A magistrada indica o uso da verba de 150 milhões de reais pertencente ao Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento (FTI) para custear a vacinação. A decisão é decorrente de uma Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública da União e Defensoria Pública do Estado do Amazonas, contra a União. Nela, os órgãos solicitam a compra de novas doses de vacina contra a Covid-19, para destinar a Manaus, Tefé, Iranduba, Itacoatiara, Parintins, Coari e Tabatinga, cidades mais atingidas pela segunda onda da pandemia. A vacinação tem como alvo a população a partir dos 50 anos.
No entendimento da Justiça Federal, o governo do Amazonas “pode e deve” comprar vacinas sem esperar o governo federal. “Adoto o posicionamento de que por ora, essa obrigação de continuar e intensificar a vacinação complementar pode e deve ser do réu Estado do Amazonas, em especial diante da constatação de que já destacou 150 milhões de reais para a compra de insumos, sem, todavia, ter concretizado ainda as medidas necessárias”, diz Jaiza Fraxe.
Para o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia , a questão pode ser vista de duas formas. “Diante da baixa eficácia do Ministério da Saúde e da gravidade da situação epidemiológica no Amazonas, é algo que a gente tem que pensar como uma medida emergencial. Essa aquisição de vacinas direto com o fabricante é especificamente para o estado do Amazonas, porque a gente não tem como esperar nada razoável do Ministério da Saúde neste momento”, dispara o pesquisador.
O alento que traz esperança
O casal Mário de Melo e Maria Aparecida esperam a vacinação na faixa de 50 anos
(Foto: Raphael Alves/Amazônia Real)
A decisão de comprar vacinas, se cumprida, traz alento para quem já passou pela batalha da doença e esperança para aqueles que ainda aguardam a vez de receber sua proteção. “A sensação de saber que está chegando perto a hora de vacinar nos enche o coração de esperança. É uma coisa que tenho orado para que aconteça rápido, porque trabalho com o público, trabalho com gente, preciso trabalhar e a gente para trabalhar segura, precisa dessa vacina”, afirma a professora Maria Aparecida de Souza, de 50 anos.
Em 13 de fevereiro, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, prometeu que o governo federal iria acelerar o Plano Nacional de Imunização em Manaus com a perspectiva de vacinar o público de 50 anos de idade. A promessa não se concretizou.
Maria Aparecida Maria e o filho, de 22 anos, testaram positivo para o novo coronavírus, durante o início da segunda onda da doença, em novembro. Ela chegou a ter comprometimento severo da capacidade respiratória. “Fiquei muito debilitada. Fiquei sem ânimo de viver. Naquele momento, não tinha força nenhuma para lutar, mas graças a Deus, com a medicina e meu esforço para superar a doença, apesar de ter ficado mal, consegui vencer”, lembra a professora.
O marido de Maria Aparecida, o motorista Mário de Melo Araújo, de 54 anos, até aqui, passou ileso na pandemia. Ele também não vê a hora de também poder ser vacinado. “A primeira coisa que eu vou fazer é dar uma volta, porque eu estou muito preso em casa. Só saio quando é para fazer algum exame e mais nada. A vacina é importante porque vai trazer mais segurança, mesmo assim, não vamos descuidar da máscara, nem esquecer de fazer a higienização com álcool em gel”, lembra.
Aglomerações por vacina continuam
A fila da vacinação de profissionais da saúde no Centro Padre Vignola
(Foto Raphael Alves/Amazônia Real)
Nesta segunda-feira (1/3), teve início na capital amazonense a nova fase de vacinação, destinada a idosos entre 65 a 69 anos – em São Paulo, apenas para comparar, começou nesta data a vacinação dos idosos a partir de 80 anos. Em Manaus, a abertura da vacinação para a nova faixa etária aconteceu no Centro Estadual de Convivência da Família Padre Pedro Vignola, no bairro Cidade Nova. Nas primeiras horas, como tem acontecido em outras partes do País, houve grandes aglomerações nos locais de vacinação.
Mortes por Covid-19 em alta
Sepultamento de vítima da covid no Cemitério Nossa Senhora Aparecida no Tarumã
(Foto: Raphael Alves/Amazônia Real/01/03/2021)
Apesar da liderança no ranking nacional, o ritmo da vacinação no Amazonas ainda é longe do ideal. A capital Manaus sofre com os impactos da pandemia, bem como os demais municípios do interior do Estado, onde não há uma UTI sequer. Desde o início da pandemia até, hoje, o Amazonas já contabiliza 10.860 mortes pela doença.
Um dos grandes gargalos da vacinação contra a Covid-19 é a escassez de insumos, compra e armazenagem dos imunizantes. O mundo todo trava uma corrida para comprar vacinas. Para a juíza Jaiza Fraxe, a vacina da fabricante Pfizer (RNA) tem disponibilidade para vendas a governos seria uma alternativa. “Não é demais observar que o mecanismo eficiente da vacina mencionada confere grande economia, tanto na logística para a chegada do imunizante quanto para a sua aplicação”, diz a magistrada.
Procurada pela reportagem da Amazônia Real , a juíza explicou como seria a logística para manter as vacinas nas condições indicadas pela fabricante. “Na hipótese de ser obtida a vacina Pfizer, a logística não é tão difícil. Tem de ser feito o levantamento do número de freezers – 80 (graus) que existem no estado. Por exemplo: UEA, Ufam, Embrapa, INPA e Fiocruz. Esses eu tenho certeza que tem”, explica Jaiza Fraxe.
A magistrada, que já proferiu ações contra o governo na questão dos fura-filas da vacina , lembra ainda que o estado do Amazonas pode buscar parcerias para ampliar a capacidade de armazenamento. “Certamente que não existem freezers suficientes para atender o estado todo de uma vez, mas para isso existe planejamento”, destaca.
Para o epidemiologista Orellana, as vacinas da Pfizer são praticamente inviáveis de serem empregadas na imunização de comunidades rurais, indígenas, ribeirinhas e outros lugares mais remotos. “No entanto, nada disso impede que você consiga trazer essas vacinas, com todos esses cuidados, esses protocolos, para cidades que têm infraestrutura”, pontua Orellana.
“Claro que você não vai poder distribuir essa dose massivamente, mas pelo menos pode fazer uma distribuição planejada, organizada, em grupos prioritários como professores, trabalhadores de segurança pública, atendentes de caixa eletrônico, de supermercado e comércio em geral”, diz o pesquisador.
Para o médico-infectologista e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Bernardino Albuquerque , o importante neste momento é comprar vacinas que ofereçam disponibilidade mais imediata dentre as aprovadas pela Anvisa. “Convivemos atualmente com a ocorrência da doença e óbitos em população mais jovens, principalmente aqueles portadores de comorbidades, que necessitam urgentemente serem protegidos e não estão inseridos na atual proposta do Ministério da Saúde”, diz Bernardino.
O que dizem as autoridades
Produção de vacinas na Biomanguinhos (Foto: Peter Ilicciev /Fiocruz)
A reportagem da Amazônia Real entrou em contato com o governo do Amazonas. Em nota, informou que o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, do qual o governador Wilson Lima (PSC) faz parte, já intensificou a consulta a laboratórios de vários países sobre a disponibilidade dos imunizantes.
Por meio da Secretaria de Estado da Saúde (SES-AM), o governo enviou no último dia 15/2, ofícios para o Instituto Butantan, em São Paulo, e à presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, consultando sobre a disponibilidade de 1,2 milhão de vacinas contra a Covid-19. O governo informa que, por meio do Consórcio, foram acionadas as seguintes instituições e laboratórios: União Química Farmacêutica e Russian Direct Investment Fund (com foco na aquisição da Sputnik V), AstraZeneca/Oxford, Pfizer, Sinovac/BioNtech, Sinopharma, Moderna Therapeutics e Conselho Curador do Instituto Butantan. À Embaixada da China no Brasil, o consórcio anexou a carta enviada à Sinopharm, reforçando o interesse em adquirir as vacinas, explica a nota.
Contudo, a nota não informa se houve qualquer resposta positiva por parte dos consultados. Apenas informa que a Fundação Oswaldo Cruz respondeu que “toda a produção da instituição está integralmente destinada ao Ministério da Saúde, não sendo possível atender à demanda do Amazonas”. O governo também não respondeu se pretende usar a verba do FTI para comprar vacinas.