e,
principalmente os que não desconfiam ou talvez nunca
vão saber que são meus amigos!
A gente não faz amigos, reconhece-os.”
Vinícius de Moraes
“Me enterrem na curva que a Barca faz em Paquetá.
Quando a barca faz uma curvinha eu sei que estou chegando à estação das Barcas de Paquetá. É ali, naquele ambiente bucólico onde a vista alcança, que passa a ideia de ter vento de esvoaçar cabelos, que fico feliz por alguns instantes. Uma felicidade estranha, esperançosa, a ilha.
Fiquei aturdido com a notícia da partida de Julio. Mas não é partida, é outra temporada, é outra ilha. É desembarcar fora do tempo a curva da vida. Isto porque o Júlio era como um amigo, uma vez que ele era amigo do Maurinho e do Washington e da senhora Maria Christina Ferreira.
E olha que ver o Julio frente a frente acho que foi só uma vez. Foi na festa do Washington, aquela em que ele vestiu uma camisa branca do Lula lá na Casa Amarela. Sentado em uma mesa grande, lá estava Julio com sua cara de leão marinho, cara de poucos amigos talvez, um tanto fechada, bebendo.
Por que não falei com ele? Também eu pareço, sei lá, um sujeito que não consegue ficar parado, com tachinha na bunda. Por que não fui lá trocar ideia com o pessoal? A Layla mal chegou e já estava dividindo a cerveja com a Carmola e o público feminino. E eu ia e voltava, fumava lá fora, via as crianças, via a Baía, falava com o Washington.
E cigarros! Que Julio era da época em que se fumava pra valer, época em que se comprava pacotes e mais pacotes de cigarro. O Leão Marinho era movido a vapor!
Nesse calor a vida não é brisa, é bafio, eis a diferença.
Memórias, Luzes. No fundo a gente é feio desses lampejos, desses resíduos da tarde, dessas coisas feitas, somos filhos do cinema. Paquetá tem essa luz. Maceió também. Quando eu morrer, se é que eu vou morrer, eu quero essas luzes nos meus olhos.”
Foto feita pelo amigo Márcio Ferreira. Palavras do fotógrafo: “Como todo grande personagem, o Júlio era totalmente fotografável! Essa é uma das que mais gosto.”
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019), Circo (de Bolso) Gilci e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.